Entende-se por período de treinamento aquele momento destinado para o empregador testar as aptidões e capacidades do seu funcionário durante um certo período de tempo. É muitas vezes confundido com o contrato de experiência, previsto no Art. 455, parágrafo único, da CLT.
Por não ser disciplinada na nossa legislação trabalhista, o tema em questão torna-se um tanto controvertido nas cortes brasileiras. A primeira corrente entende que para saber se existe ou não o vínculo de emprego, é preciso se atentar à existência de prestação de serviços durante o período de treinamento, bem como à presença dos requisitos do vínculo (subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade). Em outras palavras, se durante o período de seleção do candidato ficar comprovado que não houve a efetiva prestação de serviços, o vínculo de emprego não é configurado. Atente-se ao julgado abaixo:
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. CONTRATO DE TRABALHO. INÍCIO DE VIGÊNCIA. PERÍODO DE SELEÇÃO. Depoimento do autor a inviabilizar sua pretensão ao reconhecimento de vínculo de emprego no período em que participou do processo de seleção para recrutamento de futuros funcionários, processo este dotado de etapas de treinamento e eliminatórias, sendo a aprovação em tais fases de seleção uma exigência para a contratação do candidato e sua admissão nos quadros da empresa. Ausência de elementos que possam levar à conclusão de que estivessem presentes os pressupostos de relação de emprego. Recurso não provido. (TRT 4ª R. RO 00036-2004-002-04-00-6, 8ª T, Rel. Juiz Carlos Alberto Robinson, Julg. 17.11.2005; DOERS 02.12.2005)
Frise-se que quando o candidato já foi aprovado no processo seletivo e é convocado pela empresa para participar de treinamento destinado a capacitá-lo para exercer as funções contratadas, antes da formalização do registro, não há dúvida de que o período correspondente ao treinamento deve ser considerado como tempo à disposição do empregador e como tal integrar o contrato de trabalho para todos os fins.
VÍNCULO DE EMPREGO. DATA DO INÍCIO DO CONTRATO. PERÍODO DE TREINAMENTO. O período destinado à realização de treinamento e provas de capacitação que antecedeu a assinatura da CTPS deve integrar o período contratual, porquanto não há como confundir processo seletivo com preparação e adaptação do indivíduo com vistas á realização da atividade-fim do empreendimento econômico, que se compreendem no âmbito do contrato de experiência. Apelo negado. (TRT 4ª R; RO 00175-2006-012-04-00-9; 6ª Turma; Relª Juíza Rosane Serafini Casa Nova; Julg. 28.05.2008, DOERS 09.06.2008)
VÍNCULO DE EMPREGO. PERÍODO DE TREINAMENTO. A seleção de candidatos não se confunde com o treinamento de empregados. A seleção tem por objeto escolher o candidato à vaga de emprego, ao passo que o treinamento tem por objeto capacitar o empregado que já foi contratado. O período em que o empregado esta em treinamento, portanto, deve ser anotado na CTPS como de efetivo vínculo de emprego. (TRT 4ª R; RO 01285-2006-005-04-00-0; Sexta Turma; Relª Desª Maria Cristina Schaan Ferreira; Julg. 26/11/2008; DOERS 05/12/2008)
TREINAMENTO EM ALOJAMENTO DA EMPRESA - VINCULO DE EMPREGO - O período destinado ao treinamento em alojamento da empresa antes de anotada a CTPS integra o contrato de trabalho do empregado, haja vista a evidente disponibilidade e sujeição do obreiro aos desígnios do empregador. (TRT 3ª Reg. 8ª T Rel. Denise Alves Horta, RO 00496-2006-033-03-00-0, DJMG 18/11/2006)
ANOTAÇÃO DA CTPS. PERÍODO DE TREINAMENTO ANTERIOR AO REGISTRO. Por se tratar de período à disposição do empregador, à luz do disposto no artigo 4º da CLT, o lapso temporal em que o trabalhador se adestra no ambiente da empresa, em treinamento diário com vistas a capacitar-se para as suas funções deve ser considerado como de efetivo exercício para todos os efeitos, caracterizado assim, o vínculo empregatício convolado antes mesmo da formalização do registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social, cuja data de admissão, por conseguinte, deve ser retificada. Recurso da ré a que se nega provimento. TRT 2ª Reg. RO 009977200340102006, (Ac. 4ª T. 20060833755), Rel. Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros. DJSP 27.10.06, p.85.
Já a segunda corrente entende que o período de treinamento é uma ramificação do conceito de contrato de experiência, devendo ser configurado o vínculo de emprego desde o primeiro momento, integrando, desta forma, o período do contrato de trabalho.
Segundo a disciplina da CLT, o vínculo de emprego se inicia a partir da prestação de serviços subordinada. O contrato de trabalho pode ser tácito, mas sua caracterização depende de estar o trabalhador inserido na atividade econômica da empresa, e submetido ao seu poder diretivo (arts. 2º, 3º e 443 da CLT).
A legislação do trabalho não regulamenta a realização de processo seletivo pelo empregador, com vistas à contratação de novos empregados (período de treinamento). Partindo da premissa intuitiva de que selecionar difere de contratar, não há possibilidade de estender a abrangência das normas trabalhsitas, de modo a abarcar a fase seletiva prévia ao contrato de trabalho. Assim, como no direito privado impera a milenar regra de que se pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, em princípio inexiste restrição à duração de processos seletivos.
Contudo, todo direito sujeita-se a limites, cujo extravasamento elimina a legitimidade de seu exercício. Com efeito, na sistemática do Código Civil em vigor, o ato ilícito configura-se não apenas no dano causado em violação a um direito, mas igualmente no exercício abusivo de direito. O abuso de direito caracteriza-se, na expressão do art. 187 daquele diploma legal, quando o seu titular “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
É compreensível que, para alguns empregadores, seja necessária certa dilação no recrutamento de trabalhadores. Isto pode ocorrer, por exemplo, quando a aptidão do candidato ao emprego somente possa ser aquilatada com segurança por meio de entrevistas ou exames teóricos e práticos que demandem maior tempo para sua realização e análise. É também possível que, em casos mais raros, o futuro empregador seja obrigado a prover ou complementar a própria formação educacional do candidato, em qualquer dos níveis fundamental, médio ou superior, quando as instituições de ensino locais não sejam capazes de gerar diplomados em número e qualificação suficientes a atender às necessidades do mercado.
No entanto, para que o processo seletivo permaneça como evento distinto e incomunicável ao contrato de trabalho, faz-se necessário que seu objeto se limite à avaliação das aptidões ou do perfil do candidato, e nada mais. Não se pode consentir que o empregador se valha do processo seletivo para antecipar tarefas e orientações próprias do contrato de trabalho, de modo a usufruir gratuitamente da mão-de-obra dos candidatos, em proveito do empreendimento.
Semelhantemente, havendo necessidade de, no processo de seleção, ministrar formação educacional suplementar, o respectivo conteúdo cognitivo deve ter como única finalidade suprir o candidato da formação básica ou acadêmica que o sistema escolar falhou em propiciar, para que em seguida se possa medir o aprendizado do trabalhador, e conseqüentemente sua capacitação para o exercício funcional.
Não é dado à empresa, sob o rótulo de procedimento seletivo, submeter os candidatos à assimilação de normas, organogramas, políticas e valores específicos da instituição, sem outra finalidade senão enquadrar o trabalhador na filosofia empresarial da contratante, antes mesmo de sua admissão. Em tal hipótese, há desvirtuamento da seleção em exercício irregular do poder diretivo, ao anteciparem-se instruções e orientações cuja comunicação deveria ocorrer naturalmente no decorrer da prestação de serviços.
Cumpre, pois, distinguir entre formação e treinamento. Nenhuma ilicitude há em que o empregador incorpore ao processo de seleção alguma atividade de formação, assim entendida a suplementação de conhecimentos preponderantemente teóricos, de útil aplicação no mercado de trabalho, ou em que exija, como condição para a contratação, a demonstração de certo nível de proficiência nesses mesmos conhecimentos. Em contrapartida, somente sob o manto da relação de emprego torna-se possível a ministração de treinamento, compreendido este como a transmissão de procedimentos, normas de conduta, estrutura organizacional, valores culturais e quaisquer outros conhecimentos práticos de obrigatória aplicação ou observância no ambiente de trabalho. O teor normativo de tais conhecimentos os qualifica como típicas manifestações do poder diretivo patronal.
Portanto, a inclusão de treinamento em processo seletivo, à margem do contrato de trabalho, constitui sempre prática abusiva.
Conclui-se que para o direito do trabalho, há nítida diferenciação entre os postulados do processo de seleção, em relação àquele que visa ao treinamento dos trabalhadores para a prática da atividade empresarial. No ordenamento jurídico pátrio, o período de treinamento, assim entendido aquele que antecede a assunção efetiva das atividades, integra o contrato de trabalho para todos os efeitos. Consoante disposições do art. 4º, da CLT, o tempo em que o empregado esteja à disposição do empregador aguardando ordem ou efetivamente trabalhando, é considerado tempo de trabalho, "salvo disposição especial expressamente consignada".
Caio Batista Holanda – OAB/CE 34.356
Advogado Sócio da Azevedo, Holanda & Sangali Advogados Associados