Na madrugada do dia 2 de julho de 2015, após semanas de discussões sobre a redução da maior idade penal para 16 anos, este debate fora um tanto relativizado pela questão da inconstitucionalidade da votação ocorrida na Câmara dos Deputados. Mas qual a importância deste assunto? Por que vejo tantas pessoas questionando esta votação? Em 1988, pós ditadura militar, promulgou-se a Constituição Cidadã, que surge como a esperança do povo brasileiro em instituir no Brasil um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
O Texto Constitucional tem caráter supremo em relação às demais normas do nosso sistema jurídico, e traz em seu bojo regras sobre a organização política e dos poderes, que tratam dos direitos dos governados e da limitação do poder dos governantes, sendo estas normas “necessárias para limitar e controlar o poder político, opondo-se, desde sua origem, a governos arbitrários, independente da época e lugar”. Dentre as normas supremas, o artigo 60 da Constituição de 1988 aponta requisitos para proposta de emenda constitucional, e no § 5º consta que a matéria da PEC rejeitada ou havida prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (período anual de atividade do Congresso Nacional).
Ao observar o artigo acima citado e a sessão plenária na Câmara dos Deputados que aprovou a proposta de emenda da redução da maior idade penal, 24 horas após a mesma matéria ter sido rejeitada no plenário, torna-se evidente a desobediência a uma regra suprema, e flagrante a sua inconstitucionalidade, sendo cabível a apreciação da PEC 171 somente na próxima sessão legislativa, isto é, em 2016. Caso não seja questionada a inconstitucionalidade da votação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou o mesmo negar o pedido de anulação da votação, dar-se-á continuidade ao processo legislativo de emenda. Logo, a votação da PEC da redução da maior idade que aconteceu no primeiro turno na Câmara dos Deputados, será colocada em pauta para votação mais uma vez na Câmara dos Deputados, a qual precisa do quórum de 308 votos dos deputados e o voto de 49 senadores em duas sessões plenárias, conforme o artigo 60, § 2º: “a proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.” Este assunto é de relevância para todos, haja vista a Constituição ser o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil.
E cada vez que suas regras não são cumpridas, como foi o caso da votação da PEC da redução maior idade, o nosso Estado Democrático de Direito fica mais frágil, e um país de democracia fragilizada, o povo fica vulnerável, como no passado com golpe militar de 1964, em que tivemos nossa liberdade cerceada e a dignidade esquecida pelo Estado. Assim, como cidadãos brasileiros temos que ficar atentos a qualquer tentativa de burla as normas que solidificam nossa democracia. A aprovação da PEC 171 seja na sua forma ou conteúdo ferem a Constituição de 1988, golpeia nosso Estado Democrático de Direito, por esta razão tantas pessoas questionam a votação na Câmara dos Deputados.
Por fim, citamos o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, em entrevista ao jornal O Globo falou sobre o ocorrido na fatídica sessão plenária na madrugada de 2 de julho: “Não dá para inverter aquela ordem que é comezinha: em direito, o meio justifica o fim, e não o fim justifica o meio. Eu posso querer chegar a um resultado. Se eu não tenho como chegar, eu tenho que recuar. É o preço que nós pagamos por viver em um Estado Democrático de Direito. É módico, está ao alcance de todos.”
Texto escrito por Juliana de Almeida Rocha, advogada-sócia do escritório Dourado & Rocha Advocacia e Consultoria. Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador/Ba.