Resumo:
Em 16 de março de 2015, o Congresso Nacional aprovou o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15). O referido Diploma Legal trouxe mudanças significativas ao sistema jurídico brasileiro, em especial no que pertine a pensão alimentícia. Dentre as principais mudanças, podemos citar: a prisão em regime fechado, o nome do devedor colocado no sistema de proteção ao crédito (Serasa e SPC) e a quitação do valor devido debitado diretamente no salário. Nesta senda, tendo em vista que o Novo Código de Processo Civil terá aplicabilidade a partir 18 de março de 2016, o presente artigo tem por escopo minuciar as inovações no que se refere ao regime alimentício.
Introdução:
A obrigação alimentar é reconhecidamente uma das mais importantes no Direito, pois é a responsável pela manutenção e sobrevivência daquele que não tem condições de manter sua própria subsistência. A sua relevância é tão grande que tem como medida coercitiva a prisão civil; única espécie de prisão civil permitida pelo ordenamento brasileiro, em respeito à Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
Atualmente, as legislações mais avançadas em matérias de direitos humanos proíbem expressamente qualquer tipo de prisão civil decorrente do descumprimento de obrigações contratuais, excepcionando apenas o caso do alimentante inadimplente. O art. 7º (n.º 7) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos 'Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, dispõe desta forma:
“'Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”
Com a adesão do Brasil a essa convenção, assim como ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, sem qualquer reserva, ambos no ano de 1992, iniciou-se um amplo debate sobre a possibilidade de revogação, por tais diplomas internacionais, da parte final do inciso LXVII do art. 5º da Constituição brasileira de 1988, especificamente, da expressão 'depositário infiel', e, por consequência, de toda a legislação infraconstitucional que nele possui fundamento direto ou indireto. Além do mais, a Súmula Vinculante nº 25 é bastante clara na sua redação: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.”
Se por um lado a prisão do depositário infiel passou a ser entendida ilicitamente, o mesmo o mesmo não ocorreu com a pensão alimentar, pelo contrario, seja por leis ou por jurisprudência, a mesma evoluiu a tal ponto, que passou a aplicar a modalidade da prisão em regime fechado para o devedor de alimentos.
Da prisão em regime fechado:
Tendo em vista as especificidades do crédito alimentar (sobrevivência do alimentando e dever de prover do alimentante), existe, como é notório, a previsão de prisão civil do devedor de alimentos, no caso de “inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar” (CF, art. 5º, LXVII3).
O objetivo não é a prisão em si, mas sim compelir o devedor a arcar com o débito alimentar. Essa forma coercitiva é tratada, no âmbito do CPC/73, no art. 733, especificamente no § 1º:
§ 1º Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
Apesar da omissão do texto legislativo, essa prisão era cumprida em regime fechado, entretanto caberia ao juiz escolher, perante o caso concreto, qual o regime mais apropriado para o cumprimento da pena.
Durante a tramitação do NCPC no Congresso Nacional, foi muito debatido se o regime fechado seria o melhor meio para lograr o cumprimento do crédito alimentar. Cogitou-se se não seria mais plausível que o devedor de alimentos trabalhasse durante o dia (para, exatamente, obter recursos capazes de permitir o adimplemento do débito alimentar), com o recolhimento à prisão apenas durante a noite. Essa proposta, aliás, constou de versões preliminares do projeto de novo Código, no entanto, a bancada feminina no Congresso defendeu que essa flexibilização estimularia a inadimplência, argumento que convenceu o próprio relator do projeto. Sendo assim, o art 528, § 3º do NCPC ficou da seguinte maneira: “Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.”
Entretanto, o legislador deixou claro no art 528, § 4º, que a prisão cumprida em regime fechado, será separada dos presos comuns, preservando a integridade do devedor. Ora, nada mais razoável que o devedor de alimentos cumpra a pena em separado dos demais presos, principalmente, no atual sistema carcerário brasileiro, até porque o principal objetivo da execução da prisão é o pagamento coercitivo do devedor; a sua finalidade é compelir o devedor a arcar com o débito alimentar, portanto, o simples cumprimento da pena não suspende a execução do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
Por ser uma prisão de caráter coercitivo, afinal o seu propósito é exclusivamente forçar o devedor a pagar a prestação pecuniária devida, o art. 528, § 6, prevê que o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão logo após a realização do pagamento.
O dispositivo legal assevera que o credor somente pode optar pela cobrança sob pena de prisão (CPC 528 § 3º) quanto às prestações vencidas até três meses antes do ajuizamento da execução (CPC528 § 7º), porém, basta o inadimplemento de um mês para que oaccipiens possa buscar o adimplemento.
Sistema de proteção ao crédito:
Na verdade, o protesto de decisão judicial já vinha sendo admitido pela jurisprudência a partir da percepção de que a Lei 9492/97 possui, na parte final de seu artigo 1º, redação genérica e receptiva de tal possibilidade (“e outros documentos de dívida”). Agora, a situação ficou clara e cogente, no caso de dívida alimentar.
Essa mudança, sem duvidas, foi uma das grandes novidades efetivas e de relevância do novo sistema codificado. Relacionadas às medidas coercitivas, encontram-se na previsão de protesto do título e na inscrição do nome do devedor no cadastro de negativação de inadimplentes.
A previsão expressa do protesto é direcionada para todas as hipóteses de cumprimento de sentença, eis que prevista genericamente no art. 517 NCPC. É óbvio que, seja por força da lei específica de regência (Lei 9492/97), seja pela aplicação subsidiária do cumprimento de sentença à execução por título extrajudicial (art. 771 par. Único NCPC), este também será protestável.
O primeiro ponto que distingue o protesto específico para o título que consubstancia crédito alimentar em relação à regra geral é a sua força cogente, ou seja, o Juiz, ex officio, deve determinar o protesto. Com efeito, no art. 517 NCPC – regra geral – há previsão da faculdade atribuída ao credor (“poderá”), sendo claro que a ele competirá tomar as diligências para o protesto (§ 1º). Já o art. 528 § 1º, ao versar sobre o cumprimento de decisão que fixa alimentos, diz que “o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial”, não repetindo aí a faculdade e iniciativa do credor.
Isso significa que, independente de requerimento do credor, o Juiz, ao deparar com ausência de pagamento ou justificativa válida do devedor, impor-lhe-á, de maneira concomitante, a prisão civil e o protesto do título judicial. Interessante que – não é raro – o devedor pode se esconder para evitar a prisão; porém, enquanto se esconde, terá o título protestado, o que poderá, ao menos, trazer-lhe transtornos comerciais e para a entabulação de negócios jurídicos.
Outro ponto que privilegia o protesto de título judicial que contempla verba alimentar é a possibilidade de tal acontecer, ainda que se trate de alimentos fixados provisoriamente e com pendência de recurso sem efeito suspensivo. Sim, diferente do art. 517 que diz sobre “decisão judicial transitada em julgado”, o art. 528 faz alusão apenas ao cumprimento de sentença “que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos”. Vale dizer que, na mesma linha do art. 531 e seu § 1º do referido codex, é possível a execução de alimentos provisórios, mesmo com decisão sem trânsito em julgado, e também o protesto do respectivo título.
Desconto em folha:
E por fim, a ultima grande mudança significativa no NCPC sobre pensão alimentícia foi a possibilidade de desconto dos vencimentos do devedor (no caso, por óbvio, de devedor assalariado ou que receba aposentadoria ou pensão) em até 50% de seus vencimentos líquidos.
Art. 529, § 3º Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos.
Assim, se um devedor de alimentos passa a receber salário, poderá haver, além do desconto em folha das parcelas mensais, um desconto adicional em relação às parcelas devidas. Pensando na situação mais usual, um devedor que tenha de pagar 30% de seus vencimentos mensalmente (quanto à parcela mensal, os alimentos vincendos), poderá ter mais 20% de desconto para o pagamento parcelado dos alimentos vencidos.
Para assegurar a constrição de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, cabe a penhora on line (CPC 854): é realizada pelo próprio juiz, por meio eletrônico, junto ao Banco Central – Bacen, dos valores existentes em contas e aplicações financeiras, até o valor do débito. A penhora on line deve ser levada a efeito antes mesmo da citação do devedor, para evitar que ele, mediante alguma “pedalada”, faça desaparecer o numerário que dispõe. Impositivo que se crie um sistema para que a penhora de cotas sociais, de imóveis e de veículos também ocorra de forma eletrônica.
No prazo de 15 dias da juntada aos autos do mandado de citação, o executado pode oferecer embargos à execução (CPC 915), independentemente de penhora, depósito ou caução (CPC 914). Os embargos não dispõem de efeito suspensivo (CPC 919). No prazo dos embargos, o executado, procedendo ao depósito de 30% do valor da execução, mais custas e honorários, pode requerer o parcelamento do saldo, em até seis parcelas mensais, devendo o valor ser devidamente corrigido e acrescido de juros de um por cento ao mês (CPC 916). A opção pelo parcelamento importa em renúncia ao direito de opor embargos (CPC 916 § 6º).
Por falta de previsão, a tendência é não admitir o pagamento parcelado na execução de alimentos pelo rito da prisão.
O deferimento do pedido de parcelamento depende da concordância do credor (CC 314). Não é um direito do devedor. O parcelamento não autoriza a redução da verba honorária (CPC827). O não pagamento, além de acarretar o vencimento das parcelas subsequentes, leva ao prosseguimento da execução e à imposição de multa de 10% sobre o valor não pago (CPC 916 § 5º II).
Rejeitados os embargos, o recurso não dispõe de efeito suspensivo (CPC 1.012 III).
O bem penhorado é alienado em hasta pública, vertendo o produto da venda para o credor. A alienação pode ser levada a efeito por iniciativa particular do credor (CPC 880). Sendo penhorado bem indivisível, a quota parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recai sobre o produto da alienação do bem (CPC 843). Não só o credor, também o seu cônjuge, companheiro, ascendentes ou descendentes podem adjudicar o bem penhorado por preço não inferior ao da avaliação (CPC 876 § 6.º).
Inadimplida a obrigação alimentar, o terceiro que pagar o débito resta sub-rogado no crédito, bem como na modalidade executória que lhe é inerente. Assim, deixando o alimentante de arcar com a pensão, realiza o pagamento por outra pessoa, fica ela autorizada a proceder à cobrança nos mesmos autos, ainda que não possa ser utilizado o rito executório da prisão (CPC 778 IV).
A obrigação só se extingue quando o devedor pagar as parcelas vencidas e todas as que se venceram durante o processo e mais honorários, multa e custas (CPC 323).
Conclusão:
O Tema mais polêmico a respeito das mudanças mais significativas trazidas pelo NCPC sem duvidas é a prisão em regime fechado pelo devedor de alimentos, permitida na nossa legislação pátria, inclusive pela Constituição Federal de 1988. O conflito existe porque o art. 5º, § 3º da Carta Magna prevê que os tratados internacionais têm força de Emenda Constitucional, porém, o mesmo artigo traz a possibilidade da prisão civil do depositário infiel e devedor de pensão alimentícia. Ocorre que, como o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, tal norma restou prejudicada, haja vista que o pacto permite apenas a prisão civil no caso do devedor de alimentos.
Nesta senda, quando questionado sobre o tema, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel, todavia, por unanimidade aprovaram a prisão civil do devedor de alimentos.
Ademais, a temática débito alimentar recebeu atenção do legislador e está bem regulado. Inovações trazidas como o protesto do devedor e desconto dos vencimentos do devedor em até 50% de seus vencimentos líquidos facilitaram o cumprimento da obrigação pecuniária, contudo, ainda que o sistema esteja melhor, é certo que, infelizmente, não se obterá a plena efetividade das decisões judiciais alimentícias. Isso porque a questão envolvendo os alimentos é um problema mais social e de respeito ao próximo do que efetivamente jurídico.