A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL NO COMBATE, PREVENÇÃO E INVESTIGAÇÃO DO CRIME ELEITORAL


08/06/2016 às 16h34
Por Regiana Carvalho

RESUMO

O presente trabalho objetiva compreender o papel do Ministério Público Eleitoral no processo de prevenção e investigação do crime eleitoral. Assim, diante das recentes mudanças no cenário político, além do caloroso debate acerca da reforma política, se faz necessária a análise da temática, a qual não raro permeia o pleito eleitoral e que é motivo de instauração de medidas próprias por parte do MPE. Verifica-se a importância da consciência do voto e do papel do Ministério Público para garantir que ele seja exercido livremente. Destarte, a investigação do crime eleitoral como controle político, somente se dará de forma eficaz uma vez que o sufrágio seja exercido de maneira consciente. Para analisar a problemática, a presente pesquisa foi desenvolvida através de pesquisa bibliográfica, mediante análises de livros, artigos cientificos, teses e dissertações, utilizando o método dedutivo de investigação.

Palavras-chave: Ministério Público, crime eleitoral, investigação eleitoral.

1 INTRODUÇÃO

O presente projeto de pesquisa surgiu da observação e constatação de uma mobilização constante da sociedade civil nos últimos 10 a 15 anos em busca da lisura do processo eleitoral. Pode-se destacar dois momentos em particular, que chamaram a atenção da mídia nacional e, por conseguinte, de todo o povo brasileiro, que serviram como sinal de que a nação está se conscientizando sobre os mecanismos de garantia da legitimidade do processo democrático.

O primeiro deles foi a Lei nº 9.840, de 28 de setembro de 1999, que teve especial repercussão uma vez que fora iniciada com um projeto de lei popular mediante a coleta de mais de um milhão de assinaturas. A minuta ganhou as ruas de todo o pais e teve a força necessária para a sua aprovação e afinal edição como Lei Ordinária (REIS, 2006).

O outro momento histórico porque passou o Direito Eleitoral brasileiro teve semelhante tramitação, pois partiu de um projeto de lei popular e que ficou nacionalmente conhecido como Lei da Ficha Lima (Lei Complementar nº 135/2010), a qual estabelecia novas hipóteses de inelegibilidade, além de ter majorado prazos de causas já previstas pela Lei Complementar nº 64/90.

Por esse e por outros momentos da história recente do Direito Eleitoral brasileiro é que se torna necessário investigar, nos moldes a que se propõe o presente trabalho, as nuances no que concerne ao papel do Ministério Público Eleitoral e sua eficiência no combate ao crime eleitoral, objetivo maior da pesquisa.

Cabe também ressaltar a relevância do presente projeto quanto ao estudo das peculiaridades do processo eleitoral, bem como o uso da máquina pública administrativa, os quais poderão contribuir para uma melhor compreensão a respeito da forma democrática de governo.

Ademais, o estudo a respeito da atuação do Ministério Público Eleitoral perante os crimes eleitorais reforça a tese do poder investigativo da instituição, polêmica esta que nos últimos meses tem levantado calorosas discussões em todo o Brasil, em face do Projeto de Emenda à Constituição nº 37. Argumentam os promotores o princípio de “quem pode mais, pode menos”, ou seja, podendo oferecer a denúncia, pode então proceder a atos investigativos em âmbito criminal.

Por outro lado, argumentam os delegados em prol da interpretação restritiva dos dispositivos constitucionais que limitam o exercício do inquérito (seja ele qual for) à Polícia Judiciária (Federal e Civil).

Ante o exposto, considera-se de extrema relevância a deflagração do presente trabalho monográfico, o qual certamente poderá contribuir na comunidade acadêmica para o estudo a respeito das responsabilidades e funções do Ministério Público Eleitoral.

2 DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Durante o sec. XIX os monarcas absolutistas começaram a ceder mediante a força do povo. Com essa transformação política, surgiu a necessidade que houvesse uma instituição capaz de representar os interesses do povo na esfera judicial, com vistas a tornar efetivos os direitos fundamentais que permaneceram latentes à época.

Sendo assim, a classificação clássica dos Poderes de Montesquieu tinha o objetivo principal de evitar o arbítrio de um governante onipotente frente aos direitos e liberdades individuais dos cidadãos contemplando os poderes executivo, legislativo e judiciário (MORAES, 2011). Entretanto, a nova visão dada às funções estatais deve abranger, ainda, o Ministério Público (MP) como órgão igualmente independente, em consonância com a redação dada ao art. 127 da Constituição de 1988.

Dessa forma, parte da doutrina entende que a opção feita pelo constituinte de alterar substancialmente a estrutura clássica, incluindo a instituição do MP, decorre diretamente do princípio sustentador da teoria dos freios e contrapesos (SILVA, 2011). Entretanto, defendem os demais que é uma decorrência da inércia do Poder Judiciário, já que existem interesses e direitos em relação aos quais não se pode deixar à disposição das partes que estão litigando, devendo o MP intervir para garantir o interesse público (MORAES, 2011).

Para entender melhor as funções, prerrogativas e princípios do Ministério Público, será feito um breve apanhado dos princípios institucionais e logo após as funções e atribuições do MP.

2.1 Conceito e regramento constitucional

É bem verdade que, durante o último século, o Ministério Público tenha composto parte do Poder Judiciário e parte do Poder Executivo. Entretanto, segundo Moraes (2011), o posicionamento do Parquet sempre provocou perplexidade na doutrina, dada a evolução jurídica que sofreu, culminando com o moderno texto de 1988.

Destarte, o conceito apresentado pelo artigo 127 da Constituição Federal, apresenta a raiz da justificativa de seu atual posicionamento na Carta Magna, senão vejamos: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Note-se que o disciplinamento do Parquet encontra-se no Capítulo IV – “Das funções essenciais à justiça”, representando assim uma opção do constituinte em não enquadrá-lo em nenhum Poder da República, constando essa informação até mesmo no conceito apresentado pela própria Constituição (SILVA, 2012).

2.2 Garantias

As garantias do Ministério Público não constituem privilégios que sejam capazes de quebrar o princípio da isonomia. Em verdade, o que o constituinte buscou foram ferramentas que tornassem efetivo o pleno exercício das atribuições ministeriais, com o respeito aos princípios institucionais.

Assim Moraes (2011) divide as garantias em institucionais e dos membros. Consideram-se garantias institucionais aquelas ligadas diretamente com o Parquet, enquanto instituição. São elas: autonomia funcional, administrativa e financeira e o modo de nomeação e destituição do Procurador-Geral. Enquanto que as garantias dos membros são: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

2.2.1 Autonomia funcional, administrativa e financeira

Esta garantia está consagrada no § 2º do art. 127 da Constituição Federal, que dispõe:

Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no artigo 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.

Note-se que o constituinte optou por atribuir apenas autonomia funcional e administrativa, não fazendo menção à financeira. Entretanto, no mesmo sentido, o art. 3º da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – (LONMP, Lei nº 8.625 de 12 de fevereiro de 1993) - dispõe que: “Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira [...]”, ampliando assim as garantias institucionais.

Notadamente, quando se fala em autonomia funcional, é inevitável a menção do princípio da independência funcional. Em última análise, significa a não vinculação dos atos praticados pelos membros do MP.

Por outro lado, conceito diverso é o contido na expressão autonomia administrativa. Segundo Moraes (2011) cabe ao próprio membro do Parquet decidir e praticar atos de gestão e administrativo de pessoal, alguns citados como exemplo no art. 3º da Lei nº 8.625 de 12 de fevereiro de 1993: adquirir bens e contratar serviços, elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos, entre outras situações.

Ora, de posse da autonomia funcional e administrativa, a consequência financeira é apenas um desdobramento de uma instituição que possui a direção daquilo que lhe é próprio. Portanto, o constituinte outorgou ao MP a incumbência de elaborar sua própria proposta orçamentária dentro dos limites da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Art. 127, § 3º, CF/88).

Por fim, o parágrafo único da LONMP estabelece ainda que “as decisões do Ministério Público, fundadas em autonomia funcional, administrativa e financeira, obedecidas às formalidades legais, têm eficácia plena e executoriedade imediata [...]”. Isso significa que se equiparam aos direitos fundamentais, listados pela Constituição Federal.

2.2.2 Vitaliciedade

A vitaliciedade, como garantia dos membros do MP, assegura a destituição do cargo somente por sentença judicial transitada em julgado e está expressa no texto constitucional no art. 128, § 5º, inc. I da Constituição Federal que dispõe:

Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: I - vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;

Cumpre observar que tal garantia não se confunde com estabilidade, prerrogativa dos servidores públicos. De acordo com Garcia (2014), a vitaliciedade pressupõe sentença judicial transitada em julgado enquanto que a estabilidade admite mero procedimento administrativo em que se assegure o contraditório e a ampla defesa ou mesmo procedimento de avaliação periódico de desempenho (art. 41, § 1º, CF/88).

Note-se que o processo de vitaliciamento não ocorrerá de forma automática, sendo necessário para a sua deflagração o efetivo exercício funcional durante o período de dois anos, momento em que ocorrerá a confirmação na carreira, conforme o texto constitucional acima (GARCIA, 2014).

2.2.3 Inamovibilidade

Com relação a essa garantia, o art. 128, § 5º, inc. I, alínea b da Constituição da República é claro ao dispor que é assegurado aos membros do MP a “inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa”.

A hipótese excepcional apontada pelo constituinte constitui a única cláusula capaz de retirar o agente do órgão em que ele se encontra lotado. Segundo Garcia (2014, p. 448), “é inadmissível o afastamento do órgão sem o devido processo legal”, isto porque tal garantia é decorrência direta do princípio da autonomia ou independência funcional.

Realizado o procedimento, a remoção compulsória exige ainda a deliberação da maioria absoluta dos membros do Conselho Superior do Ministério Público. Por esse motivo, Garcia (2014) aponta que verifica-se no caso que houve um sensível enfraquecimento da referida garantia, uma vez que a exigência feita pela redação original, anterior à Emenda Constitucional nº 45/2004, era de dois terços dos integrantes do referido órgão.

2.2.4 Irredutibilidade de vencimentos

A última garantia expressa no art. 128, § 5º, inc. I da Constituição Federal é a proteção aos subsídios, evitando qualquer redução dos vencimentos auferidos pelos membros ministeriais. No mesmo sentido dispõe o art. 38, inc. III, da Lei 8.625/1993 em conformidade com o texto constitucional.

Em última análise, tal garantia visa evitar que a redução dos vencimentos seja utilizada para pressioná-lo a exercer ou deixar de exercer quaisquer de suas atribuições, com vistas a protegê-lo de possíveis intimidações sempre que contrariem os interesses dos detentores do poder (SILVA, 2012).

3 DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

Assim como a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis e a ordem jurídica, o Ministério Público foi designado pelo constituinte para defender também o regime democrático, consoante o disposto no art. 127 da Constituição da República.

Nesse diapasão, cumpre entender primeiramente qual o espírito da expressão “regime democrático” utilizada pela Constituição, isto porque, a Carta de 88 foi especificamente omissa ao não mencionar o Parquet eleitoral, nem listar suas atribuições, cabendo ao intérprete do texto constitucional compreender a existência dessa instituição através da análise detalhada no art. 127.

Todavia, muito embora não tenha sido feita menção expressa, não se retira do Ministério Público Eleitoral a importância que a ele pertence, especialmente porque o regime democrático que constitui o múnus constitucional a ele designado, é também cláusula pétrea, conforme preceitua o Ministro do Supremo Tribunal Federal, também atual presidente do TSE, Carlos Ayres Britto:

[...] a democracia é o mais pétreo dos valores. E quem é o supremo garantidor da democracia? O Ministério Público. Isto está dito com todas as letras no art. 127 da Constituição. Se o MP foi erigido à condição de garantidor da democracia, o garantidor é tão pétreo quanto ela. [...] O MP ser objeto de emenda constitucional? Pode. Desde que para reforçar, encorpar, adensar as suas prerrogativas, as suas destinações e funções constitucionais (BRITTO apud RAMAYANA, 2010, p. 476).

Dessa forma, o regime democrático alcança a sua plenitude no pleito eleitoral realizado a cada dois anos no Brasil, e o Ministério Público Eleitoral encontra nesse processo eletivo a concretização da expressão utilizada pelo constituinte.

Tamanha é a importância da temática, que se propõe no presente trabalho monográfico apresentar os aspectos mais relevantes para a compreensão do problema, qual seja, o conceito, organização, funções, atuações e atribuições do Ministério Público Eleitoral perante os Tribunais e juízes eleitorais, conforme adiante se expõe.

3.1 Papel institucional

O conceito do Ministério Público, mencionado pela Carta de 88 será utilizado como parâmetro para conceituar o MPE. Dispõe o texto constitucional: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Denote-se que a palavra “permanente”, utilizada pelo texto constitucional traz, segundo Paes (2013), a ideia de uma empresa que é instituída e que perdura no tempo e no meio social. Apesar de relativamente inadequada, o termo “empresa” usado pelo autor remete-nos a ideia de instituição, não necessariamente pessoa jurídica com fins lucrativos.

No mesmo sentido, Almeida (2010) destaca que o Ministério Público Eleitoral é órgão do Ministério Público incumbido de levar a cabo e promover, junto à Justiça Eleitoral, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

No tocante especificamente ao Ministério Público Eleitoral, a Lei Complementar nº 75 de 1993 (Estatuto do Ministério Público da União), em seus arts. 72 e ss., regula a sua atuação e afirma no caput do mesmo artigo que possui atribuições “em todas as fases e instâncias do processo eleitoral”.

Dessa forma, pode-se conceituar o MPE como órgão institucional autônomo e independente, não integrado ou vinculado a nenhum dos três poderes, capaz de atuar em todas as fases e instâncias do processo eleitoral.

3.2 Organização

Apesar da omissão constitucional, a Lei nº 75/93 lista as atribuições eleitorais do Ministério Público Federal, distinguindo competências e a organização do MPE.

Dispõe o art. 72 da LC nº 75/93: “Compete ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral”.

Assim, a estrutura do MPE reflete justamente a estrutura do MPF. Com base nisso, foi elaborado o quadro 1:

Quadro 1. Representação da organização do MPE

MPF ou MP dos Estados

MP Eleitoral

Grau de Jurisdição

Competência Originária

Procurador-Geral da República

Procurador-Geral Eleitoral

TSE

Eleição Presidencial

Subprocurador-Geral da República

Vice-Procurador-Geral Eleitoral

TSE

Eleição Presidencial

Procurador Regional da República

Procurador Regional Eleitoral

TRE

Juízes Auxiliares

Eleições Federais, Estaduais e Distritais

Promotores de Justiça

Promotores Eleitorais

Juízes Eleitorais

Juntas Eleitorais

Eleições Municipais

Fonte: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (2014).

Note-se que não existem promotores ou procuradores eleitorais específicos, mas sim funções que são preenchidas por promotores e procuradores-gerais de carreira. Importante destacar também que conforme o quadro acima, o Procurador-Geral Eleitoral e o Vice-Procurador-Geral Eleitoral possuem o mesmo grau de jurisdição e competência originária, entretanto, este somente exercerá o cargo em situações de impedimento ou vacância daquele.

Vale lembrar que entre as situações de impedimento está aquela contida no art. 80 da LC nº 75/93, em que “a filiação a partido político impede o exercício de funções eleitorais por membro do Ministério Público até 2 anos depois do seu cancelamento”.

3.3 Funções

Conforme apontado anteriormente, o MPE está incumbido da defesa do regime democrático, embora se possa considerar que a atuação atribuída a ele pelo Código Eleitoral ainda está muito aquém da grandeza da função instituída pela Constituição de 1988.

Destarte, existem atualmente apenas construções doutrinárias a respeito das funções do MPE já que o legislador não foi claro e específico no tocante a matéria. Assim, segundo Pinheiro (2011, p. 263) a função do MPE “é de fiscalizar todas as fases do processo eleitoral, que se inicia com o alistamento eleitoral e segue pela votação, apuração e, encerra, com a diplomação”.

Percebe-se que em linhas gerais, o Parquet se destina a zelar pela lisura de todo o processo eleitoral, abrangendo todas as fases dele decorrentes, que se iniciam bem antes do período eleitoral, com o alistamento.

Todas essas atribuições dadas ao MPE encontram sua razão de ser na desconfiança presumida em relação ao bom funcionamento do sistema de controle recíproco entre os Poderes (PINHEIRO, 2011). Por esse motivo, o controle social das urnas poderia ser insuficiente, ocasionando resultados maculados pelo poderio estatal e pelo uso eleitoral da máquina administrativa. Para evitar essa total afronta ao regime democrático, vocacionou-se o MPE ao controle do Estado, mediante a fiscalização de todo o processo eleitoral.

Assim o MPE atua em todas as fases do processo eleitoral com diversas atribuições. Cândido (2010) enumera exemplos dessas atribuições tendo-se como ponto de partida o período em que eles poderão surgir, a saber: a) época sem eleição; e b) época de eleição.

Na época sem eleição podemos elencar as seguintes atribuições do Ministério Público Eleitoral: fiscalização e acompanhamento dos requerimentos de transferências de títulos, da aplicação de multas eleitorais e de prestação de contas por parte dos partidos políticos, escrituração contábil e suspensão de direitos políticos. (CÂNDIDO, 2012).

Por outro lado, a fase preparatória ao pleito, já em época de eleição, exige do Parquet a manifestação – através de impugnação ou não – dos pedidos de registro de candidatura ou fiscalizando a propaganda eleitoral com vistas a garantir a igualdade entre os partidos para que todos possam exercer o direito de propaganda de forma isonômica, ingressando sempre que necessário, com pedido de investigação judicial eleitoral. (CÂNDIDO, 2012).

Após deflagrado o pleito eleitoral, já na fase de eleição, dentre as atividades que poderão ser desempenhadas pelo MPE, pode-se destacar segundo Cândido (2012): a impugnação da atuação dos mesários, fiscais ou delegados de partido político, toda vez que houver prejuízo ao processo eleitoral ou quando for evidente a violação das normas eleitorais.

Finalmente, finda a votação, inicia-se a votação que demandará ao Ministério Público manifestações acerca das instalações da junta eleitoral, bem como a sua eventual divisão em turmas, assim como requerer e conferir toda a documentação relativa ao pleito realizado, incluindo a adoção de providências em caso de irregularidades.

Posteriormente, na última fase do processo eleitoral (diplomação), o membro do Parquet tem a incumbência de zelar pela correção e adequação dos resultados apurados, assim como verificar a incidência de qualquer ato lesivo à diplomação dos vencedores (CÂNDIDO, 2012).

Importante destacar que em todas essas situações, o Ministério Público tem a legitimidade para agir não apenas como custos legis em âmbito judicial como também administrativamente (DIAS, 2014).

Desta forma, com base na competência apresentada no quadro 1 (p. 28) e nas atribuições listadas por Cândido (2010), foi elaborado o quadro 2 abaixo que contém o campo de abrangência de cada membro do MPE.

Quadro 2. Competência dos membros do MPE de acordo com a fase do processo eleitoral e a abrangência das eleições

Fase Preparatória

Fase de

Votação

Fase de Apuração

Fase de Diplomação

Eleições Municipais

PE

PE

PE

PE

Eleições Gerais

PRE / PE

PE

PE

PRE

Eleições Presidenciais

PGE / PE

PE

PE

PGE

Fonte: CÂNDIDO (2010). Adaptado pelo autor.

Note-se que o Promotor Eleitoral (PE) atua em todas as fases das eleições municipais, o que não ocorre nas eleições gerais, nas quais possui atribuições concorrentes do Procurador Regional Eleitoral (PGE) e na fase de diplomação, que constitui exclusividade do PRE.

Situação diversa ocorre nas eleições presidenciais, em que o Procurador-Geral Eleitoral (PGE) possui atribuições concorrentes com o Promotor Eleitoral na fase preparatória e exclusividade de atribuições na fase de diplomação.

3.4 Atuações e atribuições perante os Tribunais e juízes eleitorais

Muito antes da deflagração do período eleitoral, os candidatos, ou aqueles que ainda não foram aprovados em convenção, iniciam seus trabalhos na seara eleitoral, de forma discreta para evitar sanções, caso sejam descobertos. Diante disso, o MPE deve exercer sua capacidade de controle mediante adoção de providências, como a reunião com dirigentes partidários, para alertá-los acerca dos crimes eleitorais que possam ser cometidos antes do período eleitoral ou a recomendação e aviso aos candidatos e partidos a respeito destas práticas.

Assim, conforme visto no início deste capítulo, a atribuição dos membros do MPE está diretamente ligada à circunscrição do processo eleitoral realizado. Notadamente, o quadro 1 (p. 28) demonstra a exata correlação entre a competência originária e os diversos graus de jurisdição em que atuam desde os Promotores de Justiça até o Procurador-Geral da República.

Para que as condutas que coloquem em risco a lisura do processo eleitoral sejam evitadas, as leis específicas em matéria eleitoral, como a Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/1990), Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), entre outras, definem diversos mecanismos de controle e fiscalização por parte do MPE.

3.4.1 Ministério Público Eleitoral perante o Tribunal Superior Eleitoral

Perante o Tribunal Superior Eleitoral, a prerrogativa do exercício das atribuições cabe ao Procurador-Geral eleitoral bem como ao Vice-Procurador-Geral Eleitoral, integrantes do Ministério Público Federal, conforme visto no quadro 1 (p. 29).

Desta feita, segundo Ramayana (2010) ao Procurador-Geral cabe não apenas atuar como custus legis nas causas que importem consequências ao regime democrático, como também figurar no pólo ativo de processos que versem sobre crimes eleitorais cometidos pelos membros dos Tribunais Regionais e do Tribunal Superior Eleitoral, como também as reclamações relativas a obrigações impostas por lei aos partidos políticos, quanto à sua contabilidade e à apuração da origem dos seus recursos, entre outras situações previstas no art. 22, inc. I, do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65).

Entretanto, podem ocorrer situações que o processo tenha origem em instância inferior, seguindo a hierarquia da estrutura judicial eleitoral, chegando posteriormente ao TSE. Nestas condições, o Procurador-Geral poderá não apenas dar prosseguimento aos autos em nível recursal como também decidir por entendimento diverso, em respeito ao princípio da autonomia funcional, visto no capítulo anterior (RAMAYANA, 2010).

4 DA ATRIBUIÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

Preliminarmente, é importante acentuar que a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) tornou-se judicial a partir da Lei Complementar nº 64/90, e adota um rito destinado a punir ilícitos de abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação social. Destarte, nota-se que existem quatro espécies segundo Santos (2010), a saber: AIJE para apuração de captação ilícita de sufrágio, para apuração de condutas vedadas, de arrecadação ou gasto ilícito de recursos para fins eleitorais e para apuração de abuso de poder.

Assim, com vistas à correta observação do objeto de pesquisa, buscou-se analisar primeiramente o conceito de AIJE, seguido pela competência e rito processual. Posteriormente, será feita uma análise da legitimidade do Ministério Público Eleitoral para a propositura da referida ação, encerrando com a discussão acerca da recente Resolução TSE nº 23.396/2013.

O fundamento da AIJE está pautado na defesa da livre vontade do eleitor. De nada adiantaria a legislação eleitoral garantir o sufrágio a todos e não assegurar aos legitimados mecanismos para a defesa dos seus interesses. Isto porque, no processo eleitoral, vários são os mecanismos utilizados pelos candidatos para a persuasão dos eleitores. É certo que muitas dessas articulações são lícitas e encontram previsão legal expressa, o que não ocorre em relação aos crimes e as infrações cíveis-eleitorais, apurados pela Justiça Eleitoral.

Pode-se afirmar que AIJE é a meio destinado a combater, precisamente os ilícitos de abuso de poder político e econômico, bem como o uso indevido dos meios de comunicação social, objetivando assim proteger a normalidade e legitimidade das eleições, o que remonta ao Código Eleitoral. Está prevista no art. 22 da Lei Complementar nº 64/90 e deve ser ajuizada até o dia da diplomação, uma vez que após essa data, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito.

Trata-se de um importante e eficaz instrumento de defesa da legitimidade e normalidade das eleições, cujo rito também é utilizado para apuração de infrações previstas na Lei nº 9.504/97, tais como a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A), captação e gastos ilícitos de recursos de campanha (30-A) e condutas vedadas (arts. 73 a 77).

Vale destacar que é pacífico o entendimento do TSE no sentido de que não importa se o ilícito influenciou o resultado das eleições, bastando apenas a demonstração da gravidade da conduta (FRANÇA; TEBALDI, 2013). Dessa forma, o inc. XVI da Lei Complementar nº 64/1990, com a redação dada pela Lei da “ficha limpa”, confirma o entendimento da Corte Superior no sentido de que: “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição [...]”.

Antes da entrada em vigor da Lei das Inelegibilidades, a AIJE possuía natureza pré-processual de inquérito, de cunho administrativo com o nítido objetivo de produção de provas, as quais poderiam servir para eventual recurso contra expedição de diploma (ISUMI, 2010). Entretanto, considerando que o referido diploma legal elaborou um rol taxativo de legitimados para propositura da referida ação, não mais se poderia falar em natureza administrativa, mas sim de procedimento judicial.

Dessa forma, do ponto de vista constitucional, a LC nº 64/90 representou um grande avanço, uma vez que oportuniza o contraditório e a ampla defesa àqueles que estavam sendo investigados.

Por outro lado, grande é a discussão acerca de sua natureza jurídica, posto que para alguns autores, não se pode falar em ação o disposto na Lei Complementar, conforme entende Cândido (2012, p. 47): “[...] não estamos frente a uma ação. Nas ações, o objetivo é certo e aqui não é, dependendo da época do julgamento o efeito será um ou outro”.

Todavia, há autores que atribuem natureza de ação à AIJE, a exemplo de Isumi (2010) que defende se tratar de ação processual através da qual se deduz pretensão em face do Poder Judicial. Note-se que a autora utiliza o conceito clássico de ação como “pretensão resistida”, em que uma das partes demonstra a sua insatisfação e a outra se defende utilizando-se o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.

4.1 Competência

Segundo Santos (2010), a competência para julgar a ação será alterada de acordo com os cargos em disputa na eleição. Dessa forma, o art. 22, caput, da LC nº 64/90 traça os limites da AIJE conforme o quadro 3:

Quadro 3. Competência para julgar AIJE

Autoridade apresentada

Juízo Competente

Cargos em disputa

Corregedor-Geral Eleitoral

Tribunal Superior Eleitoral

(Vice-)Presidente da República

Corregedor-Regional Eleitoral

Tribunal Regional Eleitoral

(Vice-)Governador, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital

Juiz Eleitoral

Juiz Eleitoral

(Vice-)Prefeito e Vereador

Fonte: ALMEIDA (2010). adaptado pelo autor.

Note-se que as competências estão claramente definidas, obedecendo a um critério de hierarquia, segundo o disposto no referido artigo.

4.2 Rito processual

O mesmo art. 22 da LC nº 64/90 disciplina um rito processual específico para as AIJE’s. Primeiramente, Almeida (2010) destaca que a petição inicial deverá atender a todos os requisitos exigidos no art. 282 do Código de Processo Civil, os quais são:

Art. 282. A petição inicial indicará:

I – o juiz ou tribunal, a que é dirigida;

II – os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e réu;

III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV – o pedido, com as suas especificações;

V – o valor da causa;

VI – as provas com que o autor pretende demonstrar os fatos alegados;

VII – o requerimento para citação do réu.

Além dos requisitos, expressamente previstos neste dispositivo, a petição inicial também deverá indicar provas, indícios e circunstâncias para pedir abertura de investigação judicial para apuração da captação de sufrágio.

Recebido no juízo competente e verificada a presença de todas as condições da ação eleitoral, o corregedor despachará a inicial e ordenará que se notifique o representado do conteúdo da petição. Note-se que não há que se falar aqui em citação, uma vez que a LC nº 64/90 aduz expressamente o termo “notificação” (art. 22, inc. I, alínea “a”, ab initio), embora, a rigor, se trata de comunicação equivalente, para fins de chamamento do investigado à defesa no processo.

Em face da possibilidade do ato que deu motivo a reclamação resultar na ineficiência da medida caso seja julgada procedente, autoriza o art. 22, inc. I, alínea “b” o corregedor determinar a suspensão do ato, no mesmo despacho que deferir a inicial.

Caso seja indeferida a inicial por faltar algum requisito exigido pela LC nº 64/90, o interessado poderá renovar a ação perante o Tribunal. Aqui, o legislador também preferiu não utilizar a nomenclatura do processo civil ao recurso, preferindo utilizar o termo “renovação”.

Neste sentido, Isumi (2010, p. 45) destaca que:

A renovação da representação, na hipótese de anterior indeferimento, requer a apresentação de fatos, indícios, circunstâncias e fundamentos novos em relação aos que já foram apresentados e analisados pela corregedoria regional, excetuando-se essa regra quando o corregedor retardar a solução da investigação judicial.

Uma vez notificado o representado, poderá apresentar defesa, caso desejar, no prazo de 5 (cinco) dias, não importando em revelia nem confissão a sua ausência (FRANÇA; TEBALDI, 2013).

Posteriormente, findo o prazo da notificação, abre-se mais 5 (cinco) dias para inquirição e produção de provas, bem como realização de diligências, sejam elas: oitiva de terceiros, das partes ou de testemunhas ou busca de documentos em posse de terceiros (LC nº 64/90, art. 22, inc. II a IX).

Encerrado o prazo para dilação probatória, serão recebidas as alegações finais, no prazo de dois dias. e far-se-á o relatório conclusivo do Corregedor em três dias, findos os quais será remetido os autos para apreciação do Tribunal competente.

No Tribunal, o Procurador-geral ou regional, conforme o caso, poderá se pronunciar sobre as imputações e conclusões do relatório no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas (LC nº 64/90, art. 22, inc. XIII). Proferida a decisão, caberá recurso, mediante petição fundamentada, ao Tribunal Superior.

4.3 Legitimidade do Ministério Público Eleitoral

A legitimidade para a propositura da AIJE está diretamente relacionada ao interesse processual. No que tange à legitimidade ativa, podem ingressar com a ação: partidos políticos, coligações partidárias, candidatos e o Ministério Público Eleitoral. Assim, nos termos do art. 22, caput, da LC nº 64/90, a AIJE somente poderá ser proposta a partir do momento em que o pré-candidato apresentar seu pedido de candidatura, mesmo que esteja sub judice.

Notadamente, o eleitor não figura no rol dos legitimados a promover tal ação. Em tese, seria este o maior interessado na investigação dos ilícitos e posterior punição dos responsáveis. Entretanto, entendeu o legislador que o Ministério Público estaria representando os eleitores, bem como poderiam estes relatar fatos ou noticiar informações que possam ensejar o convencimento do órgão ministerial ara que este tome as medidas cabíveis.

No mesmo sentido, Cândido defende que:

A exclusão do eleitor foi medida correta, pois este quase nunca fez uso da ação, e quando o fez pouco proveito disso pode ser retirado, pois com freqüência os pedidos se afastavam do são espírito da lei e buscavam, tão-somente, envolver o órgão judiciário em querelas políticas de interesses exclusivamente pessoais e partidários, sem maiores lucros para a lisura do pleito (2012, p. 139)

Destaca-se ainda que a presença do Ministério Público no processo sempre existirá, uma vez que o munus constitucional a que está incumbido corresponde a uma atribuição indisponível, considerando o interesse público na defesa da normalidade das eleições e do equilíbrio do pleito. Dessa forma, quando não figurar como parte na AIJE, exercerá a função de custus legis (ISUMI, 2010).

4.4 Resolução TSE nº 23.396/2013

Publicada em dezembro de 2013, às vésperas de ano eleitoral, a Resolução TSE nº 23.396/2013 repercutiu em todo país ao aproximar-se da famigerada PEC (Proposta/Projeto de Emenda à Constituição) nº 37 que foi inclusive um dos temas que motivaram as reivindicações e protestos populares no mês de junho de 2013.

Notadamente, propôs a referida Resolução a condicionar as investigações eleitorais à prévia autorização judicial. Isto porque, segundo o relator da norma, Ministro Dias Toffoli, na Justiça Eleitoral, o poder de polícia é inerente ao Juiz Eleitoral. Neste caso, a Resolução estaria apenas regulamentando o que fora disposto pelo Poder Legislativo.

Entretanto, esse posicionamento gerou uma insatisfação generalizada por parte dos membros do Ministério Público que publicaram notas públicas de repúdio através dos seus diversos órgãos de classe, os quais demonstraram se tratar de um ato normativo inconstitucional, exótico e que abre espaço para a impunidade dos crimes eleitorais e outras condutas vedadas.

Sendo assim, os Procuradores Regionais Eleitorais e os membros do Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral do Ministério Público Federal se manifestaram no sentido de alterar a Resolução por quatro motivos principais que podem ser destacados aqui. São eles: 1) a ofensa à Constituição e à legislação infraconstitucional, inclusive outras resoluções da própria corte eleitoral, 2) insegurança jurídica, 3) ofensa à igualdade de todos perante o sistema de justiça, 4) prejuízo à celeridade das apurações de crimes eleitorais.

Dessa forma, em nota pública divulgada pelo grupo, é demonstrada a incompatibilidade entre o disposto no art. 129 da Constituição, o qual estabelece como função institucional a capacidade de “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais [...]” (inc. VIII) com o disposto na referida Resolução.

Também como fundamento, inclui-se a insegurança jurídica gerada pela eliminação do poder constitucional investigatório do Ministério Público. Ora, entendendo a Corte Eleitoral que as peças investigatórias de crimes eleitorais somente podem ser instauradas mediante prévia autorização do Poder Judiciário, não se poderá falar em autonomia do Parquet, mas de subordinação.

Outro fundamento, de natureza prática, diz respeito ao prejuízo que terão os membros do Ministério Público na celeridade de instauração de peças investigatórias de cunho eleitoral, uma vez que como se sabe, a morosidade do Poder Judiciário é um dos principais obstáculos burocráticos que pautam as investigações, mesmo as de natureza administrativa.

Por último, destaca-se a ofensa à igualdade de todos perante o sistema de justiça, considerando que os crimes de natureza não eleitoral que ensejam ações penais públicas continuam a ser investigados mediante requisição de instauração de inquérito pelo Ministério Público. Assim, não há alteração legislativa que justifique este cenário em âmbito eleitoral.

4.4.1 A tese da inconstitucionalidade da Resolução TSE nº 23.396/13

Considerando o art. 129 da Constituição Federal de 1988, que determina ser função institucional do Parquet a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, não há que se falar em regulamentação de tal dispositivo, uma vez que constitui norma de eficácia plena, de acordo com Silva (2012).

Nesse sentido, a Resolução TSE nº 23.396/2013 representaria um obstáculo a mais a ser vencido pelos Promotores Eleitorais de todo o país, tornando-se por via oblíqua um estímulo à prática de crimes eleitorais e outras condutas vedadas, uma vez que tal impedimento à instauração de peças investigatórias afronta de sobremaneira a autonomia da instituição.

Além disso, a referida Resolução afronta ainda o princípio constitucional da eficiência, posto que insere mais um embaraço à instauração de investigações eleitorais. Dessa forma, conforme entende Carvalho (2009, p. 55) que “princípios representam núcleos de valores, diretrizes e ideias de todo ou de uma parcela do ordenamento jurídico”, afrontar um princípio é bem mais gravoso que afrontar um dispositivo constitucional específico.

Sendo assim, os princípios constitucionais da Administração Pública, dispostos no art. 37 da Carta Magna, não se aplicam somente ao Poder Executivo, sendo aplicado também, no que couber, aos demais Poderes da República, conforme entende Marinela (2009).

Dessa forma, a elaboração das Resoluções por parte do TSE deveriam obedecer aos princípios que regem a matéria, considerando a constitucionalidade formal e material das normas por ele editadas.

Além da Constituição, a Resolução TSE nº 23.396/2013 também se encontra em desacordo com a legislação infraconstitucional, já que segundo o Ministro Marco Aurélio - que teve seu voto vencido na decisão da elaboração da norma -, as regras para instauração de inquérito de natureza administrativa eleitoral, provém do Código de Processo Penal (CPP) e não do Código Eleitoral, a evidenciar o entendimento equivocado adotado pelos demais Ministros.

Assim sendo, o art. 5º do CPP dispõe que:

Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I – de ofício

II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Note-se a autoridade policial poderá até mesmo iniciar o inquérito de ofício, não sendo necessária nenhuma autorização judicial para que seja aberta a peça investigativa. Contudo, não é o que dispõe o art. 8º da Resolução TSE nº 23.396/2013: “Art. 8º O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante”.

Dessa forma, ante a flagrante inconstitucionalidade e com vistas a evitar um desgaste maior com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal – STF, o Ministério Público protocolou um pedido de reconsideração por parte do TSE, sobretudo em face do Ministro Dias Tofolli, relator da norma.

4.4.2 Da divergência de entendimentos

O grande argumento do Ministro Dias Toffoli, a favor da Resolução nº 23.396/2013, é a transparência das investigações necessária para a publicidade dos atos do Ministério Público. Entende o referido Ministro que não pode haver “investigações de gaveta”, que ninguém sabe se existe ou não.

Naturalmente, com a entrada em vigor da Lei das Inelegibilidades, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral passou a ter natureza de procedimento judicial, diferente da natureza administrativa das peças investigatórias penais comuns, conforme visto anteriormente.

Dessa forma, se fosse administrativa, não seria exigida a publicidade dos atos investigativos, uma vez que segundo o art. 20 do Código de Processo Penal, “a autoridade assegurará ao inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.

Entretanto, a AIJE não se confunde com os inquéritos eleitorais, que são instrumentos específicos para combater os crimes eleitorais, previstos no art. 289 e ss. do Código Eleitoral.

É necessário entender que deve haver uma ponderação de prioridades no sentido de que a aludida transparência que o Ministro requer, deve estar em acordo com os princípios constitucionais comentados na seção anterior, não podendo representar obstáculo ao bom andamento da apuração dos crimes eleitorais.

4.4.3 Da ADIN nº 5104

Considerando os argumentos apresentados, o Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou em 31 de março de 2014, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5104 perante o Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade de diversos dispositivos da Resolução TSE nº 23.396/2013.

Buscava o Procurador-geral suspender os efeitos dos arts. 3º a 13 da referida resolução, tendo como fundamentos a violação aos princípios acusatório, imparcialidade do órgão jurisdicional, inércia da jurisdição e titularidade da persecução penal, todos amplamente protegidos pela Constituição da República, conforme se depreende dos fundamentos das causas de inconstitucionalidades:

Os fundamentos desta ação residem, em termos amplos, nos seguintes aspectos:

1) na usurpação de competência legislativa da União, a ser exercida pelo Congresso Nacional, para disciplinar o processo penal, em desrespeito ao art. 22, I, da Constituição da República (CR);

2) na incompatibilidade com o princípio da legalidade, pela criação de dever para o cidadão sem amparo legal, de forma incompatível com o art. 5º, II, da CR;

3) na contrariedade ao princípio do juiz natural imparcial e ao princípio da inércia da jurisdição (ne procedat judex ex officio), decorrentes do art. 5º, LIII, da CR;

4) na ofensa ao princípio acusatório, com injustificada limitação à atuação do Ministério Público Eleitoral no campo da apuração de infrações penais eleitorais, em afronta ao art. 129, I, VI e VIII, da CR;

5) na violação das funções do Ministério Público no controle externo da atividade policial, estatuído no art. 129, VII, da CR;

6) no desrespeito ao princípio da eficiência, previsto no art. 37, caput, da CR;

7) no malferimento do princípio da duração razoável do processo, inscrito no art. 5º, LXXVIII, da CR.

Dessa, o pleno do STF analisando a demanda, decidiu por maioria de votos (decisão em anexo) pela suspensão cautelar da eficácia do art. 8º da Resolução TSE nº 23.396/2013.

5 CONCLUSÃO

Considerando o estudo dos institutos políticos das eleições de fundamental importância para o entendimento das atribuições de cada um dos sujeitos envolvidos no pleito, sejam juízes eleitorais, promotores, candidatos e eleitores, apreende-se que o Direito Eleitoral, como ramo do Direito Público, cuida diretamente da harmonia e equilíbrio das eleições como principal exercício da democracia.

Observou-se que nesse contexto, o principal guardião e defensor da democracia é o Ministério Público, através do ramo do MPF que é o MPE. Assim, qualquer que seja a prática do candidato que interfira na lisura do pleito, sobretudo na vontade do eleitor, como ocorre com o fenômeno da captação ilícita de sufrágio, deverá ser objeto de imediata repressão pelo Parquet.

Destaca-se também que o cidadão possui nas mãos um poder capaz de responsabilizar os candidatos que foram eleitos nos pleitos anteriores e não atingiram o nível aceitável de aprovação por parte daqueles que neles votaram. É o caso da accontabillity, que representa a participação efetivamente política, uma vez que o voto não é considerado apenas como um número a mais nas urnas, mas uma resposta às atuações dos eleitos no governo.

Dessa forma, escândalos por “compra de votos” e outras condutas expressamente vedadas pela legislação eleitoral põem em xeque a confiança do eleitor consciente e informado dos atos dos candidatos. Talvez seja essa a maior tarefa do Ministério Público Eleitoral, tornar público as investigações e processos judiciais contra aqueles que usam da desonestidade para persuadir e desvirtuar a vontade do eleitorado.

Diante de tal fato, insurge o questionamento acerca da Resolução TSE nº 23.396/2013 que visa tornar público qualquer investigação por crime eleitoral, levado a cabo pelo Ministério Público. Sob a ótica da responsabilização eleitoral, seria esta norma um instrumento eficaz para fazer o eleitor cientificar dos atos dos eleitos e responsabilizá-los eleitoralmente.

Todavia, entende-se que deve haver uma ponderação de prioridades, no sentido de que considera-se mais importante a ausência de impunidade do que a responsabilização eleitoral. Este certamente é um impasse importante que deve ser analisado pelo Poder Legislativo, no sentido de pacificar tal divergência.

Assim, dado o desinteresse pela coisa pública e a desinformação dos cidadãos, sobretudo em face de “mensalões” torna desacreditada as instituições eleitorais e enfraquecem a responsabilidade dos que administram a máquina administrativa.

Nesse sentido é que em 2010, a Lei da Ficha Limpa representou em última análise a recuperação de parte da esperança dos eleitores ao incluir como causa de inelegibilidade aquele que for condenado por desvio ou abuso de poder econômico ou de autoridade ou utilização indevida dos meios de comunicação social.

Mais uma vez, malgrado no munus constitucional de proteção ao regime democrático, o MPE não somente pode como tem o dever de agir para coibir tais atos e responsabilizar os culpados.

  • DIREITO ELEITORAL
  • MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
  • CRIME ELEITORAL
  • INVESTIGAÇÃO DE CRIME ELEITORAL
  • RESOLUÇÃO TSE

Referências

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral. 3 ed. rev atual e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2010.

CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 15 ed. São Paulo: Edipro, 2012.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. v. 15. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

CAZARRÉ, Carlos Augusto da Silva. Crimes eleitorais: sua fundamentação constitucional e a deficiência de proteção penal em alguns aspectos do processo eleitoral. In: RAMOS, André de Carvalho (coord.). Temas de Direito Eleitoral no século XXI. Escola Superior do Ministério Público da União. Brasília, 2012.

COELHO, Marcus Vinicius Furtado. A mudança de paradigmas decorrente da Lei Complementar nº 135. In: REIS, Márlon Jacinto. et al. (Coord.) Ficha limpa: Lei Complementar nº 135, de 4.6.2010. Bauru – SP: Edipro, 2010.

DIAS, Renata Livia Arruda de Bessa. O ministério público eleitoral. Revista Eletrônica da EJE. n 1, ano IV, dez 2013/jan 2014.

FRANÇA, Eduardo Toledo Arruda Galvão de; TEBALDI, Juliana Zacarias Fabre. As implicações da Lei Complementar nº 135/2010 na ação de investigação judicial eleitoral. Revista JUrisFIB, v. IV, ano IV, dez. 2013.

GARCIA, Emerson. Ministério público: Organização, atribuições e regime jurídico. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

ISUMI, Francy. Abuso de poder nas eleições: controversias e inefetividade de seus meios de coibição. Monografia. Curso de Direito. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010.

MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 5 ed. Salvador: Jus Podivm, 2009.

MARREY, Luiz Antonio Guimarães. A constituinte de 1987 e a construção do ministério público moderno. Métis: história & cultura, v. 12, n. 24, 2013.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estrutura do MPE. disponível em: www.mpf.gov.br. Acesso em: 20 fev. 2014.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

PAES, José Eduardo Sabo. O ministério público na constituição brasileira: sua natureza, princípios e estrutura. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União. ano II, n. 7, Brasília, abr/jun 2013. p. 49-63.

PINHEIRO, Maria Alice Diógenes. O Ministério Público no combate à corrupção eleitoral nas transferências eleitorais e alistamento.  Revista Acadêmica da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Ceará. ano III, n. 1, jan/jul 2011.

RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 10  ed. Impetus: Rio de Janeiro, 2010.

REIS, Márlon Jacinto.  Ficha limpa: Lei Complementar nº 135, de 4.6.2010. Bauru – SP: Edipro, 2006.

SANTOS, Fábio Mendes dos. Efeitos da decisão de procedência da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), prevista no art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990. In: TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA, Resenha Eleitoral, v. 18, n. 1. Florianópolis, 2010. p. 63 - 74.

SILVA, Daniel Cavalcante. "Checks and balances" e conflitos políticos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2867, 8 maio 2011. Disponível em: . Acesso em: 3 mar. 2014.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8 ed. Malheiros: São Paulo, 2012.


Regiana Carvalho

Bacharel em Direito - Marabá, PA


Comentários