A prática da tortura sempre acompanhou a humanidade, desde os tempos mais remotos, até os dias atuais.
Talvez o que tenha mudado sejam o motivo e o sujeito ativo de tal prática. O homem sempre buscou uma justificação plausível para infringir dor e sofrimento tanto físico, quanto psicológico no outro. A dor e o sofrimento fazem parte da história da humanidade, quer seja como castigo ou como meio de extrair informação.
Com o passar do tempo, a crueldade foi aperfeiçoada por diversos mecanismos pelo mundo. O que era para ser uma evolução humana se mostrou na verdade uma regressão grotesca, que foi trazida como herança maldita até os dias atuais.
Várias eram as fundamentações para essas crueldades, tais como a divindade, a forma de obter a verdade dos fatos, meio de aplicação de pena e etc.
No Brasil, o marco histórico da tortura se deu no período da ditadura militar (1964), que apesar de não ser respaldada por nenhum regulamento jurídico, era uma prática comum por parte das autoridades contra presos políticos, e de forma velada era quase que institucionalizada.
O governo repressivo praticou um verdadeiro terrorismo por parte do Estado contra pessoas que se levantavam contra o regime ditatorial. Houve um verdadeiro festival de irregularidades, onde pessoas foram presas ilegalmente, extorquidas, assassinadas, torturadas e submetidas a abusos sexuais, por haverem cometido o crime de emitir sua opinião. A prática da tortura passou a ser clandestina e talvez institucionalizada, violando todas as proibições de direitos humanísticos.
Houve a sistematização da tortura, trazendo novos métodos de assassinar e aplicar sofrimentos extremos, conforme o relato de algumas vítimas. A herança ditatorial com seus métodos de tortura perdura até hoje na cultura policial brasileira.
Durante muito tempo, organizações sociais, especialistas e governos têm somado esforços para combater a prática da tortura por meio de diversos instrumentos jurídicos, contudo, sem obter grandes resultados. O Brasil é signatário de tratados internacionais que o incluem em diversos mecanismos de proteção dos Direitos Humanos, até mesmo admitindo o julgamento de órgãos internacionais, principalmente do Tribunal Internacional, instituído pelo Estatuto de Roma. A Convenção contra a Tortura, adotada pelas nações Unidas em 1984, foi um grande passo em direção ao combate e prevenção de tal prática, sendo o único documento juridicamente vinculante. Em 18 de dezembro de 2002, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou um Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, o qual entrou em vigor em 22 de junho de 2006. Trata-se de um documento complementar, com caráter facultativo pelo fato de não forçar os Estados- Partes que ratificaram o Tratado original, a também ratificá-lo. Tem uma natureza preventiva, baseando-se em ações conjuntas de acompanhamento regular por órgãos especializados. Foi criado também um Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes. Também impôs que cada Estado signatário devia aceitar visitas “a qualquer lugar sob sua jurisdição e controle, onde pessoas são ou podem ser privadas de sua liberdade, quer por força de ordem dada por autoridade pública ou sob seu incitamento ou com sua permissão.
A Convenção contra a Tortura não explorou o conceito para os tratamentos e penas cruéis e degradantes, trazendo dificuldades para a adoção destes dispositivos. Todavia, uma análise na legislação interna aponta alguns conceitos, a exemplo da lei nº. 9.455/97, que, no § 1º do art. 1º, equipara maus tratos a tortura; e do Código Penal de 1940, que estabelece o que sejam maus tratos.
A Constituição federal de 1988 proibiu o delito de tortura no art. 5.º, III e XLIII, todavia, o art. 5.º, XLIII, é uma norma constitucional de força limitada, pois necessita da ação do legislador infraconstitucional para que tenha eficácia.
A Lei 9.455 de 1997 (Lei de Tortura) surgiu num momento conturbado de comoção nacional, e realmente foi um avanço significativo ao tipificar o crime de tortura no ordenamento nacional, obedecendo assim a uma determinação da Convenção contra Tortura, do qual o Brasil é signatário. Todavia, algumas divergências surgiram pelo fato da lei brasileira instituir a tortura como crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa. No entanto, a Convenção contra a Tortura definiu como crime próprio, e com isso dando margem para o surgimento de algumas correntes doutrinárias diferentes. A conseqüência dessa diversidade de entendimentos tem gerado decisões judiciais oscilantes, com relação ao sujeito ativo da prática da tortura. Outro ponto controverso em relação à Convenção foi o fato de que Lei 9.455/97 estabeleceu mais de um elemento do crime de tortura em mais de um artigo, criminalizando condutas que talvez não fossem consideradas tortura, se chegassem a ser examinadas pelo Comitê Contra a Tortura da ONU ou da Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Também, a questão da intensidade do sofrimento físico ou mental para tipificar a tortura é algo muito subjetivo, para servir de parâmetro. Desconsiderar a dor sofrida seria banalizar a prática delitiva reputada como crime hediondo pelo nosso ordenamento jurídico. Posto que, o laudo médico, nem sempre é suficiente para aferir a intensidade da dor, necessitando de uma soma de mecanismos para que se possa chegar a uma conclusão mais próxima da realidade dos fatos.
A questão da materialidade no crime de tortura depende principalmente de exames periciais de corpo de delito, pois mesmo não sendo o único meio de prova, é considerado o mais importante por constatar vestígios físicos do delito, no entanto este esbarra em uma série de dificuldades de cunho material, humano que prejudica a efetividade e a credibilidade pericial.
O Protocolo Brasileiro de Perícia Forense baseia-se no documento de grande importância da ONU: o Protocolo de Istambul. O documento brasileiro se adéqua a realidade nacional em práticas de tortura. O protocolo brasileiro faz recomendações e regras a serem respeitadas pelos órgãos periciais, peritos e profissionais de perícia forense. Na maioria dos casos, a deficiência humana e material não permite aos peritos oficiais fazerem exames mais específicos que, por exemplo, possam determinar seqüelas psíquicas, atendo-se, muitas vezes, somente nas lesões físicas externas e visíveis.
Constata-se a necessidade de uma melhora na capacidade técnico-científica dos Institutos Médico-Legais (IML) ou de Criminalística e nos recursos materiais.
Outra medida que poderia ser implantada, era uma espécie de controle externo na realização dos exames de corpo de delito em casos de tortura com ampla divulgação, esse se daria por meio de um órgão ligado aos direitos humanos. Bem como, o impedimento das investigações relacionadas a policiais ou outros agentes públicos envolvidos em casos de tortura, pelos membros da mesma corporação e sim realizada pelo Ministério Público Estadual.