A MAIORIDADE PENAL COMO CLÁUSULA PÉTREA: UMA ANÁLISE
SÓCIOJURÍDICA
RESUMO
Atualmente, a sociedade se encontra apavorada com o aumento constante da
violência e criminalidade em nosso país. Sempre que um crime bárbaro é praticado
com excesso de crueldade e foi cometido por um menor de 18 (dezoito) anos, vem
em voga através da mídia, da política e entre renomados juristas do Direito Penal
brasileiro o assunto da redução da Maioridade Penal como forma de reprimir a
violência e a criminalidade causada pelos adolescentes. No entanto, antes de
discutirmos se a redução da responsabilização penal diminuiria a delinqüência juvenil,
devemos fazer uma análise jurídica sobre o assunto. Este trabalho terá o condão de
estudar a constitucionalidade da maioridade penal e sua interpretação como cláusula
pétrea, abordando questões sociais e jurídicas sobre o tema, posto que, atualmente
existem inúmeras propostas no Congresso Nacional, visando à redução da
maioridade penal. Partindo da análise em um primeiro momento, se tal redução da
maioridade penal, presente no artigo 228 da Constituição Federal encontra amparo
constitucional e se o mesmo é um direito e garantia individual da nossa Carta Magna.
Por conseguinte, será feito um estudo histórico cronológico da evolução do limite
etária da responsabilização penal no ordenamento jurídico brasileiro ao longo do
tempo, enumerando, por fim, os principais argumentos dos defensores da redução e
daqueles que são contrários a tal medida visando concluir se redução será capaz de
reduzir a delinqüência juvenil ou se seria apenas “uma válvula de escape” para
solucionar o problema da violência no Brasil.
ABSTRACT
Currently, the company is terrified by the rising violence and crime in our country.
Whenever a barbaric crime is committed with excessive cruelty and was committed by
a child under eighteen (18) years, has been in vogue through the media, politics and
renowned jurists of the Brazilian Penal Law matter reduction as a way of Criminal
Majority to quell the violence and crime caused by teenagers. However, before we
discuss the reduction of criminal liability would decrease juvenile delinquency, we do a
legal analysis on the subject. This work has the power to consider the constitutionality
of criminal responsibility and its interpretation as entrenchment clause, addressing
social and legal questions about the topic, even though currently there are numerous
proposals in Congress aimed at reducing criminal responsibility. Based on the analysis
in the first instance, whether such reduction of legal age, present in Article 228 of the
Constitution finds constitutional protection and whether it is an individual right and
guarantee our Constitution. Therefore, if the same reduction can reduce juvenile
delinquency or if it would just "a safety valve" to solve the problem of violence in Brazil.
Finally, list the major arguments of the advocates of the reduction and those who are
opposed to such a measure in a social and philosophical approach.
KEY WORKS: Criminal Majority. Petrea clause. Constitutionality.
1 INTRODUÇÃO
Hoje no Brasil, é cada vez mais intensa a participação de menores de
idade na prática de crimes que afrontam a lei, principalmente quando esses crimes
apresentam excesso de crueldade. Quando tal fato ocorre, o assunto gera muita
polêmica na televisão, no rádio, nas redes sociais e nos mais diversos meios de
informação, sempre envolvendo várias discussões nos meios jurídicos e nas
diversas camadas da sociedade.
Argumentos sensacionalistas dos mais diversos como: menor que
comete crime deve ser julgado como adulto ou bandido é bandido,
independente da idade são as falácias mais comuns quando esses tipos de crimes
ocorrem. Devido a tal controvérsia, sempre vem à tona a medida emergencial da
redução da maioridade do Código Penal Brasileiro como a forma mais eficaz,
mágica e instantânea para solucionar o problema da violência no Brasil.
A questão reside em saber, em um primeiro momento, se tal redução da
maioridade penal, presente no artigo 228 da Constituição Federal encontra amparo
constitucional ou se a mesma seria um direito e garantida individual da nossa Carta
Magna. Pois, uma vez que considerada direito e garantia individual, entraria no rol
das chamadas cláusulas pétreas, consideradas núcleo irreformável da constituição,
não sendo possível a sua modificação.
Vale frisar, que o Legislador Constituinte Originário trouxe em seu Artigo
5° §2° um rol não taxativo dos direitos fundamentais, estabelecendo inclusive uma
cláusula de abertura material de direitos fundamentais, em que é perfeitamente
possível que existam outros direitos fundamentais espalhados na constituição.
Será abordado também nesse estudo, o processo de alteração
constitucional, apresentando as limitações constitucionais que o Poder Constituinte
Originário pretendeu preservar, impedindo que o Poder Derivado Reformador faça
qualquer alteração. Referida limitação, encontra-se elencada no art. 60 §4° e
definida pela doutrina como as chamadas cláusulas pétreas, que tem como principal
característica ser o núcleo imutável, intangível, essencial do nosso ordenamento
jurídico.
Ademais, percebe-se que o tema desse trabalho na atualidade ganha
grande repercussão, pois não é pacífico o entendimento de que a inimputabilidade
penal que é encontrada nos artigos 228 da Constituição Federal, 27 do Código
Penal Brasileiro e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é cláusula
pétrea.
Além do mais, será feita uma abordagem história sobre as mudanças que
foram feitas quanto ao limite etário de responsabilização penal ao longo dos anos,
adentrando inclusive no questionamento referente aos argumentos contrários e
favoráveis a redução da responsabilidade penal em nosso ordenamento jurídico
pátrio, esquecendo um pouco a questão constitucional do assunto e dando um
enfoque especial em seu caráter social, o que nos fará concluir naturalmente se a
redução da maioridade penal será capaz de reduzir a delinqüência juvenil ou se
seria apenas uma válvula de escape para solucionar o problema da violência no
Brasil.
Assim, percebemos que o debate doutrinário sobre a redução da
maioridade penal continuará sendo assunto polêmico por envolver questões sociais,
culturais, psicológicas e principalmente Constitucionais, estando longe de um
posicionamento único.
No entanto, a sociedade cada vez mais “clama” por uma decisão, porém
tal decisão deverá ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que a
temática abordada nesse trabalho é a campeã em números de projetos de emendas
constitucionais que visão sua reforma.
Portanto, diante da diversidade de conseqüências sociais e jurídicas
relativas à redução da maioridade penal, o presente trabalho se mostra relevante,
tanto jurídico como socialmente.
2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Atualmente, no intuito de propiciar maior proteção e efetividade aos
direitos individuais e coletivos, se torna evidente a crescente positivação dos direitos
e garantias fundamentais nos textos constitucionais, inspirados sempre na dignidade
da pessoa humana.
Destarte, É necessário no presente estudo tecermos em linhas gerais
sobre os direitos e garantias fundamentais, dada a sua importância e a necessidade
de sua aplicabilidade imediata em nosso Ordenamento Jurídico.
2.1 Gerações dos Direitos Fundamentais
Desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituições, os direitos
fundamentais passaram por diversas transformações, tanto no que diz respeito ao
seu conteúdo, quanto no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetivação.
Costuma-se, nesse contexto marcado pela autêntica mutação histórica
experimentado pelos direitos fundamentais, falar da existência de três gerações de
direitos, havendo, inclusive, quem defenda a existência de uma quarta geração.
Todavia, é bom lembrar, desde já, que o fato de surgir uma geração de
direitos fundamentais não implica na extinção dos direitos trazidos pelas gerações
anteriores. Na verdade, com o surgimento de uma nova geração o que se verifica é
o acréscimo de novos direitos, que surgem servindo até mesmo de base para
aplicação dos direitos da geração anterior.
Os direitos de primeira geração, que são os que mais interessam para o
presente trabalho, se caracterizam pela imposição de defesa contra as possíveis
ingerências e abusos do Estado. São os direitos civis e políticos, denominadas de
liberdades individuais, que tem como foco principal a liberdade do homem
individualmente considerado, sem que haja qualquer preocupação com as questões
sociais como, por exemplo, as desigualdades entre os povos.
Os melhores exemplos de Direitos Fundamentais de Primeira Geração
são o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à
participação política e religiosa, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião,
entre outros. Todavia, esse rol não é taxativo, existindo ainda inúmeros exemplos de
Direitos Fundamentais de Primeira Geração.
Logo, os Direitos Fundamentais de Primeira Geração estão diretamente
ligados a idéia de autonomia, ou seja, a liberdade do homem em decidir sobre o seu
próprio destino, vida e consciência, vedando ao Estado impor proibições naquilo que
concerne à pessoalidade de cada um, tanto no âmbito físico, quanto moral.
Os direitos Fundamentais de Segunda Geração são entendidos como os
direitos de grupos sociais menos favorecidos e que impõem ao Estado uma
obrigação de fazer, de prestar direitos positivos como saúde, educação, moradia,
segurança pública.
Baseiam-se na idéia de que não adianta possuir liberdade sem as
condições mínimas para exercê-la. Trata-se, portanto, de atuação comissiva
garantidora da realização da justiça social e da igualdade e liberdade do indivíduo.
Já os Direitos Fundamentais de Terceira Geração são os chamados
direitos transindividuais, isto é, direitos que são de várias pessoas, mas não
pertencem a ninguém isoladamente. Surgiu com a percepção de que, na sociedade
de massa, a determinados direitos que pertencem a grupo de pessoas, grupo esses,
às vezes, absolutamente indeterminado.
Os melhores exemplos de Direito de Terceira Geração são direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, direito à paz, ao desenvolvimento, dentre
outros.
Sobre os direitos Fundamentais de Quarta Geração não há consenso na
doutrina sobre qual conteúdo de tais direitos. O principalmente defensor da
existência de tal geração, o ilustre doutrinador Paulo Bonavides, sustenta que os
Direitos Fundamentais de Quarta Geração são o resultado da globalização dos
direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional. Para
constitucionalista cearense, está quarta dimensão é composta pelos direitos à
democracia (no caso a democracia direta) e à informação, assim como pelo direito
ao pluralismo (BONAVIDES Apud SARLET, 2005, p.59).
Diante disso, verificamos de forma evidente que a imputabilidade penal
definida pelo legislador constituinte originário como sendo a partir dos 18 anos,
configura-se como um direito fundamental de 1ª Geração.
O legislador estabeleceu uma garantia a todos os indivíduos que se
encontrem abaixo desse limite etário, de modo que os jovens jamais terão sua
liberdade tolhida pelo estado, garantindo ainda que os mesmo se submetam ao que
está estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente.
2.2 Cláusula de abertura material dos Direitos Fundamentais
A constituição federal estabelece em seu artigo 5°, de forma expressa, os
direitos e garantias individuais. Porém, esses mesmos direitos não são taxativos,
existindo outros direitos fundamentais além dos previstos no artigo 5º da Carta
Magna, devido ao que é disposto no §2° do artigo supracitado. Senão vejamos:
Art.5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 2°. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
(BRASIL, 1988)
Por meio do §2° do Artigo 5º a constituição da república foi estabelecida a
chamada cláusula de abertura material dos direitos fundamentais, o que significa
dizer que não só os direitos elencados em seu título II têm caráter de direitos
fundamentais, mas também aqueles implícitos e os decorrentes de tratados
internacionais.
Referida cláusula vem mostrar que o rol dos direitos fundamentais não se
resume somente aos direitos assim considerados na Constituição, mas também
aqueles com relevância constitucional, embora não elencados em seu texto
positivado.
Então, a citada norma traduz o entendimento de que, para além do
conceito formal de constituição (e de direitos fundamentais), há um conceito
material, no sentido de existirem direitos que, por seu conteúdo, por sua substância,
pertencem ao corpo fundamental da constituição de um Estado, mesmo não
constante no catálogo dos direitos fundamentais (SARLET, 2005, p.91)
José Afonso da Silva reforça esse entendimento quando classifica os
direitos individuais em três grupos:
(1) direitos individuais expressos, aqueles explicitamente enunciados nos
incisos do art. 5º; (2) direitos individuais implícitos aqueles que são
subentendidos nas regras de garantias, como o direito à identidade pessoal,
certos desdobramentos do direito à vida, o direito a atuação geral (art. 5º,
II); (3) direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais
subscritos pelo Brasil, aqueles que não são nem explícita nem
implicitamente enumerados, mas provêm ou podem vir a provir do regime
adotado, como o direito de resistência, entre outros de difícil caracterização
a priori (SILVA, 2005, p.194).
Sendo assim, o doutrinador corrobora no sentido de que é perfeitamente
possível a localização de outros dispositivos que tratam de direitos fundamentais ao
longo de todo o texto constitucional.
Ademais, do dispositivo do § 2° do Artigo 5° da Constituição Federal
podemos extrair dois claros entendimentos, primeiramente é a de que a própria
Carta Magna estabelece que em todo o seu texto é perfeitamente possível existir
direitos e garantias individuas, não sendo taxativo o rol do artigo 5°.
A segunda compreensão do artigo supracitado mostra que mesmo
estando detectados fora do rol do artigo 5°, os direitos e garantias atinentes aos
princípios da própria constituição e de tratados internacionais pactuados pelo Brasil
integram essa seleta lista de direitos fundamentais do nosso ordenamento jurídico.
Logo, mesmo que a inimputabilidade penal não esteja elencada dentro
dos direitos especificados no artigo 5º da Constituição Federal, o parágrafo 2° deste
artigo não restringe e muito menos propõe que os direitos fundamentais sejam
exclusivamente os que estão elencados no artigo, dando entendimento de que há
direitos fundamentais fora deste.
É imperioso destacar, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que
existem direitos fundamentais fora do rol do artigo 5° da Carta Magna, é o que
podemos extrair do livro dos autores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, vejamos:
O Supremo Tribunal Federal decidiu que não, entendendo que a garantia
insculpida no art. 60, §4°, IV, da CF alcança um conjunto mais amplo de
direitos e garantias constitucionais de caráter individual dispersos no texto
da Carta Magna. Nesse sentido, considerou a Corte que é garantia
individual do contribuinte, protegida com o manto da cláusula pétrea,
e, portanto, inafastável por meio de reforma, o disposto no art. 150, III,
b, da Constituição (Princípio da Anterioridade Tributária), entendendo
que, ao pretender subtrair de sua esfera protetiva o extinto IPMF
(Imposto provisório sobre movimentações financeiras), estaria a
Emenda Constitucional n.º 3/1993 deparando-se com um obstáculo
intransponível, contido no art. 60, §4º, IV da Constituição da República
(ALEXANDRINO; PAULO, 2010, p. 600, grifo nosso).
No mesmo sentido, os autores seguem:
Em outra oportunidade, ao declarar a inconstitucionalidade do art.2º da
Emenda Constitucional 52, de 08.03.2006, no tocante à determinação de
aplicação da regra introduzida por essa emenda (fim da verticalização nas
coligações partidárias), às eleições de 2006, deixou assente o Tribunal que
o princípio da anterioridade eleitoral (Art. 16) constitui cláusula pétrea,
por representar uma garantia individual do cidadão-eleitor, detentor
originário do poder exercido pelos representantes eleitos e a quem
assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de
segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras
inerentes à disputa eleitoral. (ALEXANDRINO; PAULO, 2010, p. 601, grifo
nosso).
Destarte, demonstrada, de forma vigorosa, a existêcia de direitos e
garantias individuais espalhados pelo texto da Carta Política de 1988, através da
cláusula de abertura material dos direitos fundamentais, tratar-se-á logo adiante na
análise de que a imputabilidade penal consiste sim em uma garantia e direito
individual, não podendo jamais ser modificada.
2.3 O artigo 288 da CF sob a ótica de um Direito Fundamental
A legislação brasileira definiu a idade da responsabilidade penal em
nossa Carta Magna no artigo 228, no Código Penal Brasileiro no Artigo 27 e no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 104, caput, definindo
como indivíduos penalmente inimputáveis, os menores de 18 anos, sujeitando-os ao
estabelecido em legislação especial.
Nesse sentido, percebemos que o legislador constitucional optou por dar
especial proteção aqueles indivíduos que, pela sua idade e transformação dele
decorrentes, não são capazes inteiramente de perceber a ilicitude de seus atos.
O referido artigo nada mais é do que a garantia da não responsabilização-
criminal da pessoa menor de 18 anos, justamente em razão da sua condição
pessoal de estar em desenvolvimento físico, mental, espiritual, emocional e social,
sendo que, nada mais justo, que esta garantia se aplique aos adolescentes.
Todavia não se devem entender tais proteções dadas aos adolescentes
como um incentivo à violência. Que fique bem claro que o limite fixado pela
maioridade penal não deve de maneira alguma ser confundido com
desresponsabilização da juventude dos jovens menores de 18 anos. A
Inimputabilidade não é sinônimo de Impunidade. O que o mencionado artigo tenta
deixar claro, é que de maneira alguma a liberdade do menor será retirada da mesma
maneira que é feito em relação aos maiores de 18 anos.
Vale ressaltar, que por uma questão de técnica legislativa, o artigo 228 da
imputabilidade penal foi inserido no capítulo da Família na Constituição Federal. Isso
se justifica, primeiramente, pela adoção da doutrina proteção integral. A referida
doutrina é fruto da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que foi
introduzido para garantir a todas as crianças e adolescentes o tratamento com
atenção, proteção e cuidados especiais.
Outro Ponto que merece destaque é que quando da colocação em um
capítulo fora do rol do Artigo 5° da Carta Magna, quis o legislador separar os direitos
e garantias das crianças e adolescentes, visando uma maior implementação e
defesa de tais grupos. Ora, é óbvio que o legislador constituinte originário até
mesmo por uma questão de coerência jurídico-constitucional não iria deixar ao
desabrigo do Artigo 60 §4º, IV, os direitos e garantias individuas das crianças e dos
adolescentes, pois foi justamente o contrário que o desejou fazer e o fez.
Corroborando com argumentação acima, por qual motivo o legislador
colocaria no Artigo 227 da Constituição Federal, que a criança e o adolescente têm
assegurado direito à vida e a liberdade, se no caput do art. 5°, tais direitos já estão
assegurados a todos sem distinção? A resposta coerente é a de que o Legislador ao
colocar os Direitos da Criança e do Adolescente separadamente dos Direitos
Fundamentais, não quis em momento algum diminuir tais direitos e garantias, muito
pelo contrária a intenção foi pô-los em evidência.
Não há como negar, que quando da elaboração da Lei Maior, o Poder
Constituinte Originário, quis evitar qualquer chance de que Estado pudesse por
ventura punir criminalmente os menores de 18 anos, deixando de forma definitiva e
expressa a idade limite para imputabilidade penal.
Ora, o legislador, através do Poder Constituinte Originário, poderia muito
bem ter apenas deixado para que a Legislação Especial definisse a idade em que o
adolescente seria penalmente imputável, porém não o fez, justificadamente, por que
acredita que esse seria o intervalo de tempo necessário para que as crianças e
adolescentes pudessem se desenvolver de maneira completa, saudável e digna,
jogando a responsabilidade para cima do Estado que deve priorizar e assegurar os
mínimos direitos necessários ao seu desenvolvimento, como se pode ver no Artigo
227, in verbis, da Constituição Federal:
Art. 227. É dever da família, sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida à saúde, à
alimentação, à educação, ao laser, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (ECA, 1990).
Outro ponto relevante para defesa de que o Artigo 228 foi criado pelo
legislador constituinte para que seja Imutável é que o próprio artigo 5° em seu inciso
XLVII da Carta Maior estabelece:
Art. 5°-
XLVII – Não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo
C) de trabalhos forçados;
D) de banimento;
E) cruéis.(BRASIL, 1988)
O legislador estabeleceu que nesses casos específicos
supramencionados, as penas ali constantes seriam direitos fundamentais individuais
desses sujeitos e, fazendo uma analogia in bonam partem com o Art. 228, fica
incontestável que os menores de 18 anos não receberão de forma alguma pena,
uma vez que são definidos como penalmente inimputáveis.
Se a Constituição Federal garante a não aplicação de penas de morte, de
caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, alegando ser uma
garantia do cidadão, é perfeitamente idêntico, análogo e inegável o entendimento de
que a imputabilidade é uma garantia individual do menor de 18 anos, é então
insofismável afirmar que tais garantias são cláusulas pétreas.
É válido registrar, que no ano de 1996, o advogado Rolf Koener, na época
integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, obteve
aprovação unânime de um parecer contrário à proposta de Emenda à Constituição
301/196 de autoria do Deputado Jair Bolsonaro e outros. Tal Emenda objetivava que
se alterasse a redação do Artigo 228 da Constituição Federal, no intuito de diminuir
a imputabilidade penal para 16 anos.
Dado a importância do parecer e das teses jurídicas utilizadas, segue
pontos importantes argumentados:
(Também) a inadmissibilidade da emenda: a norma do art. 60, § 4º, IV, da
Constituição Federal.
[...]
Apesar de a norma do art. 228, da Carta Magna, encontrar-se no Capítulo
VII (Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso), do Título VIII (Da
Ordem Social), não há como negar-lhe, em contraposição às de seu art. 5º
(Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, do Título, II, dos
Direitos e Garantias Fundamentais), a natureza análoga aos direitos,
liberdades e garantias. Escreveu J.J. Gomes Canotilho que "os direitos de
natureza análoga são os direitos que, embora não referidos no catálogo dos
direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico
constitucional idêntico aos destes. Então, nesse aspecto, na regra do art.
228, da Constituição Federal, há embutida uma 'garantia pessoal de
natureza análoga’, dispersa ao longo do referido diploma ou não
contida no rol específico das garantias ou dos meios processuais
adequados para a defesa dos direitos (KOENER, 1996, grifo nosso)
A questão, todavia, deve ser analisada em seu aspecto mais complexo,
qual seja, a possibilidade de alteração constitucional que possibilite a redução da
idade geradora da imputabilidade penal. Seria possível uma Emenda Constitucional,
nos termos do artigo 60 da Constituição Federal, para alteração do artigo 228? É o
que veremos nos próximos capítulos.
3 ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL
No processo de Alteração Constitucional brasileiro o legislador não possui
liberdade para realizar a sua reforma de maneira ilimitada. Assim, acaba chocando-
se com um conjunto de limitações que tem por finalidade conservar a identidade da
constituição, preservar a sua supremacia na ordem jurídica e evitar que o Poder
Reformador elabore uma nova constituição.
3.1 Os limites à reforma da constituição
Embora as constituições dos países sejam feitas para durar muito tempo,
a evolução da sociedade no decorrer dos anos pode reclamar alguns ajustes e até
mesmo modificações no texto constitucional, satisfazendo a vontade tanto do poder
constituinte originário como da sociedade em geral.
Porém, a nossa Carta Magna é considerada rígida, ou seja, exige um
processo legislativo mais árduo, mais solene e mais dificultoso para sua alteração, o
qual é feito por meio da Emenda Constitucional.
As limitações ao Poder de Reforma são aquelas elencadas no art. 60 da
Constituição Federal de 1988, sendo classificadas como sendo de ordem formal ou
procedimental (inciso I, II, III, §§ 2.°, 3.° e 5.°), circunstanciais (§1.°) e as matérias
(§4.°).
Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo definem as limitações formais da
seguinte maneira:
As limitações formais ou procedimentais dizem respeito aos procedimentos
especiais estabelecidos pelo legislador constituinte originário para o início e
o trâmite do procedimento de emenda da constituição, distinto do processo
de elaboração das leis (ALEXANDRINO, M.; PAULO, V.; 2010; p. 586).
Dando continuidade, dessa forma o Constitucionalista Pedro Lenza
explica as limitações circunstanciais:
As limitações circunstanciais são aquelas em que o constituinte originário
vedou a alteração do texto original, em virtude da gravidade e anormalidade
institucionais, impedindo qualquer mudança nos casos de intervenção
federal, estado de defesa e estado de sítio (LENZA, 2014, p. 658).
Antes de adentrarmos nas limitações matérias do Poder de Reforma, é
válido destacar que a doutrina reconhece ainda as limitações temporais, porém elas
não foram recepcionadas na constituição federal de 1988, conforme podemos extrair
tal entendimento da obra de Marcelo Novelino:
A limitação temporal consiste na proibição de reforma de determinados
dispositivos durante certo período de tempo após a promulgação da
constituição. Seu objetivo é estabelecer um lapso temporal a fim de que os
novos institutos possam estabilizar-se. Na constituição de 1988 não foi
imposta limitação temporal ao Poder Derivado Reformador (NOVELINO,
2012, p. 60)
Os maiores questionamentos, contudo, apresentam-se em relação às
limitações materiais, que formam o núcleo intangível da Constituição. São assim
denominadas, pois excluem determinadas matérias ou conteúdos da possibilidade
de abolição, buscando assegurar a integridade da constituição.
As limitações matérias são tradicionalmente divididas em dois grupos:
limitações implícitas e limitações explícitas (expressas). O Ilustre escritor e jurista
brasileiro Paulo Bonavides assim definem as limitações explícitas:
Limitações explícitas ou expressas são aquelas que, formalmente postas na
Constituição, lhe conferem estabilidade ou tolhem a quebra de princípios
básicos, cuja permanência ou preservação se busca assegurar, retirando-os
do alcance do poder constituinte derivado. (BONAVIDES, 2008, p. 198)
Já o doutrinador Pedro Lenza assim define as limitações implícitas da
seguinte forma:
Limitações implícitas são as que dizem respeito à forma de criação de
norma constitucional bem como as que impedem a pura e simples
supressão dos dispositivos atinentes à intocabilidade dos temas já
elencados no art.60, §4°, da Constituição Federal (TEMER Apud LENZA,
2014, p. 661).
Vale ressaltar, que o objetivo desse capítulo é justamente elencar e dar
evidência as matérias escolhidas pelo Legislador Constituinte Originário que de
acordo com seu entendimento não devem ser passíveis de alteração por parte do
Poder Constituinte Derivado, ou seja, dar especial destaque as limitações
constitucionais explícitas, uma vez que a doutrina entende que as limitações
implícitas seriam, por exemplo, a impossibilidade de se alterar a titularidade do
Poder Constituinte Originário, do Poder Constituinte Derivado e Próprio
Procedimento de Modificação da Constituição.
O Poder Constituinte Originário possui natureza política e manifesta-se
apenas em momentos de mudança histórica de um Estado. Em contrapartida, O
Poder Reformador tem natureza eminentemente jurídica e deve atuar somente nos
períodos de regularidade constitucional, não se esquecendo de preservar aquilo que
o Poder Constituinte Originário firmou como imutável.
Ademais, o Poder Constituinte de Reforma é um poder instituído pelo
poder constituinte originário para modificar a Carta Magna no intuito de adaptá-la as
constantes transformações ocorridas na sociedade, adequando-se as exigências
socias passíveis de modificação, podendo essas reformas consistir em acréscimo,
modificação ou supressão de partes do texto da constituição. Além disso, O Poder
Constituinte Derivado Reformador cria um mecanismo de renovação, de acordo com
os anseios sociais, da Constituição (BORNIN, 2009).
Logo, é de clareza solar a conclusão de que não cabe ao Poder
Constituinte Derivado Reformador, através das Emendas Constitucionais, a
possibilidade de se alterar as normas constitucionais que o Poder Constituinte
Originário determinou como de caráter imutável, sendo vedada a modificação dos
artigos que possuem natureza de cláusula pétrea.
A imputabilidade penal aos 18 anos, conforme foi estudado acima
constitui uma limitação material expressa ou explícita da constituição federal, uma
vez que os menores gozam, conforme art. 228 da Carta Magna, de um direito e
garantia fundamental.
3.2 Cláusulas Pétreas na CF de 1988
A Constituição Federal é o sustentáculo de todas as regulamentações
normativas do Estado, trazendo em seu texto fundamentos jurídicos e axiológicos,
através dos quais se constrói o ordenamento pátrio.
No entanto, como toda norma jurídica, deve constantemente ser
adaptada, seja por meio da interpretação ou por meio da mudança e adequação às
necessidades impostas pelo decorrer do tempo e transformação da sociedade.
Porém, toda norma jurídica deve sempre buscar um mínimo de estabilidade e
segurança jurídica.
Com a finalidade de dar efetividade a tal segurança e estabilidade é que o
núcleo jurídico-político essencial da Constituição de 1988 é resguardado de qualquer
possibilidade de reforma. Então, é perfeitamente possível o Congresso Nacional
aperfeiçoar a nossa constituição por meio das emendas constitucionais, pois o
mesmo é legítimo detentor do Poder de Reforma Constitucional, todavia não pode
modificar o núcleo essencial estabelecido pela nossa Carta Magna (SAENZ, 2009).
A constituição excluiu da possibilidade de reforma alguns pontos, criando
uma proibição ao poder de reforma, determinando assim um núcleo imutável por ser
ele a essência garantidora dos direitos intrínsecos aos seres humanos.
A Carta Magna de 1988 consagrou, dessa maneira, um núcleo intocável
que não pode modificado ou limitado, o qual juridicamente se denominou de
Cláusulas Pétreas.
Mendes, Coelho e Branco (2010, p.295), destacam que:
O significado ultimo das clausulas pétreas esta em prevenir um processo de
erosão da Constituição. A cláusula pétrea não existe tão-só para remediar
situação de destruição da Carta, mas tem a missão de inibir a mera
tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução e
de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro.
A origem da expressão, por si só, já esclarece seu objetivo: “derivado do
latim cláusula, de claudere (fechar, cerrar, cercar), bem assinala o significado próprio
que se espera na linguagem jurídica. Já o adjetivo Pétrea, vem do latim petreu, que
significa “de pedra”, petroso, com aparência ou resistência de pedra (SAENZ, 2009).
A Cláusula Pétrea é aquela imodificável, irreformável, insuscetível de
mudança formal ou substancial, elas interpretam-se como um esforço do constituinte
para assegura a integridade da constituição, evitando que eventuais reformas
provoquem a sua dizimação, de modo que impliquem ainda profundas mudanças e o
enfraquecimento das normas em nosso ordenamento jurídico.
Historicamente, A constituição brasileira de 1988 estendeu
significativamente o campo coberto pelas cláusulas pétreas em relação ao direito
pregresso, que apenas dispensava do alcance do Poder Reformador a abolição da
Federação e da República.
No passado, a Carta de 1824 não continha nenhuma limitação material
expressa. A constituição de 1891 (Artigo 90, §4º) continha a proibição de abolição da
República, da Federação e da igual representação dos Estados e do Senado
Federal. Já a constituição de 1934 (Artigo 178 §5°) previa como limitações materiais
expressas a República e a Federação. A constituição de 1937 repetiu a de 1824,
não apresentando nenhuma limitação material expressa. A constituição de 1946
(Artigo 217, §6°) novamente protegeu a República e a Federação, o que veio a ser
mantido pela constituição de 1967-1969. Constata-se assim, que a nossa
constituição contém o numerário mais extenso de limites materiais expressos na
evolução histórica constitucional. (PEDRA, 2006)
As limitações materiais consideradas pela doutrina como explícitas, que
são aquelas consideradas proibidas de qualquer possibilidade de reforma, estão
estabelecidos no Artigo 60, §4º do texto constitucional brasileiro. O aludido
dispositivo estabelece “não será objetivo de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir a forma federativa do estado; o voto direto, secreto, universal e
periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais” (BRASIL,
1988).
Sobre os Direitos e Garantias Individuais como cláusula pétrea
acrescenta-se novamente o posicionamento de Mendes, Coelho e Branco (2010,
p.300) que afirma:
No tocante aos direitos e garantias individuais, mudanças que minimizem a
sua proteção, ainda que topicamente, não são admissíveis. Não poderia o
constituinte derivado, por exemplo, contra garantia expressa no rol das
liberdades públicas, permitir que, para determinada conduta (e.g., assédio
sexual), fosse possível retroagir a norma incriminante. Esses direitos e
garantias individuais protegidos são os enumerados no Artigo 5° da
Constituição e em outros dispositivos da Carta.
A enumeração das cláusulas pétreas indica com clareza as matérias
insuscetíveis de alteração, de modo que enquanto vigorar a atual constituição, não
há viabilidade de se modificar o sistema integrado por esses quatro princípios
previstos no artigo 60 §4°, nos seus mais diversos desdobramentos, nem qualquer
deles apartadamente.
O que se percebe é que quando a norma contida no artigo 60 § 4º, da
Constituição da República adota a expressão tendente a abolir, já proíbe
inequivocamente que sejam sequer apreciadas e votadas pelo Congresso Nacional,
não somente as propostas de emendas que tenham por finalidade extinguir qualquer
dos princípios identificados como cláusula pétrea, mas também aqueles que visão a
atingi-los de forma semelhante, também ferindo o seu conteúdo fundamental.
Da Leitura do livro dos autores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo,
extraímos o seguinte pensamento sobre o termo tendente a abolir do Artigo 60 §4°
da Constituição Federal:
Essa expressão funciona, assim, como um divisor de águas, para o fim de
se verificar se determinada emenda desrespeita, ou não, cláusula pétrea.
Apresentada uma proposta de emenda cuidando de uma daquelas
matérias, deve-se perquirir se há, em decorrência de seu texto, uma
tendência à abolição, à supressão, ao enfraquecimento das referidas
matérias. Se houver, padecerá a proposta de insconstitucionalidade; caso
contrário, não existirá afronta a cláusula pétrea. (ALEXANDRINO; PAULO,
2010, p.599)
Cumpre destacar, que a expressão “tendente a abolir” permite propostas
de emendas que visem a ampliar as previsões constantes no §4° do artigo 60 da
Constituição Federal, ou seja, o Poder Reformador não pode restringir nem muito
menos abolir o leque de direitos que se entendam como fundamentais, mas pode
ampliá-los, como exemplo podemos citar o acréscimo de mais um inciso à
enumeração dos direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal, pela
Emenda Constitucional n.° 45/2004 inciso LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988).
3.3 A inimputabilidade penal como Cláusula Pétrea
A questão de maior divergência e conflito na doutrina é chegar a um
consenso quanto a quais seriam os artigos que realmente devem ser considerados
como cláusulas pétreas, pois como já vimos anteriormente, o Poder Constituindo
Originário estabeleceu um rol não limitado, o que permite diversas discussões sobre
a natureza pétrea de determinados artigos.
Diante disso, questiona-se se a inimputabilidade é ou não cláusula pétrea
da Constituição Federal de 1988. E quanto se fala em inimputabilidade penal como
cláusula pétrea, refere-se diretamente ao artigo 228 da nossa Carta da República.
Tal desarranjo entre a doutrina se baseia no que consta no parágrafo 2°
do Artigo 5° da Constituição Federal, que deu margem a concluirmos que os direitos
e garantias individuais estão esparramados por todo o corpo do texto constitucional.
O próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu em julgado que existem
cláusulas pétreas fora do rol do Artigo 5° da Carta Magna, quando foi declarado, por
exemplo, o artigo 150, III, b na ADIN 939-7/DF.
Alexandre de Moraes em sua obra comentou sobre a decisão do STF que
reconheceu a incidência de direitos fundamentais externos ao artigo 5°da seguinte
maneira:
Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (Adin 939-7/DF) ao
considerar cláusula pétrea, e conseqüentemente imodificável, a garantia
constitucional assegurada ao cidadão no art. 150, III, b, da Constituição
Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo que ao visar
subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional nº 3, de
1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, §
4º, IV, da Constituição Federal, pois admitir que a união, no exercício de sua
competência residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse
excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte
expressamente lhe subtraiu ao vedar à deliberação de proposta de emenda
a constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais
constitucionalmente assegurados (MORAES, 2014, p.127).
É Importante destacar que a posição desse trabalho não é uma decisão
isolada, muito pelo contrário, renomados juristas e órgãos jurídicos são inteiramente
favoráveis a inconstituicionalidade da redução da maioridade penal, considerando a
imputabilidade como direito individual daqueles que possuem idade inferior a 18
anos.
Ives Gandra Martins, um dos grandes juristas desse país, em seu artigo
intitulado Cláusulas Pétreas e a Maioridade Penal se posicionaram da seguinte
maneira:
A meu ver, todavia, a questão da responsabilização penal do menor é,
fundamentalmente, uma garantia constitucional. Estabelecem os arts. 60 §
4º inc. IV e 228 da C.F:
[...]
Sendo, pois, a inimputabilidade antes dos 18 anos um direito e uma garantia
individual do menor, não vejo como possa esta disposição da lei suprema
ser modificada, pois cláusula imodificável do texto constitucional.
(MARTINS, 2007)
Outro posicionamento é do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo
que afirmou em Audiência na Comissão de Constituição e Justiça que não é 24
possível reduzir a maioridade penal por projeto de lei e nem mesmo por emenda
constitucional, vejamos:
O artigo 60 da Constituição, parágrafo IV, estabelece as cláusulas pétreas.
Ele elas estão as garantias individuais. Como a inimputabilidade (penal) de
menores de 18 anos é uma garantia individual, esse é um direito intocável
(CARDOZO, 2013).
Ademais, desde 1998, a Ordem dos advogados do Brasil, em virtude da
imensa quantidade de projetos de leis que visão reduzir a responsabilidade penal
mantém posição histórica contrária a redução da maioridade penal:
Diante de tais considerações a CNDH Comissão Nacional de Direitos
Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, se
posiciona nos seguintes termos: A proposta legislativa trazida a lume, que
discute a redução da maioridade penal, se mostra flagrantemente
inconstitucional por macular garantia de direitos fundamentais, considerados
pétreos, e acima de tudo é injusta, superficial e não enfrenta os problemas
de forma satisfatória (OAB, 2004).
Corroborando com tal entendimento a presidente da Comissão da Criança
e do Adolescente da OAB-PR, Maria Christina dos Santos, afirma que a maioridade
penal é cláusula pétrea e não pode ser alterada, a não ser que seja convocada uma
nova Assembléia Constituinte.
Alterar a maioridade penal é abolir os direitos e garantias individuais e não
pode ser objeto de nova proposta. As cláusulas pétreas estão listadas no
artigo 60 da Constituição, que trata das garantias e direitos fundamentais. O
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é suficiente para punir os
adolescentes. A visão está desfocada do problema. O ECA pune os
adolescentes na mesma forma com que pune os adultos – são investigados
pela polícia, processados pelo Ministério Público e julgados. A pena de até
3 anos para um adolescente representa grande parte da sua vida
(SANTOS, 2014).
A defensoria pública, através da comissão de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente, diante de nota técnica de rejeição da Proposta de
Emenda a Constituição n° 33/2012 de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira,
quando a inconstitucionalidade, argumentou:
A inimputabilidade penal para menores de 18 anos é cláusula pétrea
insuscetível de alteração por emenda constitucional. A PEC nº 33/2012
destaca-se pelo teor de inconstitucionalidade que apresenta uma vez que a
inimputabilidade penal para os menores de 18 anos disposta no art. 228 da
Constituição Federal é considerada cláusula pétrea em razão da abertura
material dos direitos fundamentais ante a abertura material prevista no art.
5º do mesmo texto. A cláusula de abertura material alarga o rol dos direitos 25
fundamentais que, seguramente, não se limitam aqueles encartados no
Título II da Carta Magna, decorrendo também próprio regime e princípios
constitucionais expressos ou implícitos, bem como dos tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário. Sob essa análise, o artigo 228
é garantia individual, com caráter de fundamentalidade, diretamente ligada
ao exercício do direito de liberdade de todo indivíduo até seus 18 anos.
Logo, sendo considerada cláusula pétrea, é insuscetível de modificação por
emenda constitucional, conforme art. 60, §4º da CF/88.
A inimputabilidade dos adolescentes é um direito e garantia individual, o
legislador constituinte originário simplesmente optou por impor o limite de 18 anos
para se chegar à maioridade penal, baseado por uma opção política, fatores
criminológicos e de política criminal.
O Poder Constituinte Originário não quis estabelecer o limite de
responsabilização penal tendo em vista a capacidade de discernimento daquele que
comete ato ilícito, o que almejou na verdade foi adotar um critério que visou à
valorização da dignidade humana, bem como a atribuir maior proteção a todas as
pessoas menores de 18 (dezoito) anos.
Além disso, O Brasil ao ratificar a Convenção da ONU se obrigou a tratar
de forma totalmente diferenciada as crianças e adolescentes em relação aos
adultos.
Como se sabe, a garantia dos direitos da infância e da juventude
encontra-se na Constituição Federal de 1988 (Artigo 227), na lei n° 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente), bem como nos tratados internacionais,
ratificados pelo Congresso Nacional, como exemplo podemos destacar a Convenção
das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças.
No seu artigo 1° da Convenção da ONU define que criança como todo
indivíduo com menos de dezoito anos de idade, com exceção dos países que fixam
maioridade penal em idade diferente. Já no seu artigo 41, institui “que nenhum de
seus signatários poderá tornar sua normativa interna mais gravosa em vista do que
dispõe o tratado”.
Desse modo, enquanto o Brasil for signatário da Convenção Internacional
dos Direitos da Criança, respeitando o que manda o art.5° §2° que aduz que os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, mantém-se
inviabilizada qualquer possibilidade de ser alterada a idade da maioridade penal, por
ser direito e garantia e possuir prioridade absoluta. Caso seja aprovada proposta
com essa temática, estará ferindo frontalmente princípios constitucionais e garantias
elementares das crianças e dos adolescentes (BRASIL, 1988, grifo nosso).
Diante do exposto, conclui-se que a redução da maioridade penal no
Brasil é praticamente impossível, pelo menos por meio da atual constituição, uma
vez que referida proposta é inconstitucional, sendo a imputabilidade penal um direito
e garantia individual (cláusula pétrea) imposta pelo Poder Constituinte Originário.
Além disso, essa alteração, conforme demonstrado acima afrontaria
brutalmente a Convenção das Nações Unidas para o Direito das Crianças, da qual o
Brasil é signatário.
4 MAIORIDADE PENAL
O posicionamento desse trabalho quanto à constitucionalidade da
redução da maioridade penal já foi amplamente debatido nos capítulos anteriores,
logo, esqueceremos o lado Constitucional e abordaremos a questão social da
Redução da Maioridade Penal, abordando uma visão história da definição da
redução da maioridade penal e posicionamentos contrários e favoráveis a
diminuição do limite etário de responsabilização penal no atual sistema jurídico
brasileiro.
4.1 Histórico da definição da Maioridade Penal
O Código Penal no Brasil Império foi introduzido em nosso ordenamento
jurídico no ano de 1830, tendo como inicial finalidade regulamentar a partir de qual
idade as condutas contrárias ao direito seriam punidas.
Atualmente, percebemos que uma parcela considerável da população e
até mesmo os renomados juristas lutam há anos pela redução da maioridade penal,
porém, se isso ocorrer, haverá pela primeira vez em nossa história, uma diminuição
da idade mínima de responsabilidade penal. Justifica-se tal fato, em virtude da
relevante importância e incontestável reconhecimento que os direitos e garantias
individuais ganharam no século passado, fazendo com que o limite da maioridade
penal fosse constantemente ampliado.
Inicialmente, antes de adentrarmos no estudo da evolução da maioridade
penal ao longo do tempo, é imprescindível a apresentação dos três critérios
possíveis para a definição da inimputabilidade: O sistema Biológico, Psicológico e
Biopsicológico.
No Sistema Biológico (ou etiológico) o indivíduo que possui algum tipo de
doença mental, desenvolvimento mental retardado ou incompleto será sempre
inimputável, independente de qualquer tipo de exame ou averiguação quanto a essa
anomalia e se está relacionada com o ato ilícito que cometeu.
Já no Sistema Psicológico considera-se apenas a capacidade de
entender o caráter ilícito do fato, ou seja, se no momento do crime praticado o
agente tinha plenas condições de entender o caráter ilícito de seu ato e de controlar 28
suas vontades. Nesse sistema, se for comprovada a total inimputabilidade do agente
ele será absolvido, nos termos do Artigo 386 do Código de Processo Civil e no caso
de comprovada perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto a pena
poderá ser reduzida de um a dois terços (MORAES, 2014).
Finalmente, o Critério Biopsicológico busca combinar os dois sistemas
anteriores, devendo ser examinado se o agente possui alguma doença mental ou se
seu desenvolvimento mental é incompleto ou retardado e, caso o seja, será
averiguado se no momento do ato ilícito ele tinha capacidade de entender o caráter
criminoso do ato que cometeu. O indivíduo será considerado inimputável se
constatada alguma doença mental ou se constatado que no momento do crime ele
não tinha capacidade de entendimento ou de agir de acordo com essa consciência.
Dos três critérios possíveis para a definição da inimputabilidade apenas
dois são utilizados no ordenamento jurídico pátrio, pois inexiste menção ao Sistema
Psicológico. Em compensação, o Critério Biopsicológico foi adotado pelo Código
Penal brasileiro no Artigo 26, caput, quando se refere à doença mental ou ao
desenvolvimento mental retardado.
O critério mais importante para o objeto em estudo desse trabalho é o
Sistema Biológico que foi o adotado no Brasil nos casos dos menores de 18 anos,
presumindo-se legalmente como inimputável, mesmo que tenha conhecimento
quanto à ilicitude do ato que cometeu, pois a mera comprovação de sua idade
cronológica o faz inimputável, sem necessidade de qualquer outro tipo de
comprovação.
O escritor Júlio Mirabete, assim se posiciona sobre o critério adotado pela
nossa legislação:
Adotou-se no dispositivo um critério puramente biológico (idade do autor do
fato) não se levando em conta o desenvolvimento mental do menor, que
não está sujeito à sanção penal ainda que plenamente capaz de entender o
caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Trata-se de uma presunção absoluta de inimputabilidade que faz com que o
menor seja considerado como tendo desenvolvimento mental incompleto
em decorrência de um critério de política criminal. Implicitamente, a lei
estabelece que o menor de 18 anos não é capaz de entender as normas da
vida social e de agir conforme esse entendimento. (MIRABETE, 2010, p.
202).
Porém, enganam-se aqueles que pensam que a legislação brasileira
sempre admitiu a idade limite de 18 (dezoito) anos para estabelecer a 29
inimputabilidade penal, bem como que o legislador sempre utilizou o critério
puramente biológico na definição da imputabilidade penal das pessoas.
O primeiro código penal em 1830 adotou o Sistema do discernimento,
determinando a maioridade penal absoluta a partir dos 14 (quatorze) anos, porém os
menores do limite estabelecido poderiam ser considerados penalmente
responsáveis se agissem com discernimento. No Código de 1830 foi utilizado o
critério psicológico para determinação da imputabilidade ou não.
Nota-se que bastava apenas presença do pleno discernimento no agente,
para que em caso de cometimento de algum crime, fosse responsabilizado com a
aplicação de sanção penal, independentemente da idade penal que o mesmo
possuía na data do fato. O fundamental era diagnosticar se o agente possuía
condições de entender que o ato que iria praticar era ilegal, a partir daí, praticando
por vontade própria, mesmo tendo consciência da sua ilicitude.
Em seguida, o Direito Penal Brasileiro passou a ter uma nova fase com a
vigência do Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (Decreto nº 847/1890) que
chegou junto com a República, determinando a imputabilidade penal absoluta até os
09 (nove) anos de idade incompletos (inferior a nove anos era considerado
inimputável), sendo que os maiores de 09 (nove) anos e menores de 14 (quatorze)
estariam submetidos à análise do discernimento (TAVARES, 2004).
Caberia ao juiz uma avaliação sobre a capacidade do delinqüente de
distinguir entre o lícito e o ilícito, sendo condenado, ou tendo entendido o juiz que
tenha a capacidade de distinguir entre o justo e o injusto, era recolhido a
estabelecimento industriais, determinado pelo julgador, não podendo ultrapassar
esse recolhimento aos 17 (dezessete) anos de idade. A Lei sem dúvidas muito
confusa, mesclando diversos critérios para definição da imputabilidade penal do
indivíduo.
Todavia, em 1921 surge a Lei 4.242, que afastou o critério biopsicológico
e revogou o Código Penal de 1890, institui-se que a imputabilidade penal se daria a
partir dos 14 (quatorze) anos, proibindo dessa forma a prisão do menor de 14
(quatorze) anos incompletos (Decreto 5.083/1926). Ponto interessante dessa lei, é
que por meio do Decreto 17.943 – A/27 (Código Mello Mattos), os jovens que
possuíam idade maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos de idade
recebiam um tratamento especial, gozando de algumas vantagens que não eram
devidas aos maiores de 18 (dezoito) anos (MAIA, 2011).
Em 1940, com a vinda do Código Penal vigente até hoje, embora tendo
sofrido diversas modificações na sua parte geral, trazidas pela Lei 7209/84, foi
utilizado pela primeira vez o critério biológico, sendo considerado inimputável o
menor de 18 (dezoito) anos, sendo os menores de 18 (dezoito) anos amparados por
uma legislação especial.
Em 1988, a inimputabilidade penal foi elevada a condição de garantia
constitucional dos menores de 18 (dezoito) anos, por força do Artigo 228 da
Constituição Federal, mantendo-se o critério biológico para aferição da
imputabilidade penal.
4.1 Aspectos socias sobre a redução da Maioridade Penal
Atualmente, é notório o aumento da participação de adolescentes na
prática de atos contrários a Lei. Essa crescente participação tem gerado constantes
debates entre os juristas e nas diversas camadas da sociedade. O principal foco da
discussão é referente à redução da maioridade penal do Código Penal Brasileiro de
18 (dezoito) anos para 16 (dezesseis) anos de idade.
A questão, porém reside em saber se a redução da maioridade penal será
realmente capaz de reduzir a delinqüência juvenil. Os crimes bárbaros praticados
por menores, alguns deles executados com excesso de crueldade e a grande
repercussão geradas pela mídia, faz com que a sociedade visualize uma solução
fácil e emergencial como forma de intimidar os jovens ao não cometimento de crimes
já que a partir de então serão considerados imputáveis.
O tema é reconhecidamente polêmico, sendo inclusive sempre utilizado
em campanhas eleitorais como forma de angariar votos, pois parcela considerável
da população brasileira é favorável a redução da maioridade penal no Brasil. Hoje
em nosso país, tramitam na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania
21 projetos que propõe reduzir a idade mínina (ALMEIDA, 2014, grifo nosso).
Para se ter uma idéia de como esse tema merece sempre debate, pode-
se claramente ser demonstrado nas eleições presidenciáveis de 2014, onde dos
sete candidatos mais fortes na corrida presidencial, 4 deles (Dilma, Marina Silva,
Luciana Genro, Eduardo Jorge) eram contra a redução e os outros 3 (Aécio Neves,
Levy Fidelix, Pastor Everaldo) eram a favor da redução (DUARTE, 2014).
A seguir, faremos uma análise das duas correntes: daqueles que são a
favor da redução e daqueles que são contra, tendo como fundamento alcançar um
denominador comum e ver aquilo que realmente seria fundamental para garantir a
diminuição da violência e da criminalidade no Brasil.
4.2 Argumentações favoráveis a redução da Maioridade Penal
Os chamados reducionistas, que são os considerados favoráveis a
redução da maioridade penal no Brasil, argumentam que o jovem de hoje possui
muito mais conhecimento e informação do que os jovens da época em que o Código
Penal foi criado (1940), por essa razão não é justa a comparação do adolescente de
18 (dezoito) anos de idade daquela época como a atual (SOUZA, 2012).
Assim, conforme o entendimento supracitado, o jovem de hoje tem a
exata noção daquilo que está fazendo, ou seja, reconhece que determinada conduta
é crime e mesmo assim pratica deliberadamente essa infração.
Ademais, o jovem de 16 (dezesseis) anos pode exercer o seu direito de
cidadão e votar, presumindo-se dada grau de importância, no mínimo, maturidade
intelectual, bem como casar e até mesmo iniciar a vida laboral aos 14 (quatorze)
anos, mesmo que na condição de jovem aprendiz.
Com a referida redução, o entendimento é de que assim os adolescentes
que cometerem crimes serão severamente punidos já em seus primeiros atos, tendo
menos chances de voltar a delinqüir.
A redução do limite da inimputabilidade penal não significaria a colocação
de menores para o cumprimento de pena em companhia dos adultos, defendendo
que é perfeitamente possível, assim como acontece na separação de homens e
mulheres e presos definitivos e provisórios, organizar a separação dos presos de
acordo com a idade (CUNHA, 2014).
Quanto à legislação especial aplicável aos menores, entendem ser
insuficientes ao prever medidas incompatíveis com a gravidade de determinados
crimes. Alegam que grande parte dos crimes praticados por adolescentes, hoje, não
possuem relação direta com a exclusão social, visto que a delinqüência juvenil não é
restrita a baixa classe social.
Agora uma pergunta chave, por que justamente os 16 anos? Relatam que
segundo estudos, dados estatísticos, a participação dos jovens em crimes graves se
acentua a partir dos 16 anos. O que buscam é que não se reduza a menoridade com
o intuito unicamente de se reduzir a violência e sim a busca pela justiça, já que
segundo eles os jovens já possuem condições de responderem por seus atos
criminosos.
4.3 Argumentações desfavoráveis a redução da Maioridade Penal
A falácia da sociedade que aduz que o jovem no Brasil é “impune” não
existe, pois sabemos que embora o adolescente não seja processado conforme o
procedimento do Código de Processo Penal, estes sofrem o procedimento especial
previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Embora não tenha objetivo
principal de punir, algumas medidas socieducativas são privativas de liberdade,
como a internação e o regime da semi-liberdade, ou seja, os menores sofrem sim
um tipo de sanção, ou seja, uma pena, não estando jamais impune o jovem infrator.
Assim para os defensores da não redução, não é necessário a diminuição
da idade penal para os 16 (dezesseis) anos para que o menor seja severamente
punido pela prática de ato infracional, uma vez que a partir dos 12 (doze) anos de
idade já podem ser aplicadas ao adolescente qualquer uma das medidas sócio-
educativas previstas no artigo 112 do ECA, que vai desde a admoestação verbal até
a mais grave delas denominada internação (SOUZA, 2012).
Então, o maior de 18 (dezoito) anos que pratica crimes pode ser preso,
processado, condenado e, se o caso, cumprir sua pena em presídios. De igual
modo, o menor de 18 (dezoito) anos, também responderá por seus atos,
resguardado ao limite do que manda a sua legislação especial.
Dentre as argumentações mais utilizadas pelos defensores da redução é
a de que os jovens atuais detêm, em virtude do aumento da informação, maior
capacidade de discernimento, porém, afastando essa tese, a corrente contrária a
redução destaca que os jovens de 10,12 e 14 anos também sabem que matar e
roubar são condutas ilícitas não suportáveis pela sociedade, então, porque fixar a
menoridade penal em 16(dezesseis) anos e não aos 12 (doze) anos?
Essa tão defendida redução da menoridade para os 16 (dezesseis) anos
não passa de política criminal, no intuito de satisfazer os anseios da sociedade e os
apelos midiáticos diários, retirando a sensação de impunidade de menores que
praticam atos inflacionais.
Há profundo entendimento de que a criança e o adolescente são pessoas
em peculiar estágio de desenvolvimento, pois se considera que o menor de 18
(dezoito) anos ainda está em formação. Assim, o menor de 18 anos não possui
formação biológica suficiente para assumir a responsabilidade pela prática de
crimes.
Além do mais, a redução da maioridade penal colocaria os jovens
infratores juntamente com outros criminosos de idade mais avançada. Ora, se os
presídios são reconhecidamente verdadeiras faculdades do crime, será que
colocando esses menores juntamente como os maiores não teríamos como imediata
conseqüência a integração dos menores em facções criminosas e a grande
possibilidade do aumento da reincidência? Não se estaria “selecionando”
antecipadamente o menor como candidato para o resto da vida ao Sistema Penal?
Concordando com a redução da Maioridade Penal de 18 (dezoito) para 16
(dezesseis) anos, estaríamos concordando, por exemplo, que o garoto que falsificar
um boletim escolar ou um menino de 16 anos que mantém relação sexual com a
namorada de 14 (quatorze), deveriam ser tido penalizados criminalmente, ou seja,
se abaixar a idade penal não iremos prender apenas homicídios e latrocínios, irá se
pegar todo o universo de crimes.
Outro argumento de grande força demonstra que com a redução da
maioridade penal não estaríamos contribuindo para a diminuição da violência, pois
um bom exemplo foi a entrada em lei 8.072/90 (Lei dos Crimes) Hediondos que
trouxe tratamento mais severo e rigoroso ao preso como restrições de benefícios
nos casos de crimes de estupro, homicídios qualificados entre outros. A esperança
era que os índices desses crimes fossem diminuídos, porém na prática isso não
ocorreu.
Segundo estatísticas do ILAND (instituto Latino-Americano das Nações
Unidas para Prevenção e Tratamentos do Delinqüente), os adolescentes são os
menos responsáveis pelos altos índices de criminalidade, haja vista que os atos
infracionais não correspondem nem a 10% (dez por cento) dos crimes ocorridos no
Brasil (SOUZA, 2012).
Ademais, os atos infracionais praticados por adolescentes em sua grande
maioria são crimes contra o patrimônio ou tráfico e apenas 8% desse universo são
crimes contra a vida. Com isso, se pensarmos que a população Brasileira representa
cerca de 200 milhões de habitantes e menos que 10% desses crimes são cometidos
por menores, concluímos que o jovem não pode ser responsabilidade
exclusivamente pelo aumento da criminalidade.
É imperioso ressaltar, que existem inúmeros estudos que indicam que a
maioria dos adolescentes internados, ou seja, aqueles que praticam atos infracionais
graves vêm de origem pobre, de bairros afastados e com alto índice de violência,
indicando que as mudanças para conter a criminalidade não deve ser legais e sim
sociais. Com isso, percebemos que a pressão para a diminuição da maioridade
penal está baseada em fatos isolados, pois, proporcionalmente à população
adulta, os menores delinqüem muito menos. (CUNHA, 2014, grifo nosso)
Claro que a produção de jovens criminosos não está ligada
determinantemente à pobreza e a carência afetiva, porém não devemos deixar de
citar que fatores como falta de estrutura familiar, de educação, a exposição maior a
violência nas periferias e a falta de políticas públicas para esses menores os tornam
muito mais suscetíveis a cometer os mais variados delitos. A população, o Estado e
a Família cobra muito dos menores, porém não proporcionam condições possam se
desenvolver e progredir socialmente.
Na verdade, aquilo que vem sendo estabelecido pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente no que se refere às medidas socioeducativas impostas aos jovens
infratores, bem como os casos de internação, sequer chegaram a ser efetivamente
implantadas pelos governos (federal, estadual e municipal). O Estatuto prevê como
forma de melhorias para ressocialização do menor tratamento médico e psicológico
dos menores, educação, entre outras medidas. Não se pode Admir que se critique
ou altere a legislação que instituiu o limite da imputabilidade penal, quando aquela
lei que foi criada para ressocializar o menor inimputável infrator não foi colocada
efetivamente em prática, sendo de total responsabilidade do Estado essa
responsabilidade.
Vale Lembrar ainda, que em termos práticos, dos 54 países que
reduziram a maioridade penal não se registrou diminuição da violência, a exemplo
podemos citar países como Espanha e Alemanha que reduziram a maioridade,
porém voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Atualmente,
70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínimo, até mesmo porque
a maioria é signatária da Convenção da ONU que obriga os países a tratar de forma
diferenciada as crianças e adolescentes com relação aos adultos, quando se
envolvem com a criminalidade. (BETTO, 2014)
A Defensoria Pública, em janeiro de 2014, através de técnica da comissão
de defesa dos direitos da criança e do adolescente sobre proposta de emenda
constitucional que altera a redação do Artigo 228 para reduzir a idade de
responsabilização penal para 16 (dezesseis) anos, trouxe os seguintes dados:
A maioridade penal aos 18 anos é tendência mundial. Diversamente do que
alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral têm
divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em
desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo. De uma lista
de 54 países analisados pela ONU, a maioria deles adota a idade de
responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade. Essa fixação
majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a
existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e
responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos. Das 54 legislações
analisadas, apenas 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério
para a definição legal de adulto. Apenas para exemplificar, Alemanha e
Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal, sendo que a
primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de
18 a 21 anos. Dentre os países avaliados pela ONU, na média os jovens
representavam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em
torno de 10%. Portanto, o país está dentro dos padrões internacionais e
abaixo mesmo do que se deveria esperar. No Japão, eles representam
42,6% e ainda assim a idade penal no país é de 20 anos. Se o Brasil chama
a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de
crimes e não pela de infratores.
E continuou sua defesa alegando:
Importantes instituições já manifestaram sua posição contrária à redução da
maioridade penal. O UNICEF já expressou sua posição contrária à redução
da idade penal, assim como a qualquer alteração desta natureza. Acredita
que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa,
promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil.
Convidados pelo Senado para debater a redução da maioridade penal, a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério Público (MP)
posicionaram-se contra as propostas que tramitam na Casa que permitem
prender menores de 18 anos que cometerem crimes. Para a OAB,
propostas assim não ajudam a combater a criminalidade, já para o MP, a
redução fere a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e
o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), com apoio do Fórum
Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (FÓRUM DCA), já
manifestaram publicamente a redução da maioridade penal e retrocessos
no Estatuto da Criança e do Adolescente. A Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) já se manifestou publicamente e reafirmou que a
redução da maioridade não é a solução para o fim da violência. A Fundação
ABRINQ (Save the Children) também já lamentou publicamente as
propostas de redução da maioridade penal no país.
Desse modo, observa-se que os argumentos pela inconstitucionalidade
dos Projetos de Emenda à Constituição que objetivam reduzir a maioridade penal
são coerentes e fundamentados de acordo com os preceitos constitucionais
vigentes. Em outras palavras, não se apoiam em critérios vagos, baseados apenas
na opinião pública ou em sensacionalismos da imprensa brasileira, sendo, então,
argumentos científicos, baseados na doutrina e no ordenamento jurídico brasileiro.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O intuito desse trabalho foi desenvolver um estudo sobre a abordagem
sociojurídica da redução da maioridade penal, uma vez que o assunto
constantemente se encontra em destaque na mídia, na política e na doutrina,
sempre gerando calorosas discussões e sempre gerando posicionamentos distintos,
estimulando os diversos operadores do direito a buscarem uma saída para redução
da delinqüência juvenil em nosso país.
A priori, tem-se que dentro dos Direitos Fundamentais de Primeira
Geração, denominados como as liberdades individuais, encontramos a
imputabilidade penal, no qual em seu artigo 228, garantiu que jamais a liberdade
daqueles que possuem menos de 18 anos será retirada por parte do Estado, ou
seja, deixando o Direito Penal inoperante sobre sujeitos desse limite etário.
Ademais, em conseqüência da cláusula de abertura material do Artigo 5°
§2° da Constituição Federal, podemos concluir que existem vários Direitos
Fundamentais espalhados pela nossa Carta Magna além dos elencados no título II
no artigo supracitado, sendo plenamente admissíveis que dispositivos fora desse rol
tragam garantias e direitos individuais fundamentais, bem como se vê no Artigo 228
da Carta da República.
Assim, O Poder Constituinte Originário buscou dar maior garantia de não
responsabilização criminal da pessoa menor de 18 anos, evitando qualquer
possibilidade de tratamento igual entre adolescentes e adultos. Tal legislador ao
colocar os Direitos da Criança e do Adolescente em capítulo diferenciado visou dar
maior evidência as crianças e adolescentes, para que ficasse implícito um direito e
garantia individual do menor.
Outro ponto importante discorrido nesse trabalho é que existem as
limitações no processo de alteração constitucional, que são aquelas que não podem
ser modificadas por meio das emendas constitucionais e que, caso violadas, ferem
frontalmente a Constituição Federal. Tal estratégia que se encontra no Artigo 60 § 4°
da Carta da República visou preservar o núcleo da constituição, sendo vedada a
modificação dos artigos que possuem natureza pétrea, como é o caso do Artigo 228
da nossa Carta Magna de 1988.
Deste modo, a imputabilidade penal é inconstitucional, pois ela é uma
garantia e um direito individual, expresso na Constituição Federal, e, portanto
cláusula pétrea, inatingível, não podendo, mediante emenda, ser afastado um direito
ora conferido em carta constitucional.
Destarte, não há possibilidade jurídica de proposta de emenda
constitucional tendente a abolir o direito e garantia individual dos menores de 18
anos. Única saída possível seria por meio de uma Nova Constituição Federal, que
permitisse um mínimo cronológico para imputação da responsabilidade penal menor
do que o estabelecido hoje ou pelo menos que não impusesse a natureza de
cláusula pétrea ao dispositivo da maioridade penal.
No último capítulo, O presente estudo foi além da constitucionalidade,
buscou-se fazer um levantamento comparativo entre os argumentos que vimos em
noticiários de jornal, internet e de diversos doutrinadores brasileiros, favoráveis ou
contrários a tal redução do limite etário penal, e através de tais posicionamentos
chegar a uma conclusão da utilidade ou inutilidade da redução da maioridade penal
para combater a criminalidade.
O que se percebe, é que os argumentos dos “reducionistas” são
baseados em critérios vagos, baseados apenas na opinião pública ou em
sensacionalismos da imprensa brasileira, em contrapartida os argumentos dos
contrários a redução baseiam-se em argumentos coerentes e fundamentados,
levando em consideração a opinião dos órgãos que efetivamente trabalham
diretamente com menores infratores e a tendência mundial que é exatamente a
manutenção do limite etário de responsabilização penal de 18 anos, conforme
estabelecido pela Convenção dos Direitos Humanos da ONU.
Logo, concluímos que no atual cenário brasileiro tanto no aspecto social
quanto constitucional, a redução da maioridade penal é inviável, devendo ser a
verdadeira válvula de escape, o aprimoramento do nosso Estatuto da Criança e do
Adolescente e investimentos em saúde, educação e oportunidades de emprego ao
menor.
Por fim, concluímos afirmando que em breve a questão da
constitucionalidade da maioridade penal deverá ser decidida pelo Supremo Tribunal
Federal, uma vez que existem inúmeras propostas de emenda constitucional que
somente poderão ser aprovadas após ser decidida essa questão pela suprema
corte. Acreditamos que provavelmente deverá ser declarada inconstitucional e
reconhecido como garantia individual do menor, pelos vastos motivos anteriormente
expostos.