A chegada até as terras brasileiras não encerra os desafios das pessoas que sofrem perseguições em seus Estados de origem. Para realmente ser considerado refugiado no Brasil e assim receber a proteção do instituto do refúgio é necessário passar, também, pelo procedimento de reconhecimento do status de refugiado previsto na Lei nº 9.474/97.
O procedimento para solicitação de refúgio no Brasil é composto pelo CONARE (Comitê Nacional para Refugiados), o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) e pela Sociedade Civil Organizada representada, em regra, pelas Cáritas Arquidiocesanas do Rio de Janeiro e São Paulo, as quais são entidades não-governamentais ligadas à Igreja Católica.
O procedimento inicia-se com a manifestação de vontade de solicitar o reconhecimento da condição de refugiado perante a autoridade competente - Polícia Federal - que emitirá protocolo em favor do solicitante para sua estadia em território brasileiro, sendo que a partir desse momento, o solicitante já está protegido pelo princípio do non-refoulement, pois não pode ser devolvido ao país de origem enquanto o procedimento não findar. Nesse sentido, Barbosa e Hora (2007, p. 56) externam que o momento de ingresso no país é o mais sensível e importante, pois uma vez violado o princípio do non-refoulement para o refugiado significa risco a sua vida e integridade física e, para a autoridade de polícia federal, eventual prática do crime de abuso de autoridade.
Com o comprovante do protocolo em mãos é concedido ao refugiado sua permanência provisória no Brasil, bem como o gozo de direitos civis e sociais o que inclui a emissão de carteira de trabalho e o exercício de atividade laborativa (SILVA JÚNIOR, 2017, p. 210).
Em seguida, a Sociedade Civil representada pelas Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro e São Paulo, participam, efetivamente, do procedimento de concessão de refúgio. Essas entidades não-governamentais possuem convênio que se renova anualmente com o ACNUR, e têm as seguintes diretrizes:
- (1)as diretrizes que a Cáritas Arquidiocesanas de São Paulo e Rio de Janeiro devem seguir no atendimento aos refugiados, (2) estipula os deveres de ambas as partes, entre os quais se pode citar da parte do ACNUR o dever de enviar os fundos para o exercício da proteção e da parte das Cáritas o dever de prestar contas ao ACNUR, e (3) estabelece as responsabilidades dos funcionários que realizam tal atendimento, sendo a Cáritas a entidade legal que responde por qualquer incidente (JUBILUT, 2007, p. 196).
Assim, Jubilut afirma que as Cáritas Arquidiocesanas de São Paulo e do Rio de Janeiro exercem a função do ACNUR por meio de uma competência delegada, pois atuam tanto nos aspectos sociais quanto nas questões jurídicas. Isto porque, a Sociedade Civil participa realizando entrevistas instrutórias, bem como atua com orientações acerca dos direitos e deveres dos refugiados (2007, p. 196).
Nas sedes das Cáritas Arquidiocesanas de São Paulo e Rio de Janeiro, o solicitante preenche um questionário e segue para a entrevista com advogados, “na qual serão colhidos detalhes sobre a perseguição sofrida” (SILVA JUNIOR, 2017, p. 210), sendo elaborado, neste momento, o Parecer de Elegibilidade, baseado nas informações angariadas nos procedimentos citados (JUBILUT, 2007, p. 197).
Sobre a atuação das Cáritas brasileiras Silva Junior assevera que:
- Esta questão representa um ponto de vulnerabilidade adicional, na medida em que a Cáritas constitui organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sendo vinculada, portanto, à Igreja Católica. Sendo a religião uma das causas de perseguição que ensejam o reconhecimento da condição de refugiado, resta especialmente inconveniente que o preenchimento dos requisitos previstos na Convenção de 1951 seja analisado com base em entrevista realizada por instituição - mesmo que por via reflexa - eclesiástica (2017, p. 210).
Com o fim da instrução realizada pela sociedade civil, o processo administrativo é remetido ao CONARE, pois a concessão de refúgio, propriamente dita, é ato exclusivo do governo brasileiro, diante disso, o solicitante de refúgio passa por mais uma entrevista, dessa vez realizada pelo representante do CONARE, o qual, de acordo com o artigo 12 da Lei nº 9.474/97, é o órgão competente para verificar a legitimidade da solicitação do refúgio, senão vejamos:
Art. 12. Compete ao CONARE, em consonância com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de direito internacional dos refugiados:
I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado;
II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado;
III - determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiados;
IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados;
V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei (BRASIL, 1997).
Com a realização da entrevista o representante do CONARE relata a entrevista a um grupo de estudos prévios, formado por representantes do próprio CONARE, bem como por representantes do Ministério das Relações Exteriores, do ACNUR e do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), responsáveis por elaborar um parecer a ser discutido no plenário do CONARE. Do plenário do CONARE pode-se decidir pela concessão do refúgio ou pela sua negativa, que pode ser recorrida em quinze dias junto ao Ministro da Justiça, a quem caberá a decisão final. (JUBILUT, 2007, p. 198). Como bem observa Rodrigues e Kinjyo (2010, p. 215) a responsabilidade para a concessão do refúgio é do governo brasileiro, significando que o país utiliza-se da própria legislação e seu questionário para decidir sobre concessão da proteção.
Em suma, o procedimento de concessão de refúgio no Brasil, é desenvolvido por meio de processo administrativo entre a tríade, CONARE, Sociedade Civil e o ACNUR, sendo a decisão final dada pelo Governo Brasileiro representado pelo Ministério da Justiça, no entanto, o procedimento sofre críticas em razão do afastamento do Poder Judiciário na revisão dos pedidos de refúgio.
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