DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE A LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) cria no título III, que trata dos procedimentos especiais, a ação de dissolução parcial de sociedade, artigo 599 a 609. O Código de Processo Civil de 73 não dispunha sobre o assunto e o Código de Processo Civil de 39 disciplinava a ação de dissolução e liquidação das sociedades nos artigos 655 a 674.
Diferentemente do Código de Processo Civil de 39, o Novo Código de Processo Civil trata da dissolução parcial e não da dissolução total da sociedade, isto porque até a entrada em vigor do Código Civil, em 2002, existia apenas a hipótese da dissolução total da sociedade com a sua consequente liquidação e extinção, nos termos dos artigos 335 e 336 do Código Comercial e artigo 1.399 do Código Civil de 1917.
O Código Civil atual, no livro II, passou a regular o direito de empresa, e nos artigos 1.028 a 1.032 tratou da resolução da sociedade em relação a um sócio, revogando o Código Civil de 17 e os dispositivos do Código Comercial que tratavam das sociedades comerciais.
A jurisprudência anterior ao Código Civil já permitia a dissolução parcial, no intuito de preservar a continuidade das atividades econômicas desenvolvidas, com base no princípio da preservação da empresa e da função social.
Tendo em conta que o Código de Processo Civil de 73 não previa a ação de dissolução de sociedade, os dispositivos do Código de Processo Civil de 39, artigos 655 a 674, continuaram com a aplicabilidade por força da ressalva contida no inciso VII do artigo 1.218 do CPC de 73. O rito adotado era o ordinário.
DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE
Conforme dito anteriormente, a dissolução parcial da sociedade desde o CPC de 73, sendo tal criação de origem doutrinária e jurisprudencial ante a necessidade de desfazimento dos vínculos societários apenas em relação a um ou a alguns sócios.
Isto porque, o Código de Processo Civil de 1939 apenas disciplinava a dissolução social. Assim, em 1973, quando entrou em vigor o atual Código, algumas poucas medidas judiciais continuaram a seguir a disciplina do antigo, entre elas a dissolução de sociedade.
Além disso, na vigência do Código Comercial de 1850 e do Código Civil de 17 prevalecia a Teoria Contratualista, a qual priorizava a vontade dos sócios sobre o interesse institucional da atividade econômica desenvolvida pela sociedade, até porque a configuração da economia nacional no fim dos anos de 1930 era diversa da dos anos atuais e a complexidade das relações societárias, também.
Posteriormente, o princípio da preservação da empresa foi sendo prestigiado pela sociedade ao ponto de ser visto como um instrumento jurídico que viabiliza a própria atividade econômica da empresa.
A partir daí, os tribunais passaram a entender que um ou alguns sócios ou acionistas não poderiam impor sua vontade de dissolver a sociedade sobre a vontade contrária dos demais sócios ou acionistas, e ao invés de ocorrer à dissolução, havia retirada do sócio postulante com apuração dos seus haveres.
Assim, para que houvesse a preservação da empresa e de sua função social, a dissolução parcial foi sendo aceita pela doutrina e jurisprudência, para que não haja a dissolução e liquidação da sociedade quando ocorre a quebra da affectio societatis. Possibilitando aos sócios a resolução da sociedade em relação a um ou alguns sócios, desfazendo-se os respectivos vínculos.
A dissolução parcial da sociedade, portanto, nada mais é do que a resolução ou resilição do contrato de sociedade em relação a um ou mais sócios, mediante a existência de motivos capazes de provocar a extinção do contrato societário.
A dissolução por si só não extingue a sociedade, apenas inicia a fase de liquidação ao fim da qual esta se encerra. Portanto, para a extinção da sociedade são necessárias três etapas: dissolução, liquidação e extinção.
E mais, o Código Civil de 2002 não utiliza o termo dissolução parcial, em razão da sua falta de previsão, como ressaltado anteriormente, mas utiliza a expressão “resolução da sociedade em relação a um sócio”.
Diante disso, foi necessária uma nova disciplina legal deste tipo de processo que regulasse os conflitos societários atuais, em respeito ao princípio da preservação da empresa.
DAS INOVAÇÕES DA AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE TRAZIDAS NOVO CPC
O novo Código de Processo Civil (Lei 13.015/2015), trata da ação de dissolução parcial de sociedade nos procedimentos especiais, artigos 599 a 609. Como dito anteriormente, o Código de Processo Civil de 73 não tinha dispositivo tratando do assunto e, portanto, continuaram sendo aplicados os artigos 655 a 674 do Código de Processo Civil de 39, por força do inciso VII do artigo 1.218 do CPC de 73, seguindo o rito ordinário por construção jurisprudencial.
A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto: a) a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; b) a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso ou c) somente a resolução ou a apuração de haveres. A petição inicial será necessariamente instruída com o contrato social consolidado. A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado que não pode preencher o seu fim.
As hipóteses dos incisos I, II e III, do artigo 599 do novo Código de Processo Civil são aquelas arroladas nos artigos 1.028 a 1.030 do Código Civil, sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso. O § 2º, do artigo 599, corresponde à alínea b do inciso II do artigo 206 da Lei 6.404/76.
As sociedades abrangidas pelo artigo 599 são as sociedades limitadas, simples, anônimas fechadas, em nome coletivo e em comandita simples. O termo “fim” utilizado no final do § 2 º, do artigo 599, do novo Código de Processo Civil, significa a incapacidade de realizar os objetivos estabelecidos no contrato social ou estatuto e de produzir lucros aos sócios ou acionistas.
Os legitimados para a ação de dissolução parcial são: a) o espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade; b) os sucessores, após a partilha do sócio falecido; c) a sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social; d) o sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual consensual formalizando o desligamento, depois de transcorridos 10 (dez) dias do exercício do direito; e) a sociedade, nos casos em que a lei não autoriza a exclusão extrajudicial; f) o sócio excluído; g) o cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou para requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio.
A competência é territorial, sendo o foro para o ajuizamento da ação de dissolução parcial o da sede da sociedade, nos termos dos artigos 46 e 53, inciso III, alíneas a e b do novo Código de Processo Civil.
O valor da causa é o valor da quota dos sócios ou acionistas excluídos, falecidos ou retirantes, conforme determina o inciso II, do artigo 292, do novo Código.
No artigo 601, o Código estabelece um litisconsórcio necessário entre a sociedade e os sócios, dispondo no parágrafo único que sendo todos os sócios citados a sociedade se sujeitará aos efeitos da decisão e à coisa julgada. Feita a citação, os réus têm 15 dias para concordar com o pedido ou contestar a ação, no primeiro caso não haverá condenação em honorários advocatícios. Havendo contestação segue-se o procedimento comum.
A sentença proferida na ação de dissolução parcial de sociedade é constitutiva negativa, pois extingue a relação jurídica existente entre o sócio falecido, o excluído e aquele que exerceu o direito de retirada e os demais sócios e a sociedade. Por sua vez a sentença proferida na ação de apuração de haveres é condenatória ao pagamento do valor das quotas do sócio falecido, excluído ou o que exerceu o direito de retirada.
Importante ressaltar que a proposta de incluir disciplina específica da ação de dissolução de sociedade no novo CPC, contudo, não foi acolhida no âmbito da Comissão, tendo em vista que um dos princípios adotados foi o de não prever procedimentos especiais em demasia, prestigiando-se o ordinário ou geral. Segundo a comissão, não se justificava submeter a ação de dissolução de sociedade a um rito próprio, especial. Pelo anteprojeto, assim, embora tenha deixado de ser regida pelas vetustas regras da década de 1930 (o que já é um inegável avanço), a dissolução de sociedade sujeita-se ao procedimento ordinário.
O princípio adotado pela Comissão está corretíssimo, não há dúvida. O novo CPC não deve prever procedimentos especiais em profusão, porque isto tornaria a atividade jurisdicional desnecessariamente complicada. Discordo apenas de sua pertinência em relação à ação de dissolução de sociedade. Há duas definições básicas, que o juiz deve tomar, nesse tipo de processo, desde o início da apuração de haveres, para garantir-lhe racionalidade, celeridade e segurança jurídica. Uma delas é a data em que deve ser considerada resolvida a sociedade em relação a um dos sócios. Trata-se de definição imprescindível, porque não apenas norteia o corte temporal para a avaliação das quotas, como marca o momento em que a pessoa deixa de ser sócia e passa a ser credora da sociedade; isto é, o dia em que o investimento de risco deixa de existir, para ceder lugar a um crédito, cujo valor não depende do sucesso ou insucesso da empresa devedora.
A outra definição crucial, que o juiz deve adotar logo no início do processo, diz respeito ao critério de avaliação da participação societária do sócio que se desliga (ou dos sucessores do sócio falecido). Esse critério está, em geral, definido no contrato social; em sua omissão, aplica-se o da lei (valor patrimonial).
Não raramente divergem os sócios sobre como interpretar-se a cláusula do contrato ou aplicar-se o preceito legal. O juiz deve resolver este impasse logo no início da demanda, para que o processo se desenvolva justa, racional e celeremente.
O cerne da discussão, portanto, consiste em sopesar se a ação de dissolução de sociedade, em vista destas decisões iniciais indispensáveis à sua adequada tramitação, merece observar um procedimento especial, ou se o ordinário atenderia suficientemente suas características.
A aprovação desta disciplina da ação de dissolução parcial de sociedade representará, certamente, um enorme avanço para a solução em juízo dos conflitos entre os sócios, garantindo que a energia e o tempo de muitos empresários brasileiros não se desperdicem com a eternização de medidas judiciais, e possam ser utilmente aproveitados na atividade econômica, em proveito de toda a sociedade brasileira.
Em que pese o novo Código de Processo Civil prever em seu texto um capítulo para regular a Ação de Dissolução Parcial da Sociedade, seus artigos nos demonstram que quase nada foi alterado com relação ao CPC de 1939 e de 1973, eis que, nas entrelinhas dos textos, o rito processual adotado permanece o mesmo, qual seja, o rito ordinário, ou procedimento comum ordinário.