1. Introdução:
O presente artigo visa apresentar, resumidamente, alguns pontos sobre a incorporação imobiliária, de forma que demonstre sua utilidade prática para consumidor e incorporador.
2. Definição de incorporação imobiliária:
A incorporação imobiliária possui assento na Lei n.º 4.591/64, mais especificamente a partir do artigo 28 da referida norma. A utilidade do instituto é basicamente pelo fato de permitir a alienação e venda de unidades que ainda não existem fisicamente, ou seja, antes do início ou do término da edificação. Popularmente, é conhecido como a forma de compra de imóveis “na planta”.
A definição de incorporação imobiliária é dada pelo parágrafo único do artigo 28 da lei citada, vejamos: “considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.
3. Figura do incorporador:
Considerando o fato de que a incorporação imobiliária é obrigatória para que o dono do empreendimento realize a venda do imóvel, necessário saber quem pode ser o incorporador. As hipóteses são dadas pelo artigo 31 da Lei n.º 4.591/64, vejamos:
· O proprietário do terreno ou seu cessionário, bem como o promitente comprador e seu cessionário. Nesta última possibilidade, necessário que o contrato de promessa de compra e venda contenha cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade, bem como de consentimento para demolição e construção além da inalienabilidade;
· O construtor ou o corretor de imóveis, desde que estes possuam procuração por instrumento público;
· O Ente da Federação também pode ser incorporador, mesmo que raros sejam os casos práticos. Para tanto, deve ser imitido na posse do imóvel a partir de decisão judicial.
4. Processo de registro da incorporação:
Atendido o requisito de capacidade para ser incorporador, este deve providenciar uma série de documentos especificados pelo artigo 32 da Lei 4.591/64. Dentre estes, encontram-se: o título de propriedade do imóvel onde será edificado o empreendimento; certidões negativas de impostos, cíveis e criminais; projeto de construção detalhado com as áreas privativas de cada unidade, área comum e de garagens, com a Nota de Responsabilidade Técnica emitida pelo CREA, dentre outros. O prazo para o Registro de Imóveis analisar os documentos é de 15 dias, momento em que poderá expedir Nota de Exigência para que o incorporador apresente os documentos faltantes ou então corrija algum erro.
O Registrador possui responsabilidade cível e criminal sobre o registro da incorporação, englobando apenas falhas deste. Não se pode considerar, portanto, que uma falha no projeto de edificação ou uma informação incorreta contida neste venha a recair sob culpa do Oficial do Registro de Imóveis.
5. Características e desdobro da incorporação:
Quando a edificação ainda não começou a ser erguida, porém já existe a incorporação, pode ficar previsto prazo de carência para que o incorporador desista do empreendimento, o qual não poderá ser superior a 180 dias. Havendo desistência dentro do prazo, a restituição dos valores pagos deverá ocorrer nos 30 dias subsequentes. Não ocorrendo o ressarcimento, os credores possuem a via executiva judicial para reaver seus valores.
Junto com a incorporação, o responsável já poderá requisitar a abertura das matrículas filhas que serão constituídas conforme disposição do plano de construção. Neste ponto, importante referendar que existem alguns estados que tornam esta possibilidade como obrigatória, como é o caso de Santa Catarina. Esta imposição é justificada pelo fato de que, assim, as futuras compras de imóveis ficariam registradas na matrícula do imóvel ainda não concluído, evitando-se que no futuro tenha que ser feita uma análise minuciosa da matrícula mãe para repassar os registros de compra e venda às matrículas filhas.
Já na hipótese de um empreendimento conter mais de um bloco, necessário que se constitua a incorporação antes de se instituir o condomínio sobre uma das unidades já concluídas. Neste aspecto, a Lei n.º 4.864/65 permite o que é chamado de desdobro de incorporação, de modo que cada bloco possua sua própria sub incorporação, o que possibilita a retificação de algum condomínio sem a necessidade de anuência dos condôminos dos outros blocos quando o assunto não atentar à estes.
6. Patrimônio de afetação:
Após o registro da incorporação imobiliária, o incorporador poderá optar por instituir o patrimônio de afetação, instituto de grande valia para quem está realizando o empreendimento e, principalmente, para o possível adquirente. Estando a construção sob a égide deste regime, protege-se esta a partir da integralização do capital necessário para o término da edificação, o que se dá pela separação do terreno e de suas acessões do patrimônio do incorporador.
Assim, o incorporador garante ao possível comprador que a obra será realizada, independente de crise financeira, pois, o imóvel não será atingido por débitos alheios. Já os adquirentes podem formar e eleger uma Comissão de Representantes, a qual poderá fiscalizar o patrimônio de afetação, dando eficácia prática ao instituto.
A segurança de que o empreendimento será edificado se dá mesmo que o incorporador tenha sua falência decretada, pois este instituto foi criado a partir de um caso específico, o da falência da Encol. Esta era uma das maiores construtoras em atuação no Brasil e, em 1999, em razão de grandes fraudes e desvios de seus diretores, veio a prejudicar aproximadamente 42 mil adquirentes de imóveis no Brasil, deixando estes sem a edificação de aproximadamente 720 empreendimentos, os quais já haviam sido quitados em parte ou integralmente. A dívida, à época, era superior a 2 bilhões de reais.
Uma das peculiaridades do regime é que a existência de ônus reais sobre a matrícula do imóvel, tal como a hipoteca, não impedem sua constituição, a qual se dará por requerimento do incorporador e será averbada na matrícula do imóvel. Ademais, se o incorporador tiver mais de um empreendimento em andamento, e todos estes tiverem constituídos o patrimônio de afetação, em eventual prejuízo de alguma edificação, esta não afetará as demais, ficando o incorporador responsável pelos prejuízos que causar ao patrimônio separado.
O patrimônio afetado não poderá ser dado em garantia a nenhum outro negócio que não seja integralmente destinado à construção. Assim, aceita-se, basicamente, o financiamento para construção da obra, sendo que neste caso, a instituição financeira precisa consentir na possibilidade do incorporador vender unidades antes do término da obra.
Instituindo-se o patrimônio de afetação, o incorporador passa a ter vantagem fiscais, especialmente concedidas pela Lei n.º 10.931/04. Basicamente, conforme os ensinamentos de Hércules Aghiarian (2006), citado por Eduardo Takemi Kataoka (2014), os tributos gerais passam, aproximadamente, da alíquota de 15% para 7% após a averbação do patrimônio separado.
A extinção do regime se dá pela forma natural através da averbação do término da construção ou então através de duas outras possibilidades forçadas: (I) pela desistência da incorporação com restituição dos valores já quitados pelos adquirentes; (II) após deliberação da Assembleia Geral que determine a liquidação do patrimônio.
7. Conclusão:
Analisados os principais pontos da incorporação imobiliária, concluímos que:
· Ela serve para permitir a venda de imóveis que ainda não existam fisicamente;
· Deve ser registrada no Registro de Imóveis do local do empreendimento com o arquivamento de todos os documentos necessários;
· Permite a instituição de patrimônio afetado, o que confere uma garantia jurídica e prática da edificação do projeto, bem como pode permitir redução da carga tributária ao incorporador.
Autor: Eduardo Augusto Schuch (Advogado inscrito na OAB/RS 102.582; Sócio-administrador da APS Advocacia; Pós-graduado em Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral e Notarial pela Universidade de Santa Cruz do Sul em parceria com o Conselho Federal da OAB/ENA).