TCC - Trabalhando com Consciência.
~* Nesta espécie de coluna, apresentarei alguns capítulos de minha monografia - Aplicação de Medidas Socioeducativas em Adultos em Conflito com a Lei, apresentada para obtenção do grau em Bacharel em Direito pela Unicuritiba em 2015. O seguinte trabalho aborda e apresenta um novo modo de analisar o sistema penal e carcerário brasileiro, trazendo alternativas ao modelo penal atual.
Na postagem de hoje, dissertarei sobre a nossa querida Constituição Federal. Uma homenagem à ela, tendo em vista que ultimamente a mesma parece ter sido deixada em escanteio pelos nossos jogadores jurídicos e parlamentares.
[Cap. 2] DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:
2.1 – CONCEITO:
O autor José Afonso da Silva[1] resume o conceito de Constituição Federal como uma lei fundamental, que determina a organização dos elementos essenciais do Estado: um sistema de normas jurídicas que regula a sua forma, a forma de governo, o modo de aquisição e o exercício de poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição, nas palavras deste autor, “é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado[2]”.
Inocêncio Mártires Coelho, um dos autores do livro Curso de Direito Constitucional[3], afirma, porém, que não há opinião dominante sobre o conceito de Constituição e que a teoria do Direito Constitucional ainda está engatinhando para uma formação definitiva.
O autor elenca as principais teorias constitucionais da atualidade, as quais seguem bastante resumidas a seguir: (1) Constituição como garantia do status quo econômico e social – como instrumento democrático e social de garantias e direitos do homem; (2) Constituição como instrumento de governo – sendo, neste caso, uma lei processual, cujo texto estabelece competências e definem limites para a ação política do Estado; (3) Constituição como processo público; (4) Constituição como ordem fundamental e programa de ação que identifica uma ordem político e social e seu processo de realização – a norma fundamental em que se projeta e se realiza uma sociedade. A Constituição, segundo esta teoria, é a norma fundamental ordenadora da vida social, que fixa limites às tarefas da comunidade e representa a unidade sociopolítica da sociedade; (5) Constituição como programa de integração e representação nacionais; (6) Como legitimação do poder soberano, segundo a ideia de Direito – nas palavras de Burdeau, a constituição é o estatuto do poder, é a criadora do Estado de Direito; (7) Como ordem jurídica fundamental, material e aberta, de determinada comunidade - Hesse[4] afirma que a Constituição deve ser entendida como “ordem jurídica fundamental de uma comunidade ou plano estrutural para a conformação jurídica de uma comunidade, segundo certos princípios fundamentais”, sendo que isto apenas é possível, pois a Lei Fundamental – ordem jurídica fundamental:
1. Fixa os princípios diretores segundo os quais se deve formar a unidade política e desenvolver as tarefas estatais; 2. Define os procedimentos para a solução de conflitos no interior da comunidade; 3. Disciplina a organização e o processo de formação da unidade política e da atuação estatal; 4. Cria bases e determina os princípios da ordem jurídica global.[5]
Existem, além destas, muitas outras teorias sobre um conceito genérico e abstrato sobre constituição, as quais buscam abranger a maioria das Cartas Políticas de que se tem conhecimento até hoje.
Em seu livro, após a exposição de algumas dessas teorias [em destaque as anotadas acima], Inocêncio Coelho passa a analisar o que ensina José Afonso da Silva. Segundo este autor, deve-se estudar a Constituição a partir da lógica da situação em que a mesma está inserida e, então, ele conceitua:
A Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas; como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais; como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como uma causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo.[6]
Em outras palavras, a Constituição de um Estado se configura como um conjunto de regras que se destinam a regulamentar as condutas da sociedade e do Governo, bem como garantir-lhes direitos e impor-lhes deveres, sendo a diretriz de todo o ordenamento jurídico, expondo os limites de como governar e os limites para a formação de novas leis.
Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estrutura deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.[7]
O Governo do País, bem como o Governo de seus estados-membros e dos Municípios, estão vinculados às normas que são determinadas pela Constituição, haja vista que ela é a lei de maior força nacional, a lei reguladora das funções governamentais. “Todos [estes entes] são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas funções nos termos nela estabelecidos.[8]”. (Grifo nosso).
Dessa forma, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional e as funções exercidas pelo governo e sociedade só serão válidas se estiverem de acordo com as normas da Constituição Federal Brasileira.
2.2. LEI FUNDAMENTAL:
A lei fundamental acima citada é também chamada de norma fundamental; e esta regula todas as demais regras do ordenamento jurídico, na medida em que lhe serve de base e determina suas condições de validade e existência.
Hans Kelsen, sobre a chamada lei fundamental, afirma que uma norma deve ser válida para que se possa colocá-la em prática e o que a torna válida é uma norma superior, com a qual a inferior precisa ser compatível. Ou seja, existe uma norma superior, a Norma Fundamental, acima das demais e todas as que estiverem abaixo desta devem estar de acordo com o que a norma superior determina. Explica o autor que “chamamos de norma fundamental a norma cuja validade não pode ser derivada de uma norma superior[9]” e, consequentemente, é a que determina a validade das demais abaixo dela.
Neste sentido, escreve:
[A norma] É limitada por uma norma mais alta, que é o fundamento último de validade de uma norma dentro de um sistema normativo, ao passo que uma causa última ou primeira não tem lugar dentro de um sistema de realidade natural. A norma que determina a criação de outra norma é a norma superior, e a norma criada segundo essa regulamentação é a norma inferior – hierarquia de diferentes níveis de normas[10].
E a Norma Fundamental, a mais alta, é a regra-base de acordo com a qual devem ser criadas as outras regras do sistema jurídico. É no alto desta hierarquia que se encontra a Constituição Federal, a qual que determina a validade de todas as regras, princípios e dispositivos legais que estiverem abaixo dela (e não há nenhuma norma acima desta).
No que tange a estrutura desta “pirâmide”, Hans Kelsen explica:
A estrutura hierárquica da ordem jurídica de um Estado é, grosso modo, a seguinte: pressupondo-se a norma fundamental, a Constituição é o nível mais alto dentro do Direito nacional.[11]
Sendo Constituição aqui compreendida em um sentido material e não formal; o que significa – em sentido material – que consiste no conjunto de regras que regulam a criação das normas jurídicas gerais, principalmente as relacionadas à criação de estatutos e códigos, mas não somente estes, regulando também o conteúdo de todas as outras regras jurídicas, inclusive as decisões judiciais e administrativas. Em um sentido formal, a constituição é um documento solene que junta todas as normas jurídicas.
2.3 – CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988:
Esta Constituição nasceu da luta do povo brasileiro contra as forças autoritárias e o Governo Militar; foi criada na busca por um Estado de Direito Democrático.
Em 1982, as forças democráticas lançaram a candidatura de Tancredo Neves, que prometeu escrever uma nova Constituição usando uma metodologia clara e buscando, em síntese, pôr fim ao autoritarismo governamental e desenvolver maiores garantias à população:
A Nova República pressupõe uma fase de transição na qual serão feitas, com prudência e moderação, as mudanças necessárias: na legislação opressiva, nas formas falsas de representação e na estrutura federal, fase que se definirá pela eliminação dos resíduos autoritários, e o que é mais importante, pelo início, decidido e corajoso, das transformações de cunho social, administrativo econômico e político que requer a sociedade brasileira[12] (...).
A Constituição representava a promessa de um “novo amanhã”, um novo período na histórica política do Brasil, o qual, por esta razão, denominara-se como a fase da Nova República, que deveria ser democrática e social. Esse novo marco restaria concretizado pela Constituição, que seria escrita pela Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, convocada pelo próprio Tancredo quando assumisse a presidência. Mesmo após sua morte, José Sarney – o sucessor do futuro Presidente -, apesar de contrariado, cumpriu as promessas de seu antecessor e convocou uma Comissão para estudar e elaborar pesquisas que foram enviadas à Constituinte para a formulação da nova Carta.
A estrutura dessa nova Constituição, promulgada em 1988, se diferenciava das demais em razão dos direitos que tutelava, entre eles:
(1) dos princípios fundamentais; (2) dos direitos e garantias fundamentais, segundo uma perspectiva moderna e abrangente dos direitos individuais e coletivos dos direitos sociais dos trabalhadores, da nacionalidade, dos direitos políticos e dos partidos políticos; (3) da organização do Estado, em que estrutura a Federação com os seus componentes; (4) da organização dos poderes: poder legislativo, poder executivo e poder judiciário, com a manutenção do sistema presidencialista, derrotado o parlamentarismo, seguindo-se um capítulo sobre as funções à justiça, com o Ministério Público, a advocacia pública (da União e dos Estados), advocacia privada e Defensoria Pública; (5) da defesa do Estado e das instituições democráticas, com mecanismos do estado de defesa, do estado de sítio e da segurança pública; (6) da tributação e do orçamento; (7) da ordem econômica e financeira; (8) da ordem social. Finalmente, vem o ato das disposições Transitórias. Esse conteúdo distribui-se por 245 artigos na parte permanente e mais 73 artigos na parte transitória, reunidos em capítulos, seções e subseções.[13]
Destaca-se que a partir do momento em que são elencados tais direitos na Constituição, é dever do Estado e dos governos garantir que os mesmos sejam aplicados a todos de forma igualitária.
2.4 – DO DIREITO FUNDAMENTAL:
Falar sobre direito fundamental é tarefa extensa, haja vista a vasta publicação de livros e artigos sobre o tema. Neste trabalho, será exposto, a seguir, apenas algumas considerações sobre o assunto.
A partir da Segunda Guerra Mundial e da elaboração da Carta de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas em 1948, estruturou-se uma cadeia de princípios e garantias voltados à efetivação dos direitos humanos, os quais foram incorporados a quase todas as Constituições ocidentais a partir deste momento. O art. 5, §2º da Constituição Federal afirma que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, o que permite a aceitação de outros direitos como sendo fundamentais, mesmo que não estejam expressos na Carta.
Direitos fundamentais são normas estipuladas pela Constituição Federal que não podem, de forma alguma, serem negligenciados. Abordam questões que acompanham as revoluções sociais e consagram as conquistas destas lutas de forma que estes direitos alcançados não podem mais ser infringidos, constituindo normas obrigatórias.
Nas palavras de Paulo Gustavo Branco, “os direitos e garantias fundamentais, em sentido material, são, pois, pretensões que, em cada momento histórico, se desdobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana[14]”.
É este o princípio que inspira e gera os típicos direitos fundamentais, quais sejam: direito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano, à segurança à saúde, ao bem estar social, entre muitos outros, haja vista que de forma alguma são taxativos.
Tais direitos são inalienáveis e intangíveis, não se pode vendê-los ou abrir mão de qualquer um que seja; não são direitos disponíveis por parte do cidadão ou do Estado. São inegociáveis “cujo sacrifício não pode ser legitimado sequer sob a justificativa da manutenção do “bem comum”[15]”.
Importante destacar que o Poder Legislativo não pode redigir normas que vão contra o sentido e a destinação das normas de direito fundamental. Todos os atos do poder do Estado devem se embasar nos direitos fundamentais; o Estado não pode agir de maneira contrária à isso e nem permitir que qualquer ação contrária seja realizada por nenhum de seus órgãos. Isto ocorre dessa maneira porque o direito fundamental lhes é superior, e “os atos dos poderes constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à invalidade se os desprezam”[16].
Expõe Branco que “as constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam”. Sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, é exigido de seus governantes e dos três poderes a proteção e garantia dos direitos fundamentais. “O Estado deve adotar medidas – até mesmo de ordem penal – que protejam efetivamente os direitos fundamentais”.
Em conclusão, os direitos fundamentais do homem são normas de aplicação e usufruto obrigatório tanto por parte do Estado quanto por parte do cidadão, servindo como garantia de proteção, liberdade e salvaguarda dos bens e direitos tutelados.