Passando por um estreito corredor em uma loja popular você esbarra numa prateleira. Uma mercadoria cai e quebra. No mesmo momento você se antecipa: “Desculpe, foi sem querer”. Então vem a pergunta: É seu dever ressarcir a loja? Antes de responder cabe outra pergunta: E se o consumidor sofresse um dano provocado pela loja de maneira involuntária? E se houvesse uma indenização além da capacidade de pagamento da loja?
Em resposta à primeira pergunta, o art. 6º, IV do Código de defesa do Consumidor (CDC) estabelece que são direitos básicos do consumidor a proteção contra métodos comerciais desleais e coercitivos.
Assim, ao dispor mercadorias em corredores estreitos e exigir o ressarcimento de produtos danificados em decorrência disso, o lojista dá margem para que seu comportamento seja interpretado como coercitivo e desleal.
Além de proporcionar um ambiente propício para o dano na própria mercadoria, o lojista estaria expondo a segurança física do consumidor a risco. Portanto, não caberia o ressarcimento da loja, por parte do cliente.
Mas e se fosse uma situação oposta?
Digamos que o empreendedor tenha muitas posses e seja dono de um pequeno buffet. Ao organizar uma festa de casamento, 120 pessoas são contaminadas, (algumas internadas em estado grave). Embora aparentemente, nunca se constatara dolo na condução do empreendimento, a empresa é condenada em um milhão de reais por danos causados aos convidados e aos noivos.
Todavia, o próprio negócio não vale o montante a ser indenizado. Então surge a questão: Deve a indenização ser estabelecida na medida do patrimônio da firma ou o juiz pode determinar a desconsideração da personalidade jurídica[1] para que as vítimas sejam totalmente indenizadas?
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica sempre foi muito vinculado à fraude ou à confusão patrimonial. Em ambos os casos, o empreendedor transfere bens de seu negócio para seu próprio nome, impedindo que este patrimônio seja alcançado por credores.
Não que o sócio não possa usufruir do patrimônio de sua companhia. Além de uma retirada mensal, o sócio pode fazer uma distribuição de lucros, desde que a instituição tenha obtido lucro no exercício.
Entretanto, na prática, não é o que se vê. O pequeno empreendedor, na maioria das vezes, nem apura os resultados do empreendimento, devido à confusão patrimonial. O pagamento das contas da empresa e do sócio acabam saindo do mesmo bolso. De tal sorte que se torna impossível identificar onde começa o patrimônio pessoal e onde termina o patrimônio da sociedade.
De outra forma há os casos em que se distribuem lucros fictícios, ou vendas simuladas de patrimônio, defraudando a empresa.
Nesses casos, o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica. Ou seja, preterir o patrimônio da instituição em favor dos bens pessoais dos sócios a fim de saldar as dívidas da empresa.
Diante desse quadro, o que pouca gente sabe é que nas relações consumeristas, a desconsideração da personalidade jurídica pode ter outros motivos que não a fraude e a confusão patrimonial.
O art. 28 do CDC ainda prevê as hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência, além do encerramento ou inatividade por má administração.
Posto isso, voltando à questão inicial que deu ensejo ao artigo, em caso de má administração, se a firma não tiver recursos suficientes para saldar suas dívidas, seria possível ao juiz solicitar a desconsideração da personalidade jurídica, desde que houvesse patrimônio pessoal do sócio suficiente para saldar a dívida.
Em outras palavras, desculpas tendem a “convencer” menos o consumidor do que o empresário, que nem mesmo pode usar a própria incompetência como pretexto na hora de ressarcir o consumidor. Por isso, abrir um negócio exige, além de tudo, profissionalismo.