AS APOSENTADORIAS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DE ACORDO COM A EMENDA CONSTITUCIONAL 103/19
Carolina Mikovic Bispo dos Santos¹
RESUMO
O presente artigo tem como escopo demonstrar as principais mudanças advindas com a Emenda Constitucional 103/19 no que tange as aposentadorias do regime geral de previdência social, bem como fazer um comparativo da legislação anterior com a legislação pós reforma previdenciária. Para tanto será abordado o conceito de aposentadoria em cada uma de suas espécies, os requisitos para sua concessão, as regras de transição e forma de cálculo. Outrossim, partindo desta proposta será feito reflexão sobre as mudanças advindas e o princípio da vedação ao retrocesso social e princípio da proteção à confiança.
Palavras-chave: aposentadoria, reforma previdenciária, emenda constitucional 103/19, novos requisitos, retrocesso social
ABSTRACT
The scope of this article is to demonstrate the main changes that came with the Constitucional Amendment 103/19 regarding the retirement of the general social security system, as well as to make a comparison of the previus legislation with the legislation after the social security reform. For this purpose, the concept of retirement in each one of its species, the requirements for its concession, the rules of transition and form of calculation will be approached.In addition, on the basis of this proposal, reflection will be made about the changes that have taken place and on the principle of prohibition of social regression and the principle of protection of trust.
Keywords: retiremente, social security reform, constitucional amendment 103/19, new requirements, social regression
SUMÁRIO: Introdução 1- Aposentadoria por idade e aposentadoria por tempo de contribuição no regime anterior 2 – Aposentadoria Voluntária do RGPS à luz da EC 103/2019 2.1 Conceito e requisitos 2.2 – Forma de cálculo 2.3 – Regra de Transição das Aposentadorias Voluntárias 2.3.1 – Fórmula 86/96 progressiva ( artigo 15 da EC103/2019 ) 2.3.2 – Tempo de contribuição mínimo e idade progressiva ( artigo 16 da EC 103/2019) 2.3.3 – Tempo de contribuição + Pedágio ( artigo 17 da EC 103/2019 ) 2.3.4 – Idade mínima, tempo de contribuição + pedágio ( artigo 20 da EC 103/2019) 3 – Aposentadoria por idade/regras de transição – Artigo 18 da EC 103/2019 4 – Aposentadoria por invalidez ou Incapacidade Permanente 4.1 – Aposentadoria por invalidez antes da Reforma Previdenciária 4.2 – Aposentadoria por incapacidade permanente á luz da EC 103/2019 5 – Aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos – exigência de idade mínima e outras alterações 6 – Impactos da Reforma Previdenciária 6.1 – Vedação ao retrocesso social e princípio da proteção à confiança . Conclusão . Referências
Introdução
A Constituição Federal de 1988, marco histórico para a Democracia, trouxe um rol de direitos fundamentais com vistas à promoção da Dignidade da Pessoa Humana. Nesta perspectiva, também, foram criados os direitos sociais, no qual está inserido o direito a previdência social, como expressão de garantia para um mínimo existencial.
Nossa Carta Magna, em seu artigo 201, I, dispõe, in verbis:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada. ( grifo nosso)
As aposentadorias fazem parte da previdência social, e esta por sua vez, possui caráter contributivo. Destarte, para fazer jus à cobertura previdenciária necessário filiar-se ao regime e verter contribuições. Ademais, para que haja a concessão do benefício, o segurado deve atender os requisitos previstos na legislação que rege a matéria.
A Emenda Constitucional 103/2019 alterou significativamente os requisitos para concessão de aposentadorias nas suas variadas espécies, bem como a nomenclatura das mesmas, mudanças estas que causarão impactos relevantes no benefício previdenciário em comento. Neste diapasão, é de suma importância explicitar as regras permanentes e de transição das aposentadorias do regime geral de previdência social e para tanto foi utilizada a técnica de pesquisa bibliográfica
1 – Aposentadoria por idade e por tempo de contribuição no regime anterior
No regime anterior à reforma havia dois tipos de aposentadorias voluntárias: aposentadoria por idade e aposentadoria por tempo de contribuição.
No que tange a aposentadoria por idade, esta era concedida ao segurado que, filiado á previdência social, cumprisse a carência de 180 contribuições mensais, bem como completasse 65 anos de idade, se homem, ou 60 anos de idade, se mulher. Salienta-se que para os trabalhadores rurais a faixa etária era reduzida para 60 e 55 anos, respectivamente.
A forma de cálculo do benefício de aposentadoria por idade consistia na seguinte fórmula: média dos 80 % maiores salários de contribuição de todo período contributivo do segurado (desde julho de 1994) multiplicada pelo fator previdenciário de forma facultativa, ou seja, somente se a aplicação do fator fosse positiva para o segurado (elevasse o valor do salário de benefício do segurado). Uma vez apurado o salário de contribuição, necessário definir a RMI (renda mensal inicial) do benefício a qual consistia na média aritmética simples de 70% do salário de benefício, acrescidos de 1% a cada grupo de 12 contribuições. Vejamos um exemplo para melhor visualização:
Exemplo: Mévio, possui 65 anos de idade e 20 anos de contribuição. Diante de tais informações sabe-se que este segurado faz jus ao benefício de aposentadoria por idade. Imagine que ao apurar a média dos 80% maiores salários de contribuição, chegou-se ao valor de R$ 2.500,00. No caso em comento, o segurado possui 20 anos de contribuição. Sendo assim, a renda mensal inicial do valor do benefício de aposentadoria por idade será de R$ 2.225,00. ( cálculo: 90 % x R$ 2.500,00 – os noventa por cento corresponde aos 70% do salário de benefício acrescidos de 20% visto que no exemplo o segurado possui 20 grupos de 12 contribuições).
A aposentadoria por tempo de contribuição era devida ao segurado que completasse 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher. O cálculo do benefício era feita nos mesmos moldes da aposentadoria por idade, ou seja, soma dos 80% maiores salários de contribuição, porém, multiplicados pelo fator previdenciário de forma obrigatória. Ademais, a renda mensal do benefício consistia em 100% do salário de benefício.
Exemplo: Lúcia, segurada da previdência, possui 31 anos de contribuição. Ao apurar os salários de contribuição obteve a média de R$ 3.000,00 após a multiplicação pelo fator previdenciário. Sua aposentadoria corresponderá a R$ 3.000,00 ( três mil reais ) visto que a RMI corresponde a 100% do salário de benefício apurado a partir dos salários de contribuição.
No regime previdenciário anterior não existia a necessidade de uma idade mínima para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição. Todavia, com a emenda constitucional 103/2019 temos obrigatoriamente a cumulação de idade + tempo, razão pela qual vigora o entendimento de que a aposentadoria por tempo de contribuição foi extinta de nosso ordenamento.
2 – Aposentadoria voluntária do RGPS à luz da EC 103/2019
O novo modelo de aposentadoria voluntária do RGPS cumula os requisitos de idade e tempo de contribuição, tal como já ocorria nos Regimes Próprios de Previdência Social, desde a promulgação da EC 20/1998 ( KERTZMAN, 2020, p.31).
O artigo 201, § 7º da Constituição Federal, aduz que:
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I - 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, observado tempo mínimo de contribuição; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
II - 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
§ 8º O requisito de idade a que se refere o inciso I do § 7º será reduzido em 5 (cinco) anos, para o professor que comprove tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio fixado em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
Da leitura dos incisos acima, nota-se que a Emenda Constitucional operou a fusão entre os benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade. Como leciona o doutrinador Flaviano Nicodemos de Andrade Lima: “deixam de existir dois benefícios distintos, passando a existir apenas um benefício, cuja obtenção exige uma combinação entre requisitos mínimos de idade e de tempo de contribuição” ( LIMA, 2020, p.51)
2.1 – Conceito e requisitos
A aposentadoria voluntária urbana é aquela concedida ao segurado que atender os requisitos estabelecidos em lei para sua concessão que pressupõe uma idade mínima atrelada a certo tempo de contribuição, como disposto a seguir ( Artigo 19 da EC 103/2019):
• Homens: 65 anos de idade + 20 anos de contribuição
• Mulheres: 62 anos de idade + 15 anos de contribuição
Importante destacar como ficou os requisitos para concessão da aposentadoria do professor.
Outrossim, de acordo com o art. 19, §1º, II da Emenda Constitucional 103/2019, a carência para a aposentadoria por idade ao professor que comprove 25 anos de contribuição exclusivamente em efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio será :
• Homens: 62 anos de idade
• Mulheres: 57 anos de idade
Ressalta-se que a EC 103/2019 não definiu tempo de contribuição necessário para a aposentadoria dos trabalhadores rurais. O doutrinador IVAN KERTZMAN entende que a carência prevista no artigo 25, II da Lei 8213/1991, que define 180 contribuições como carência para concessão de algumas aposentadorias deve ser aplicada por analogia aos trabalhadores rurais. ( KERTZMAN, 2020, P.33)
2.2 – Forma de cálculo
No modelo do regime anterior, conforme explanado no item 1, o salário de benefício era calculado com base na média dos 80% maiores salários de contribuição a partir de julho de 1994. Ou seja, havia o descarte dos 20% menores salários de contribuição.
A EC 103/2019, em seu artigo 26, disciplina que a apuração do salário de benefício consistirá em 100% do período contributivo desde a competência de julho de 1994. Após a apuração da média do salário de contribuição, haverá a multiplicação pela alíquota de 60% com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo mínimo de 20 anos de contribuição, para os homens, e de 15 anos de contribuição para a mulher.
Neste ínterim, conclui-se que, para fazer jus a uma aposentadoria com 100% da média, é necessário 40 anos de contribuição para o segurado homem, e 35 anos de contribuição para a segurada mulher.
Se tomarmos o mesmo exemplo citado no item 1 do presente artigo, Mévio que no regime anterior receberia R$ 2.225,00 após 20 anos de contribuição, com a reforma da previdência, considerando que a apuração dos R$ 2.500,00 correspondesse a 100% dos salários de contribuição ( e não 80% como no exemplo anterior), faria jus a um benefício no valor de R$ 1.500,00 ( 60% de R$ 2.225,00), sendo que no regime anterior faria jus a 90 % de R$ 2.225,00
Não há como negar que a nova regra trouxe defasagem no valor da aposentadoria tanto ao não mais permitir o descarte dos 20% menores salários de contribuição quanto ao definir alíquota mínima de 60%.
A título de curiosidade e conhecimento, nota-se que o artigo 26 da Emenda 103/2019 não limita a média de todos os salários de contribuição a 100%. Sendo assim, conclui-se que, se um segurado homem, por exemplo, tiver 45 anos de tempo de contribuição, irá se aposentar com coeficiente de 110% da média dos salários de contribuição.
Desta feita, temos que na nova aposentadoria voluntária o coeficiente mínimo será de 60% e o máximo não está limitado pela legislação constitucional transitória.
2.3 – Regra de transição das aposentadorias voluntárias
As regras de transição são aplicáveis aos segurados já filiados ao Regime Geral de Previdência Social na data da promulgação da Emenda À Constituição, e que ainda não tinham configurado o direito adquirido, mas já estavam próximos a implementar os requisitos da regra vigente anteriormente á publicação da Emenda Constitucional ( JORDÃO, 2020, P.132)
2.3.1 – Fórmula 86/96 progressiva – artigo 15 da EC 103/2019
Essa regra de transição, também denominada de sistema de pontos, possibilita a concessão de aposentadoria sem aplicação do fator previdenciário e consiste na cumulação dos seguintes requisitos: soma da idade do segurado + tempo de contribuição. Nesta soma, deve-se atingir 86 pontos para a segurada mulher e 96 pontos para o segurado homem. Ademais, para fazer jus a essa regra, o segurado deve contar no mínimo com 30 anos de contribuição ( se mulher) e 35 anos de contribuição ( se homem).
Frise-se que tais pontuações são progressivas, e a partir de 01º de janeiro de 2020 a pontuação será acrescida de um ponto a cada ano tanto para homem quanto para mulher, até atingir o limite de 100 pontos para as mulheres e 105 pontos para os homens. Desta feita, no ano de 2020, o homem deve contar com 97 pontos e a mulher 87 pontos para fazer jus a aposentadoria pelo sistema de pontos.
Exemplo: Joana possui 31 anos de tempo de contribuição e 57 anos de idade completos até a EC 103/2019. Esta fará jus a aposentadoria integralmente sem aplicação do fator previdenciário.
Agora imagine a seguinte situação bem ilustrada pelo doutrinador IVAN KERTZMAN:
• Luana tinha exatos 27 anos de contribuição e 54 anos de idade na data da aprovação da emenda constitucional 103/2019, faltando apenas 3 anos para sua aposentadoria. Quando poderá aposentar-se valendo da regra de transição da fórmula 86/96 progressiva?
Vamos analisar a progressão de Luana:
DATA TC IDADE PONTUAÇÃO FÓRMULA
11/2020 28 55 83 87
11/2021 29 56 85 88
11/2022 30 57 87 89
11/2023 31 58 89 90
11/2024 32 59 91 91
Resposta: Luana alcançará os requisitos desta regra de transição em novembro de 2024, quando terá alcançado a pontuação exigida pela fórmula daquele ano.
É possível observar que por esta regra, Luana poderá se aposentar 3 anos antes de completar os 62 anos exigidos na regra permanente.
Outrossim, no que tange ao professor que exerce magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, o somatório da idade com o tempo de contribuição deve atingir 81 pontos, se mulher, e 91 pontos, se homem, os quais, a partir de janeiro de 2020, serão acrescidos de um ponto a cada ano até atingir o limite máximo de 92 pontos para mulher e 100 pontos para homem. Ressaltando que deve haver comprovação mínima de 25 anos de tempo de contribuição se mulher, e 30 anos se homem.
Vejamos o que diz o artigo 15, in verbis:
Art. 15. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, fica assegurado o direito à aposentadoria quando forem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II - somatório da idade e do tempo de contribuição, incluídas as frações, equivalente a 86 (oitenta e seis) pontos, se mulher, e 96 (noventa e seis) pontos, se homem, observado o disposto nos §§ 1º e 2º.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a pontuação a que se refere o inciso II do caput será acrescida a cada ano de 1 (um) ponto, até atingir o limite de 100 (cem) pontos, se mulher, e de 105 (cento e cinco) pontos, se homem.
§ 2º A idade e o tempo de contribuição serão apurados em dias para o cálculo do somatório de pontos a que se referem o inciso II do caput e o § 1º.
§ 3º Para o professor que comprovar exclusivamente 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, se mulher, e 30 (trinta) anos de contribuição, se homem, em efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, o somatório da idade e do tempo de contribuição, incluídas as frações, será equivalente a 81 (oitenta e um) pontos, se mulher, e 91 (noventa e um) pontos, se homem, aos quais serão acrescidos, a partir de 1º de janeiro de 2020, 1 (um) ponto a cada ano para o homem e para a mulher, até atingir o limite de 92 (noventa e dois) pontos, se mulher, e 100 (cem) pontos, se homem.
§ 4º O valor da aposentadoria concedida nos termos do disposto neste artigo será apurado na forma da lei.
No que concerne ao valor da aposentadoria, este corresponderá a 60% da média aritmética simples dos 100% salários de contribuição a partir da competência de julho de 1994, acrescidos de 2% para cada ano que ultrapassar os 20 anos de contribuição se homem, e os 15 anos de contribuição, se mulher.
2.3.2 - Tempo de contribuição mínimo e idade progressiva ( artigo 16 da EC 103/2019)
O artigo 16 traz uma regra de transição que beneficia os segurados do RGPS filiados até o dia da publicação da EC 103/2019.
Conforme bem explica o professor Frederico Amado, para fazer jus a esta regra de transição, exigiu-se os seguintes requisitos para quem adquirir o direito até 31/12/2019
a) HOMENS, 35 anos de tempo de contribuição e 61 anos de idade
b) MULHERES, 30 anos de tempo de contribuição e 56 anos de idade
Na referida regra, as idades mencionadas acima serão acrescidas de 6 meses a cada ano, a partir de janeiro de 2020, até atingir o limite máximo de 62 anos de idade, se mulher, e 65 anos de idade, se homem.
No que tange aos professores, os requisitos ficaram assim estabelecidos:
a) HOMENS: 30 anos de tempo de contribuição e 56 anos de idade;
b) MULHERES: 25 anos de tempo de contribuição e 51 anos de idade;
Para exemplificar a referida regra, vamos nos valer do exemplo do professor IVAN KERTZMAN, que abaixo se cita:
• Luana tinha exatos 27 anos de contribuição e 54 anos de idade na data da aprovação da EC 103/2019, faltando apenas três anos para sua aposentadoria. Quando poderá aposentar-se, valendo-se da regra de transição da idade progressiva?
Vamos analisar a progressão de Luana, sabendo que ela deve atingir os 30 anos de contribuição para aposentar-se:
Data Tc Luana Idade Luana Idade da regra
11/2020 28 55 56,5
11/2021 29 56 57
11/2022 30 57 57,5
11/2023 31 58 58
Pela problemática exposta, chega-se a conclusão de que Luana alcançará os requisitos para gozo do benefício em novembro de 2023, quando terá alcançado a idade exigida para aquele ano e os 30 anos de contribuição.
O valor da RMI da aposentadoria por esta regra segue a mesma lógica da regra estudada no tópico anterior, ou seja, soma-se todos os salários de contribuição a partir de julho de 1994 aplicando sobre o valor o percentual de 60% acrescidos de 2% para cada ano que ultrapasse 15 anos de contribuição para mulheres e 20 anos de contribuição para os homens.
Abaixo colaciona-se o artigo ora comentado:
Art. 16. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional fica assegurado o direito à aposentadoria quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II - idade de 56 (cinquenta e seis) anos, se mulher, e 61 (sessenta e um) anos, se homem.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade a que se refere o inciso II do caput será acrescida de 6 (seis) meses a cada ano, até atingir 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem.
§ 2º Para o professor que comprovar exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, o tempo de contribuição e a idade de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão reduzidos em 5 (cinco) anos, sendo, a partir de 1º de janeiro de 2020, acrescidos 6 (seis) meses, a cada ano, às idades previstas no inciso II do caput, até atingirem 57 (cinquenta e sete) anos, se mulher, e 60 (sessenta) anos, se homem.
§ 3º O valor da aposentadoria concedida nos termos do disposto neste artigo será apurado na forma da lei.
2.3.3 – Tempo de contribuição + pedágio ( artigo 17 da EC 103/2019)
O artigo 17 estabelece uma regra de transição aplicável apenas aos segurados que estivessem faltando apenas 02 anos para completar o tempo de contribuição para concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, cujo requisito é de 35 anos de tempo para homem e 30 anos para mulher. Desta feita, somente se aplicará esta regra do pedágio ao segurado que contar com mais de 28 anos de contribuição, se mulher, e 33 anos de contribuição se homem.
A regra do pedágio de forma simples e clara é a seguinte: o segurado irá cumprir na totalidade o tempo de contribuição que faltava mais metade desse tempo restante, ou seja, cumprirá um pedágio de 50%.
Destarte, um segurado homem que tivesse exatos 34 anos de contribuição no dia da publicação da emenda, terá que cumprir mais 1 ano de tempo de contribuição para chegar aos 35 anos, bem como um pedágio de 50% sobre 1 ano, que perfaz 6 meses, devendo integralizar no total trinta e cinco anos e meio de tempo de contribuição para assim fazer jus ao benefício de aposentadoria ( AMADO, 2020,P.283).
A regra de transição aqui comentada tem escopo no artigo 17 da redação trazida pela EC 103/2019 conforme a seguir se colaciona:
Art. 17. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional e que na referida data contar com mais de 28 (vinte e oito) anos de contribuição, se mulher, e 33 (trinta e três) anos de contribuição, se homem, fica assegurado o direito à aposentadoria quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II - cumprimento de período adicional correspondente a 50% (cinquenta por cento) do tempo que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, faltaria para atingir 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem.
Parágrafo único. O benefício concedido nos termos deste artigo terá seu valor apurado de acordo com a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7º a 9º do art. 29 da Lei nº8213 de 24 de julho de 1991
Diferentemente das regras comentadas nos tópicos 2.3.1 e 2.3.2, a regra de transição em comento não traz regras especiais para os professores, portanto, não se aplica a estes.
No que concerne ao valor do benefício, por uma questão de interpretação lógica ao analisar o parágrafo único do artigo 17 da EC 103/2019, há de concluir que o valor do benefício corresponderá a média aritmética simples de todos os salários de contribuição a partir de 07/1994 multiplicada pelo fator previdenciário. Entende-se que o artigo 26 da EC 103/2019 revogou o artigo 29, I e II da Lei 8213/1991 o qual dispunha que o salário de benefício era calculado com base nos 80% maiores salários de contribuição.
Ressalta-se que o fator previdenciário, em regra, traz redução ao valor do benefício, ou seja, sua aplicação implica em aviltamento na renda da aposentadoria, razão pela qual esta regra de transição não se mostra vantajosa. Cumpre mencionar que o fator somente traz vantagem se o mesmo resultar em valor superior a 1,0 visto que assim irá aumentar o salário de benefício. A título de informação e didática, segue abaixo a fórmula para cálculo do fator previdenciário:
2.3.4 – Idade mínima, tempo de contribuição + pedágio ( artigo 20 da EC 103/2019)
Nesta modalidade de transição prevista no artigo 20, também conhecida como regra do pedágio de 100 %, fixou-se uma idade mínima de 57 anos para mulheres e 60 anos de idade para os homens, além de exigir contribuições pelo tempo que efetivamente faltava para concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ( 30 anos, se mulher, e 35 anos, se homem) mais um pedágio de 100% igual ao número do tempo restante que faltava para implementar o requisito de tempo do benefício em voga.
Diferentemente da regra anterior ( vide tópico 2.3.3) que não prevê idade mínima, a regra aqui discutida impõe idade mínima e um pedágio de 100%, e não de 50% como previsto na regra de transição exposta anteriormente.
Uma segurada com 28 anos completos de tempo de contribuição e 53 anos de idade na data da publicação da Emenda Constitucional, por esta regra, precisará cumprir 4 anos para se aposentar ( 2 anos até os 30 anos de contribuição e outros 2 anos correspondentes ao pedágio de 100% )
Referida regra de transição também faz menção para os professores que comprovem exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. Para estes, haverá redução de 5 anos tanto no requisito idade quanto no requisito tempo e aplicação de 100% de pedágio referente ao tempo faltante para implementação do requisito tempo de contribuição, observe:
a) professor: 55 anos de idade e 30 anos de contribuição
b) professora: 52 anos de idade e 25 anos de contribuição
O cálculo para definir o valor do benefício será a soma dos 100% salários de contribuição a partir de 07/1994, todavia, sem a aplicação fator previdenciário, o que beneficia bastante o segurado que se encaixa na referida regra de transição, visto que a não aplicação do fator pode elevar seu benefício, diferente do que ocorre na regra do pedágio de 50% em que há a aplicação do fator previdenciário.
3 – Aposentadoria por idade / Regras de Transição – artigo 18 da EC 103/2019
As regras de transição referente à antiga aposentadoria por idade urbana estão esculpidas no artigo 18 da Emenda Constitucional 103/2019., as quais são aplicadas aos segurados do RGPS filiados até o dia da publicação da referida emenda.
Art. 18. O segurado de que trata o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem; e
II - 15 (quinze) anos de contribuição, para ambos os sexos.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade de 60 (sessenta) anos da mulher, prevista no inciso I do caput, será acrescida em 6 (seis) meses a cada ano, até atingir 62 (sessenta e dois) anos de idade.
§ 2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei.
Ao se fazer um comparativo no que tange aos requisitos da aposentadoria por idade que vigoravam antes da emenda, observa-se que a inovação é o aumento progressivo da idade da mulher, ou seja, a partir de 01º de janeiro de 2020, a idade de 60 anos da segurada será acrescido de 6 meses a cada ano, até atingir 62 anos de idade.
Desta feita, o segurado(a) deve preencher os seguintes requisitos cumulativamente:
a) HOMEM: 15 anos de contribuição + 65 anos de idade
b) MULHER: 15 anos de contribuição + 60 anos de idade, com a ressalva de que a partir de janeiro de 2020, a idade de 60 anos será acrescida em 6 meses anualmente até chegar em 62 anos.
O valor da aposentadoria concedida por esta regra de transição segue a seguinte forma de cálculo: média de todos os salários de contribuição a partir de julho de 1994 e aplica-se sobre esta média o percentual de 60% acrescidos de 2% por ano que ultrapasse os 15 anos de contribuição da segurada, e 20 anos de contribuição do segurado.
Imagine que Gorete tinha 15 anos de contribuição e 59 anos de idade na data da provação da EC 103/2019, faltando apenas 1 ano para atingir a idade para gozar da referida aposentadoria. Quando ela poderá aposentar valendo -se da regra de transição do artigo 18 ?
Data TC Gorete Idade Gorete Idade exigida pela EC103/2019
11/2019 15 59 60
11/2020 16 60 60,5
11/2021 17 61 61
Ao analisar o quadro de progressão acima, pode-se afirmar que a segurada do exemplo acima somente se aposentará em novembro de 2021 quando terá completado a idade mínima exigida para aquele ano, visto que, no exemplo em comento, a segurada já possui a carência necessária em relação as contribuições.
4 – Aposentadoria por invalidez ou por incapacidade permanente no RGPS
A aposentadoria por invalidez, agora denominada aposentadoria por incapacidade permanente é devida ao segurado que, após cumprida a carência, ficar incapacitado total e permanentemente para o exercício de qualquer atividade ou trabalho que lhe garanta a subsistência, bem como esteja insuscetível de reabilitação.
Para constatar a incapacidade, o segurado deverá ser avaliado pelo médico perito da Previdência Social, podendo ser acompanhado por médico de sua confiança, às suas expensas. ( MENEZES, 2016, P.300)
Importante destacar que a aposentadoria em comento não está condicionada ao recebimento de auxílio doença anterior a sua concessão, ou seja, a aposentadoria por invalidez ou por incapacidade permanente poderá vir ou não precedida do auxílio doença, benefício este denominado agora de auxílio incapacidade temporária.
4.1 – Aposentadoria por invalidez antes da reforma previdenciária
No âmbito do RGPS não houve nenhum alteração nas hipóteses de concessão da aposentadoria por invalidez, permanecendo como fato gerador a incapacidade total e permanente, e ainda a carência mínima de 12 contribuições mensais, regra esta que é abrandada nos casos de incapacidade decorrente de acidente de qualquer natureza, visto que neste caso não há exigência de carência mínima para obtenção do benefício.
No regime anterior, o valor do benefício de aposentadoria por invalidez, tanto previdenciária quanto acidentária, era apurado pela média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição, sem aplicação do fator previdenciário, e a renda mensal inicial equivalia a 100% do salário de benefício encontrado.
4.2 – Aposentadoria por incapacidade permanente à luz da EC 103/2019
Conforme explanado no tópico anterior, os requisitos para concessão do benefício por incapacidade foram mantidos. A novidade é, além da alteração na nomenclatura, a mudança na forma de cálculo do valor do benefício.
A nova redação do artigo 201 da nossa Constituição Federal dispõe que:
"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada
No texto constitucional os eventos denominados doença e invalidez foram substituídos pela nomenclatura incapacidade temporária e incapacidade permanente, respectivamente.
Todavia, a grande alteração trazida pela EC 103/2019 foi o cálculo do valor do benefício, visto que este seguirá a sistemática de cálculo das aposentadorias voluntárias, ou seja, não haverá mais a possibilidade de descartar os 20% menores salários de contribuição, sendo utilizado 100% dos mesmos e ainda sobre o valor de salário de benefício encontrado haverá a incidência de apenas 60% sobre essa média, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição para os homens, e 15 anos de contribuição para as mulheres.
Entretanto, importantíssimo destacar que no caso de aposentadoria decorrente de acidente de trabalho, de doença profissional ou de doença do trabalho, o cálculo será diferente: haverá a soma de todos os salários de contribuição a partir de 07/1994, aplicando-se 100% da média, independente do número de contribuições vertidos ao sistema.
É notório portanto que a EC 103/2019 trouxe uma diferenciação entre os benefícios por incapacidade permanente acidentário e o de incapacidade permanente comum, o que do ponto de vista lógico não hã razão de existir visto que o risco social por eles protegidos é o mesmo: a incapacidade de manter sua subsistência, pouco importando a origem do evento causador da incapacidade laboral do obreiro.
Sobre o tema referente a mudança na forma de cálculo, que obviamente causará aviltamento no benefício por incapacidade permanente, o professor André Luiz Moro Bittencourt traz a seguinte reflexão:
“Como enxergar um benefício que serve como cobertura de risco e que é perseguido quando o Segurado está incapacitado de exercer sua atividade e, por consequência sustentar sua família, e ainda tem um aumento de sua despesa em decorrência das contingências de sua doença incapacitante?”
Como forma de demonstrar a gritante e triste mudança trazida ao benefício em voga, observe as seguintes exemplificações:
Tício, após 25 anos de contribuição ficou incapacitado para o exercício de toda e qualquer atividade laborativa. A média de todos os seus salários de contribuição devidamente corrigidos é de R$ 4.000,00. Qual será o valor do seu benefício por incapacidade permanente? Resposta: Tício terá direito a 70% do valor de sua média, logo o valor do seu benefício será de R$ 2.800,00. Caso tivesse ficado inválido no dia anterior a publicação da reforma previdenciária, certamente faria jus a um benefício de valor bem superior pois haveria o descarte dos 20% menores salários de contribuição e sobre o salário de benefício encontrado incidiria 100% da média e não apenas 70%.
5 – Aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos – exigência de idade mínima e outras alterações
A aposentadoria especial visa atender o segurado cuja atividade laborativa o sujeite à exposição permanente, não intermitente e nem ocasional a agentes nocivos ou agressivos à saúde durante 15, 20 ou 25 anos de contribuição. Para a legislação previdenciária os agentes nocivos são classificados em: físicos, químicos ou biológicos, sendo vedado o enquadramento por categoria profissional ou trabalho.
No regime anterior o salário de benefício era calculado com base na média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição e sobre este aplicava-se coeficiente de 100% da média para assim chegar ao valor da RMI ( renda mensal inicial)
A reforma previdenciária trouxe significativas mudanças no benefício em voga, e principalmente consequências maléficas a saúde do trabalhador que advirão do fato de mantê-lo por mais tempo exposto a agentes nocivos, isto porque a EC 103/2019 prevê exigência mínima de idade para aposentadoria especial, quais sejam:
a) 55 anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 de anos de contribuição;
b) 58 anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 20 anos de contribuição;
c) 60 anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 25 anos de contribuição;
Desta forma nota-se que os requisitos são cumulativos, ou seja, deve-se ter o tempo de 15,20 ou 25 anos efetivamente expostos aos agentes nocivos e ainda a idade mínima de 55,58 ou 60 anos, respectivamente, para poder gozar do benefício.
Nesta drástica mudança é notório o retrocesso social visto que contraria a finalidade do benefício que é permitir ao segurado aposentar-se antecipadamente em razão da sua sujeição a agentes nocivos por certo período de tempo, visando preservar o que sobrou de sua saúde, evitando o padecimento do obreiro pelo acometimento de doenças profissionais ou do trabalho.
Ademais, a forma de cálculo do benefício também sofreu mudanças que causarão seu aviltamento, visto que, assim como nas aposentadorias voluntárias, a especial será calculada levando em conta todos os salários de contribuição desde julho de 1994, incidindo sobre o salário de benefício encontrado 60% da referida média, com acréscimo de 2% para cada ano que exceder 15 anos de contribuição tanto para mulheres quanto para homens que tenham direito a especial com 15 anos de exposição, e 2% para cada ano que exceder 20 anos de contribuição para homens que se aposentarem pela especial de 20 ou 25 anos.
Outrossim, sobre a questão da vedação por enquadramento de categoria profissional ou trabalho, cumpre destacar que no regime anterior já havia essa proibição desde o advento da lei 9.032/95, tendo agora apenas sido constitucionalizada através da EC 103/2019. Ao se levar a questão ao judiciário, houve em alguns casos entendimento jurisprudencial que consideram determinadas atividades de risco como aptas a gerar a concessão da aposentadoria especial, como por exemplo a exposição a ruído ou a questão dos vigilantes, sob o argumento de se tratar de periculosidade.
A EC 103/2019 não obteve êxito em vedar expressamente a concessão da aposentadoria especial nos casos de enquadramento por periculosidade, mas trouxe no bojo do artigo 201, I da CF, a exigência de efetiva exposição ao agente nocivo, e tal exigência se mostra incompatível com a periculosidade visto que esta decorre de um risco em potencial, ao contrário do que ocorre com a insalubridade em que existe uma deterioração contínua da saúde do trabalhador.
A regra de transição aplicável ao segurado que tenha se filiado ao RGPS até a data da entrada em vigor da EC 103/2019, segue o ditame do artigo 21 da mesma que dispõe que o segurado que faça jus a aposentadoria especial poderá aposentar-se quando o total da soma resultante de sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de:
I – 66 pontos e 15 anos de efetiva exposição;
II – 76 pontos e 20 anos de efetiva exposição;
III – 86 pontos e 25 anos de efetiva exposição;
O parágrafo primeiro do artigo 21 dispõe que a partir de 01º de janeiro de 2020 as pontuações serão acrescidas de um ponto a cada ano para o homem e mulher, até atingir, respectivamente, 81,91 e 96 pontos, para ambos os sexos.
Imagine um segurado que possui 40 anos de idade e 18 anos de contribuição e que exerce atividade que daria direito a aposentadoria especial após 20 anos de contribuição. Nesta situação, este segurado, pela regra de transição, somente se aposentará com 56 anos de idade ( idade 56 + 20 de tempo de contribuição caso pare de trabalha ao atingir esse lapso temporal = 76 pontos exigidos pela reforma) ou com 49 anos de idade ( idade de 49 + 27 anos de contribuição = 76 / nesta hipótese o obreiro optou por continuar trabalhando). De todo modo observa-se que, pela sistemática do regime anterior, em que não havia exigência de idade mínima, este mesmo trabalhador poderia se aposentar aos 42 anos de idade.
6 – Impactos da reforma previdenciária
O governo federal apresentou como justificativa para a reforma previdenciária o chamado “déficit previdenciário” onde a despesa com os benefícios pagos são maiores que a receita advinda das contribuições dos segurados e empresas, visto que nosso sistema é regido pelo princípio da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial.
Visando minimizar tal déficit foram criados requisitos mais rígidos para concessão das aposentadorias, bem como formas de cálculo que reduzem o valor do benefício, conforme visto alhures. Outrossim, houve alterações nas alíquotas de contribuições dos segurados empregados, empregado doméstico e trabalhador avulso em razão da sua faixa salarial.
6.1 – Vedação ao retrocesso social e princípio da proteção a confiança
O direito a previdência social constitui mecanismo de garantia de uma existência digna a fim de garantir o mínimo existencial após o segurado se ver acometido por um dos riscos sociais que esta protege. Inserida no rol dos direitos sociais, sendo assim um direito de segunda geração, a previdência social está ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, o qual se apresenta como um conjunto de prestações materiais que assegurem ao indivíduo uma vida com dignidade, exercida com padrões qualitativos mínimos de qualidade que garantam o mínimo existencial (princípio da reserva do possível aplicada ao Estado x sociedade).
É evidente que as alterações oriundas da emenda constitucional traduzem uma proteção ineficiente visto que a própria sobrevivência do segurado aposentado encontra-se em risco frente a desvalorização de seus rendimentos o que faz com que seja um desafio garantir um substrato mínimo para uma vida digna.
A ideia central da vedação ao retrocesso social é fazer com que o Estado haja visando melhorar o bem estar social e combata qualquer medida que busque suprimir ou extinguir direitos que foram historicamente conquistados.
O professor Fernando Rubbin em uma de suas obras ensina que “uma vez efetivados os direitos fundamentais sociais, impõe ao Estado a proibição de frustrar esses direitos com uma ulterior supressão ou restrição deste, sem fundadas razões ou apresentar medidas alternativas para a satisfação do direito alcançado, ou na adoção de medidas que não atinjam os fins estabelecidos na Constituição da República”
O Brasil apresenta uma situação fática em que muitos se quer possuem condições de contribuir; outros em que o trabalhador, a contrário senso do que indica a expectativa de vida apresentada pelo IBGE, não consegue se quer atingir os 60 anos de idade, e quando atingem encontram-se acometidos de enfermidades e com a saúde debilitada. Ademais, a previdência social é em boa parte dos lares brasileiros o principal recurso financeiro de que dispõe o núcleo familiar, se mostrando um instrumento de combate a miserabilidade no país.
É notório que o segurado ao filiar-se ao sistema aspira um dia alcançar sua aposentadoria, a qual devido as mudanças se mostram como um “sonho distante”, em razão das rígidas regras advindas da EC 103/2019, que aumentou tanto a faixa etária quanto a carência do benefício em alguns casos. Mesmo considerando o aumento da longevidade da população, tais requisitos violam o princípio da razoabilidade e proporcionalidade de tal forma que pode inviabilizar o acesso a aposentadoria e, quando o tiverem, o benefício terá um valor alvitante.
Nesse sentido entra o princípio da vedação ao retrocesso social que atua como apoio e proteção aos direitos fundamentais individuais e sociais em um Estado Democrático de Direito, direitos estes que estão sendo suprimidos e limitados com a “Nova Reforma Previdenciária” conforme demonstrado nos tópicos anteriores onde foi analisado os requisitos novos e as regras de transição.
Não bastasse o grande retrocesso social trazido pela reforma, esta também fere o princípio a proteção a confiança e segurança jurídica, principalmente no que tange a fórmula de cálculo, visto que esta, na prática reduz o valor do benefício do segurado que verteu contribuições ao sistema programando-se para se aposentar e organizando sua vida de acordo com o ordenamento vigente, e de repente se vê num cenário em que terá seu benefício reduzido de forma abrupta, não tendo qualquer segurança mínima que deve ser garantida pelo Estado.
Na legislação que vigorava anteriormente à Emenda Constitucional 103/2019, o cálculo do valor do benefício era apurado levando-se em conta os 80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994, descartando os 20% menores. Na legislação pós reforma o cálculo é feito com base na média dos 100% salários de contribuição, não mais sendo permitido o descarte dos vinte por cento menores. Tal descarte favorecia a aposentadoria, pois haveria elevação da média salarial.
Imagine quem estava próximo a se aposentar: a legislação criou regra de transição no que tange aos requisitos conforme já estudado, todavia nada dispôs sobre os cálculos dos segurados que se encontravam á beira da aposentadoria, incidindo sobre estes a nova regra. A perda salarial obviamente não será irrisória. Tal situação fática demonstra a grande afronta ao princípio da proteção a confiança que deve reger as relações seja estas quais forem.
O Estado, visto que cabe a este garantir a pacificação social, deveria assegurar a mínima estabilização das regras, o que significa dizer que este não está proibido de propor mudanças no ordenamento jurídico pátrio, mas que, em nome da segurança jurídica e proteção a confiança, ao proceder com adequações e mudanças nas normas, proteja aqueles que, confiando na estabilidade das mesmas, não tenham seu direito prejudicado em razão das reformas ( JORDÃO, p.140, 2020)
A EC 103/2019 não trouxe regra de transição para o cálculo do valor do benefício, limitando-se a aduzir que seja aplicado aos novos benefícios a forma de cálculo prevista na regra transitória no artigo 26 da referida emenda, a qual é injusta e nada razoável. A Emenda Constitucional pecou neste aspecto, assim como em tantos outros, onde deveria, no mínimo, apresentar opções ao segurado que estivesse próximo a se aposentar, como: escolher a aplicação da regra transitória ou a forma de cálculo prevista na legislação anterior a reforma, pois assim haveria respeito a confiança que o indivíduo deposita no Estado.
Sobre o princípio da proteção a confiança a professora Ana Izabel Jordão, expõe seu pensamento aduzindo que: “[…] no mínimo, em situações de transição, a EC 103/2019 deveria adotar regras mais brandas para o cálculo do valor mensal dos benefícios para os segurados já filiados ao sistema de previdência social na data da publicação da Emenda”
CONCLUSÃO
O presente artigo buscou demonstrar as alterações advindas com a Emenda Constitucional 103/2019 e seus impactos no sistema previdenciário vigente em nosso país, bem como enumerar e explicar as regras de transição trazidas pela reforma e ainda fazer um paralelo de todos estes aspectos com o princípio da vedação ao retrocesso social e princípio da proteção á confiança e segurança jurídica.
Em suma, o direito à previdência social deve ser observado sob um prisma duplo: direito fundamental individual e direito fundamental social, bem como ser analisado tendo ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana, visto que os benefícios previdenciários possuem caráter alimentar, devendo ser concedido - atendido os requisitos legais - aos segurados que se encontram em idade avançada, não possuem mais condições laborativas ou ainda quando já cumpriu as contribuições que lhe asseguram tal direito.
A reforma previdenciária ao impor idade mínima para concessão de aposentadoria voluntária violou completamente nossa constituição federal, visto que o artigo 60, § 4º, inciso IV dispõe que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”.
Outrossim, demonstrou-se como a nova forma de cálculo dos benefícios é desvantajosa ao segurado, fazendo com que o benefício que lhe garantirá o sustento ao mínimo existencial se apresente com valor alvitante, posto que, para receber a média salarial em sua integralidade o segurado homem, por exemplo, deve permanecer contribuindo por 40 anos.
Foi possível observar que o aumento da expectativa de sobrevida, que deveria ser algo benéfico, foi tratado como punição, ao passo que, em razão disso o legislador entendeu que o segurado deverá permanecer por mais tempo laborando e contribuindo ao sistema.
Diante disso, constata-se que na elaboração da EC 103/2019 foi objetivado somente o corte de gastos sociais, tendo em vista que analisando todas as mudanças é notório o total retardo ao alcance a aposentadoria, e quando finalmente o segurado conseguir almejá-la irá se depará com um benefício de valor ínfimo em razão da mudança de cálculo que fará com que o benefício tenha uma baixa renda mensal inicial.
É certo que em razão da mutabilidade dos riscos sociais sempre haverá a necessidade de reformas na legislação previdenciária, todavia a mesma deve ser realizada não objetivando o quanto o país irá economizar e sim se tais alterações garantirão uma previdência justa e igualitária, pois só assim esta estará cumprindo seu papel social e constitucional.