“Toda semana, fazíamos aquelas reuniões obrigatórias enormes e e com uma agenda sem sentido ao que pedia a Empresa. E lá entravam elas, as amigas cheias de salamaleques!, cumprimentando todos com sorrisos e abraços afetados, para disfarçarem o terrível mau humor da chefe e ver se conseguiam melhorar e sobreviver mais uma semana. Às vezes, ela parecia a melhor pessoa do mundo, mas era tudo uma farsa de bondade. Eu não tinha mais estômago para aquilo, era muito sofrimento…”
Como advogado atuando em relações de trabalho já há algum tempo, sempre sou um grande observador das pessoas. Mas o relato acima, foi por demais curioso, e me incitou a discorrer sobre o tema de como o Assédio Moral no ambiente de trabalho vem se tornando uma matéria cada vez mais preocupante à sociedade, devido aos inúmeros desgastes que provoca a quem sofre, e a sutileza que vem tomando na forma de perpetrar dor as suas vítimas. A prova do dano agora é existencial, e vai muito no campo da subjetividade que os advogados ainda precisam aprender a lidar com a psicologia jurídica. Casos que provocam abalos a saúde e bem estar da vítima.
Vejam o caso dos bajuladores cheios de salamaleques*.
"Ambientes doentios , mas com discursos politicamente corretos, área de “compliance”, canais de denúncia, código de ética, pesquisa de clima, etc., mas que fomentam ambientes cínicos de atuação e totalmente disfuncionais. Os Chefes e seus séquitos."
A declaração acima foi dita por uma de minhas clientes e o que me chamou a atenção foi o uso da palavra Salamaleques que não ouvia há muito tempo. Achei que se tratava mais de um regionalismo, e fui investigar o profundo significado do que a cliente queria trazer para mim.
Ela se referia a uma colega de trabalho, também gerente como ela, que era extremamente bajuladora da chefe e afetadas nos seus comportamentos, como forma de ter sobrevida no mundo corporativo. A chefe que insisto, tinha TOC de limpeza exagerada e que usava truques emocionalmente ardilosos para seus temas desorganizados e perdidos nas inúmeras reuniões sem sentido, que eram feitas às vezes para fazer terapia de seus problemas emocionais.
Havia abusos velados na gestão como consagrava a hierarquia subserviente e a bajulação como regra. O DARWINISMO social era forte, e o remédio para quem queria só poderia ser este. Caso contrário, a doença seria o submundo do desemprego e retirada do mundo perfeito criado pela cultura de mkt da empresa.
Na empresa havia de tudo, pesquisa de clima, grupos de cultura, "compliance", canais de diálogos, programa de suporte aos empregados, uma missão, etc. ... Mas o perigo tinha outra cara, e muitas nuances, próprios do “ manda quem pode e obedece quem tem juízo.”
Segundo a brilhante doutrinadora do direito, Dra. Sonia Mascaro: “O assédio moral caracteriza- se por uma conduta abusiva, de natureza psicológica que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalho a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, a dignidade ou a integridade psíquica, e que tenha por efeito exclusivo a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.”
A consequencia disso é a transformação anormal das relações de trabalho, em situações abusivas onde a bajulação se torna uma das formas mais requintadas de crueldade a dignidade das pessoas. É um verdadeiro efeito colateral que afeta o comportamento de outros colegas, dos próprios bajuladores e de quem tem um chefe a ser paparicado. Imagine os capatazes da época da escravidão, que apesar de sua origem nas próprias senzalas se achavam diferentes dos oprimidos, impondo uma maior opressão pela subserviência. Será esta origem tão comum as empresas brasileiras?
Estes bajuladores não se acomodam, eles investem boa parte do seu tempo na construção de laços de confiança com quem está no topo e com os que estão na base, para influenciarem os ditos valores da cultura. E, graças ao apoio dos chefes - para o bem ou para o mal, seus passos são meticulosamente articulados, inteligentes e sutis na construção de todo tipo de relacionamento que utilizem o cinismo cheio de salamaleques no dia a dia.
Quem está no poder reforça e eles tem atitudes de gosto duvidoso visando encobrir seu medíocre desempenho. É o exagero, a afetação, o "sorriso amigo” e por vezes zombeteiro, adulador, que elogia sempre quem tem poder, o riso das piadas sem graça, oferecendo manjares e delícia para se darem bem. É o excessivamente simpático ou sem-noção, é alguém cujas condutas servis dão acesso a informação para controle das situações. Por vezes são medíocres no fazer, mas hábeis na costura de alianças para o chefe e em nome do chefe como forma de sobrevivência. O que é velado, pode ser mais normativo.
Assim, se o chefe fica no escritório até mais tarde, pode ter certeza de que o adulador também permanecerá, as fotos e almoços constantes para postar como o amigo do chefe: “Como é bom trabalhar numa empresa na qual somos valorizados”. E eles sabem quem valorizar, ou seja, quem aceita esta cultura de bajulação. A intimidade com o chefe é o alimento para construirem esta reputação: “vamos ficar no escritório com chefe enquanto ele estiver por perto, postar fotos com chefe, almoços constantes com o chefe", e tudo isso para confirmar a tese “como é bom trabalhar para quem somos valorizados”.
Outros Exemplos: organizar festinhas para o chefe (aniversário, então!!) , aniversário de casamento da chefe, antecipação dos exames laboratoriais da chefe, sarais musicais para o chefe, curtir as fotos do chefe e divulgar nas redes sociais, reunir os funcionários para aplaudir a fala do chefe, distribuir doces nestas ocasiões, mostrar o excelente clima que o chefe faz, falar exageradamente das nossas conquistas para os chefes, enaltecer o chefe do chefe, etc.
E para disfarçar tudo isso, criou-se o que no mundo corporativo ficou chamado como circulo de confiança do chefe…. Afinal existe avaliação de desempenho para corroborar tudo isso (e do efeito halo ninguém irá falar). O importante é formar a corja, o bando, os jagunços que farão qualquer coisa para manter o poder junto com o chefe e espalhar o controle de uma equipe disfuncional e onde ninguém confia em ninguém.
O culturalismo corporativo, é um novo discurso para justificar esta forma barbarie de poder nas organizações, e as disputas internas serão reflexos deste poder que ja tem cartas marcadas, e onde o orçamento de cada área vira a espada para submissão do outro.
Os chefes neste sentido agem para desestabilizarem suas vítimas e domina-las ou extirparem. Os métodos comuns para tanto são: recusar a comunicação, desqualificar, destruir a auto-estima, cortar as relações sociais, vexar, constranger, sendo a vítima ferida em seu amor próprio, sentindo-se atingida em sua dignidade, com a súbita perda de sua confiança, exceto para aqueles que reforçam a bajulaçao e acham este chefe digno. Estas alianças, chefes e capatazes vão criar o clima perfeito para avaliarem a vítima e a matizarem quando um grupo for necessário para isso, e com instrumentos culturalmente reconhecidos pela organização e impossíveis de serem descritos numa defesa trabalhista, cuja a prova subjetiva é sempre menos valorizada. E se for assim, a vítima será considerada menor fraca, inadequados, os menores na escala evolutiva do darwinismo social de quem consegue conviver com este jogo de poder tão cínico.
A única esperança, ainda que com um custo pessoal muito alto, é a justiça trabalhista e para as vítimas, Terapia de apoio a violência psicológica.
Quantas vezes você já viu esta história na sua vida profissional?
*Salamaleques: fig. infrm. cumprimento exagerado; polidez afetada; rapapé, mesura.