A autopoiese e a expansão da consciência humana


28/06/2016 às 16h28
Por Advogada Camilla Rabelo

RESUMO

Maturana, filósofo e criador de suas próprias teorias, postula que o indivíduo só é autônomo quando se livra das correntes impostas pelos discursos e pensamentos alheios. Somente o indivíduo livre consegue alcançar uma estrutura autopoiética, pois para ser construtor de sua própria vida, o sujeito não deve ser escravo de nada e ninguém. A autopoiese e a expansão da consciência humana vêm nos trazer um pouco do que é consciência, autopoiese, filosofia, filologia, dominação de consciência e formatação do indivíduo pela sociedade através do pensamento, mostrando que há vários mundos dentro de um só mundo; pois cada ser humano é um mundo em potencial.

PALAVRAS-CHAVE: Consciência. Autopoiese. Expansão. Filosofia.

INTRODUÇÃO

O trabalho descrito como A autopoiese e a expansão da consciência humana, é um artigo onde se procura explicar e discutir as visões do filósofo Maturana sobre o caminho necessário para que o ser humano atinja sua autonomia. O trabalho é de extrema relevância, pois mostra que o mundo que estamos acostumados a viver pode não ser a única alternativa de vivência, ajudando muitas pessoas a transcenderem e adquirirem visões amplas acerca de diversas situações cotidianas.

O trabalho inicia-se fazendo uma breve explicação sobre o que vem a ser consciência, além de deixar claro a dificuldade em defini-la e limitá-la. Diz também que cada um enxerga o mundo conforme sua estrutura, portanto, a consciência deriva de tudo aquilo que o sujeito encara como certo de acordo com seus sentidos. Maturana também nos traz seus pensamentos sobre a autopoiese, dizendo que o sujeito autopoiético é aquele capaz de construir sua própria existência e de pensar por si mesmo, sem se prender aos discursos alheios.

Em outra avaliação, o filósofo nos permite, através das suas citações, inferir que a sociedade acaba por formatar as nossas ações e pensamentos, levando-nos à alienação e ao desinteresse em evoluir. Numa análise mais profunda, fizemos uma discussão acerca de como a dominação da nossa consciência pode ser objeto de dominação.

Escravizar o que uma pessoa pensa é um meio de atingir fins para aqueles que conseguem fazer com que os outros acreditem em suas verdades sem questionar. Finalizando, fez-se uma diferença entre filosofia e filologia, definindo assim os indivíduos autônomos e heterônomos, sintrópicos e entrópicos. O trabalho foi concluído afirmando-se que só é possível alcançar novos níveis de consciência a partir do momento que cada indivíduo desperta de sua situação caótica e se põe a exercer a autopoiese.

1 CONSCIÊNCIA

A consciência é um estado da mente humana, o qual abrange vários outros elementos, sendo ainda capaz de perceber a relação entre o eu e o ambiente em que se está inserido. Mas falar em consciência é muito complicado quando tomamos por base a subjetividade de cada um. O ser humano foi acostumado a acreditar e tomar como verdade absoluta somente aquilo que ele consegue captar pelos sentidos primários, rejeitando assim, qualquer outra situação que vá além daquilo que seus sentidos conseguem alcançar. Maturana (2001) comenta:

Tendemos a viver num mundo de certezas, de solidez perceptiva não contestada, em que nossas convicções provam que as coisas são somente como as vemos e não existe alternativa para aquilo que nos parece certo. Essa é nossa situação cotidiana, nossa condição cultural, nosso modo habitual de ser humanos (MATURANA, 2001, p.22).

Depreende-se assim, que cada indivíduo vive o mundo conforme a sua estrutura. Os ruídos externos atingem diferentemente cada sujeito, que captará o ruído e o absorverá dando sua própria resultante. Sobre isso, Maturana (2001) afirma: Não vemos o “espaço” do mundo, vivemos nosso campo visual; não vemos as “cores” do mundo, vivemos nosso espaço cromático. Sem dúvida nenhuma – e como de alguma forma descobriremos ao longo destas páginas – estamos num mundo (MATURANA, 2001, p.28).

Entende-se, então, que a consciência não pode ser definida em um só conceito geral, muito menos encarada como algo finito e limitado. A consciência é subjetiva e não pode ser medida ou pesada. Porém, há de se falar que a consciência tem a capacidade de expandir, e como muito bem disse Einstein, uma mente que expande, nunca regride a um estado anterior.

2 AUTOPOIESE

Autopoiese (do grego auto "próprio", poiesis "criação"), é um termo criado por Maturana e Varela. Segundo a visão dos dois filósofos, seria a capacidade autônoma de cada indivíduo de criar sua própria existência, seu próprio pensamento, sua própria expansão. Como muito bem explica Maturana (2001):

A característica mais peculiar de um sistema autopoiético é que ele se levanta por seus próprios cordões, e se constitui como diferente do meio por sua própria dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis (MATURANA, 2001, p.55).

Da citação de Maturana, compreende-se que a autopoiese só pode ser alcançada por aquele que toma conhecimento de sua capacidade de autonomia, que desperta para uma nova visão, onde a consciência pode se alterar e alcançar níveis superiores. É inútil falar em expansão de consciência e de autopoiese para aquele que acredita estar sempre certo quanto às suas convicções e pensamentos. É o que se pode comprovar conforme o que diz Maturana (2001):

O conhecimento do conhecimento obriga. Obriga-nos a assumir uma atitude de permanente vigília contra a tentação da certeza, a reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada um vê fosse o mundo e não um mundo que construímos juntamente com os outros. Ele nos obriga, porque ao saber que sabemos não podemos negar que sabemos (MATURANA, 2001, p.268).

Assim, o sujeito deve se livrar sempre das certezas pessoais e aprofundar em novos aprendizados, pois só assim sairá de um ponto estático e avançará em direções infinitas, tendo a certeza que se assim fizer, nunca mais contentará com a estagnação e com as verdades impostas pelo mundo superficial em que se vive. Os sentidos por vezes são falhos, e quando se aprende a enxergar o mundo somente por eles, tende-se a ter uma visão limitada e previsível do mundo exterior. O conhecimento é infinito, e a capacidade de alcançá-lo é individual e não pode ser imposta, depende de cada um buscá-lo e não contentar somente com as primeiras impressões.

3 A SOCIEDADE E A FORMATAÇÃO DO INDIVÍDUO

Um dos obstáculos em se alcançar a autopoiese e por fim a expansão de consciência é o fato de muitos se encontrarem sob processo de formatação e robotização da sociedade. A cultura impõe algemas, pois é formada através da moral. A moral vem de fora e impede o ser de refletir sobre aquilo que faz, encarando tudo que vive como algo normal. Maturana (2001) diz:

A bagagem de regularidades próprias do acoplamento de um grupo social é sua tradição biológica e sua cultura. A tradição é ao mesmo tempo uma maneira de ver e de agir, e também uma forma de ocultar. Toda tradição se baseia naquilo que uma historia estrutural acumulou como óbvio, como regular, como estável, e a reflexão que permite ver além do óbvio só funciona com aquilo que perturba essa regularidade (MATURANA, 2001, p.265).

É por causa da cultura e do que a sociedade impõe como certo, que o ser humano aceita passivamente o que veste, o que come, o que faz, o que escuta, sem ao menos refletir sobre suas atitudes. Esse processo impõe fronteiras para atingir outros níveis de consciência. Ainda sobre isso, Maturana (2001) traz:

De outra parte, constituir a dinâmica recursiva do acoplamento estrutural social, que produz a reflexividade que conduz ao ato de ver sob uma perspectiva mais ampla. Trata-se do ato de sair do que até esse momento esta invisível ou inamovível, o que permite ver que como seres humanos só temos o mundo que criamos com os outros (MATURANA, 2001, p.268).

Deduz-se que para atingir a autopoiese e alcançar a expansão de consciência, o indivíduo deve se livrar das correntes imaginárias, livrar-se das sombras e adquirir continuamente novas visões acerca do mundo que o cerca. Aquele que se nega a ver além do óbvio, continuará sempre acorrentado e distante da liberdade de pensamento e criação.

4 A DOMINAÇÃO DA CONSCIÊNCIA COMO FORMA DE PODER

A dominação de consciência não existe por acaso. A pessoa que é submissa ao pensamento e à consciência alheia muitas vezes não tem conhecimento que é peça de um jogo de poder, onde ela é manipulada e levada a acreditar em tudo que o Estado, seus representantes ou qualquer outra pessoa diz. Todo ruído que incide em alguém e não é conduzido a uma reflexão, gera alienação e afasta todo o processo da autopoiese e consequentemente a expansão de consciência. Quando alguém recebe um ruído e faz uma reflexão, ele cria sua própria opinião, aproximando-se assim do que é ser um sujeito autônomo. Pode-se citar assim o que Maturana (2001) diz: [...] tudo o que é dito é dito por alguém. Toda reflexão faz surgir um mundo. Assim, a reflexão é um fazer humano, realizado por alguém em particular num determinado lugar (MATURANA, 2001, p.32).

Portanto, a reflexão é ferramenta fundamental na construção de um indivíduo senhor de si mesmo, dono de sua própria construção, autônomo. Ainda sobre a reflexão, Maturana (2001) vem acrescentar: Toda reflexão, inclusive a que se faz sobre os fundamentos do conhecer humano, ocorre necessariamente na linguagem, que é nossa maneira particular de ser humanos e estar no fazer humano (MATURANA, 2001, p.32).

Desse modo, fica demonstrado que a dominação da consciência alheia é uma forma de dominação, principalmente Estatal, visto que com a democracia, os representantes do sistema precisam arrumar meios para escravizar o pensamento dos cidadãos. Dessa alienação política surgem diversos outros males que afligem a sociedade em geral. Uma pessoa que se deixa levar pelas supostas verdades impostas não traz prejuízos somente a si mesma, pois muitas vezes essa alienação atinge níveis maiores. Assim, a expansão de consciência também vem nos garantir a possibilidade de mudarmos o que não nos agrada através da simples ação de pensar.

5 A FILOSOFIA E A FILOLOGIA

Para alcançar a autonomia e a autopoiese é necessário que cada indivíduo seja fiel aos seus pensamentos e à sua ideologia. Não há como ser autônomo se um indivíduo pensa de uma forma, mas age de acordo com seu oposto. Uma estrutura que pratica a autopoiese sabe que para alcançar uma consciência diferente da que vive, deve-se ter coerência entre sua filosofia e sua filologia, porque ao contrário, tudo perderia seu sentido de ser. Isso fica bem evidente quando Maturana (2001) expressa que o ser e o fazer de uma unidade autopoiética são inseparáveis, e isso constitui seu modo específico de organização. Portanto, a filosofia nada mais é do que o modo de vida que cada indivíduo se propõe a viver, a maneira pela qual ele enxerga a existência e tudo que a cerca. A filologia é o modo pelo qual esse mesmo indivíduo coloca em prática a sua filosofia.

Filosofia e filologia estão intimamente ligadas, como disse Maturana, são inseparáveis. O ser e o fazer não podem ser contrários, pois isso afasta totalmente a autopoiese. Sobre o conhecer, o ser e o fazer, Maturana (2001) ainda traz:

O que podemos tentar – e que o leitor deve tomar como uma tarefa pessoal – é perceber tudo o que implica essa coincidência contínua de nosso ser, nosso fazer e nosso conhecer, deixando de lado nossa atitude cotidiana de pó sobre nossa experiência um sele de inquestionabilidade, como se ela refletisse um mundo absoluto (MATURANA, 2001, p.31).

Então, não dá para separar aquilo que o indivíduo pensa daquilo que ele faz. Quando um indivíduo percebe e assimila uma nova visão ou uma nova consciência, ele deve colocá-la em prática, pois só assim estará sendo coerente e autônomo. Aquele que diz que pensa mas não age continua na alienação e preso ao que foi acostumado a viver, sem questionar.

CONCLUSÃO

No nosso cotidiano, observamos que é grande a quantidade de pessoas que se deixam levar pelos pensamentos alheios sem fazer um mínimo de reflexão acerca da situação. Recebemos ruídos a qualquer momento, a vida é uma eterna troca de ruídos e resultados. O que traz o diferencial é a estrutura daquele que recebe o que vem de fora, ou seja, é o que cada um traz dentro de si que vai ditar as regras sobre o que fazer com o que absorvemos todos os dias. As influências recebidas são inúmeras, que vem desde à criação familiar até o que se ouve na mídia. O que comemos é influência cultural. O que vestimos é influência da propaganda. O que ouvimos é influência das rádios de sucesso e assim por diante.

Existem aqueles que recebem todas essas influências e tomam como suas, sem questionar, sem analisar, sem refletir. Essas pessoas são as que tendem a levar uma vida heterônima e entrópica, onde não há a autonomia sobre os próprios atos e pensamentos. Pessoas heterônomas também não têm consciência que estão sendo manipuladas, por isso, despertar para uma nova visão de mundo, não depende de outrem, mas de cada um. Aquele que recebe um ruído e antes de tomá-lo como única opção, analisa-o e sabe tirar dele aquilo que lhe interessa, está no caminho da autonomia. Consequentemente, essa pessoa tem uma estrutura sintrópica, o que faz dela um alguém condizente com os princípios da autopoiese.

É comum presenciarmos aqueles que dizem ter uma filosofia, mas não agem conforme a mesma. Hipócritas e entrópicas, essas pessoas não sabem que continuam sendo os mesmos robôs programados pelo sistema em que estão inseridos. É regra básica da expansão de consciência agir conforme com o que acredita, mas sem estagnar num mesmo ponto de vista, pois a expansão é uma constante quebra e reconstrução de novos paradigmas. Expandir a consciência talvez seja uma tarefa muito árdua para aqueles que já se acomodaram a uma visão de mundo precisa e inquestionável.

A mente humana tem um potencial enorme de crescimento, mas ela não pode aumentar sozinha, é necessário que haja primeiramente interesse do agente, é preciso que o indivíduo que está dormindo, desperte para a possibilidade de alcançar novos horizontes. Quem é irredutível nas suas “verdades”, quem acredita não ter nada mais a aprender, quem possui a convicção que a vida e o mundo são somente aquilo que os olhos humanos podem enxergar, nunca poderá experimentar o que é estar do outro lado da situação. Como bem disse Nietchze em uma de suas passagens, aqueles que dançam, são sempre considerados insanos por aqueles que não podem escutar a música. Ou, ainda, aqueles que alçam voo tornam-se ainda menores aos olhos daqueles que não possuem a capacidade de voar.

Expandir a consciência é como inflar um balão, gradativo. A única diferença é que a mente não tem limites para aumentar. A cada descoberta, a cada novo conhecimento, ela nos faz afundar cada vez mais dentro de nós mesmos, tomando consciência da nossa pequenez perante o infindável mundo que nos cerca. A expansão de consciência mata o ego, pois o ego é superficial, é aquilo que o externo criou em nós. Para expandir, utilizamos o que realmente somos, nossa psique. Vimos que só podemos expandir quando temos coerência de ideias e atitudes; quando nos despregamos da cultura e da moral, quando não aceitamos como verdades absolutas aquilo que nos dizem e, principalmente, quando acordamos e tomamos consciência de que somos capazes de construir a nossa própria existência e trilhar nosso próprio caminho.

ABSTRACT

AUTOPOIESIS AND EXPANSION OF HUMAN CONSCIOUSNESS

Maturana, philosopher and creator of his own theories, postulates that the individual is autonomous only when free from the chains imposed by the speeches and thoughts of others. Only the free individual can achieve an autopoietic structure, because to be a builder of your own life, the subject should not be a slave to anything or anyone. Autopoiesis and expansion of human consciousness from the perspective of Maturana came to bring us a little of what consciousness is, autopoiesis, philosophy, philology, domination of consciousness and formatting of the individual by society through thought, showing that there are many worlds within one just world, for every human being is a world of potential.

KEYWORDS: Consciousness. Autopoiesis. Expansion. Philosophy.

  • Consciência
  • autopoiese
  • Expansão de consciencia
  • Filosofia

Referências

MATURANA, Humberto R. A árvore do conhecimento as bases biológicas da compreensão humana. Tradução: Humberto Mariotti e Lia Diskin. São Paulo Palas Athena, 2001.


Advogada Camilla Rabelo

Bacharel em Direito - João Pessoa, PB


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