1 INTRODUÇÃO
A lei 13.105 de 2015 que trata do Código de Processo Civil (CPC) desvenda diversos institutos novos. Muitos destes institutos preexistiam no código de 1973, todavia encontravam-se adormecidos, em desuso ou mesmo sem eficácia. O código vigente trouxe uma roupagem mais dinamizada, abrilhantando organismos esquecidos que podem colaborar na atividade processual, que passa por uma fase precária, haja vista a enxurrada de processos tramitando no poder judiciário sem que tenham seus devidos desfechos no tempo adequado.
A dificuldade atual é conceber que pode haver a suscetibilidade da parte no processo e que são necessários mecanismos para equiparar essas partes, de modo que não haja prejuízo a nenhumas delas. O objetivo é demonstrar que assim como a cláusula geral de negociação é passível de várias situações plausíveis ao direito, a vulnerabilidade é manifestada em diversas circunstâncias e que devem ser identificadas pelo juiz que possui o controle de admissibilidade dessas transações.
É mediante a leitura do paragrafo único do art. 190 do CPC, que se busca fundamentos legais para invalidar esse tipo de mácula processual. Assim, será demonstrado também que existem indicadores da presunção de vulnerabilidade como ocorre com a técnica. Em que ausência do advogado pressupõe vulnerabilidade, também pontuado neste trabalho.
2 Modelo cooperativo de processo e cláusula geral de negociação
Tratando-se de novidade, temos o comprazimento da inserção da cláusula geral de negociação no CPC de 2015, que são os negócios jurídicos processuais atípicos, assim conhecidos doutrinariamente, localizado no art. 190 e parágrafo único do CDC, que autoriza amplamente acordos procedimentais pelas partes no processo, sem a necessária dicção legal. Assim, este instituto em meio a sua benesse no encorajamento de colaboração entre os sujeitos no processo com a estima de obter mais acertada manutenção processual, merece dedicação aos elementos encontrados no dispositivo legal que preconiza algumas observações para que estes negócios sejam legítimos.
A compilação processual possui um corpo principiológico expressamente em seus primeiros dispositivos. Logo no art. 6º do CPC, temos que: “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si (grifo nosso) para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Como seu próprio nome já remete a reflexão acerca da colaboração processual, este modelo cooperativo de processo, possui a mesma intenção de comparticipação das partes para a solução condizente ao processo que pregoa o negócio processual.
Deveras, o referido instituto instiga o magistrado instruir o processo trazendo as partes opinantes a ponderar sobre a melhor saída a ser tomada no litígio e não guarnecê-las de razões para acreditar que um ou outro está prevalecendo nele. Fica evidente que ao revés, este juiz não é apenas ouvinte e julgador, mas deve incitar as partes a dialogarem e construírem em conjunto o encerramento do processo. (MAZOLA, 2015). Letícia Marques Padilha brilhantemente aduz que: “O modelo cooperativo ou colaborativo consiste em um meio termo entre os sistemas inquisitorial e adversarial. Na cooperação nenhum dos sujeitos processuais ganham destaque especial ao longo do procedimento”. (PADILHA, 2016).
Perfeitamente, na dicção do art. 190 e seguinte do CPC é compreensível que não há correspondência de sua verbalização no Código anterior sendo, portanto, uma inovação processual. Esta sistemática adotada pelo atual CPC entende que, para dar sentido a pretensão da negociação no processo, é permitido que as partes em comum acordo modifiquem procedimentos, tanto no trânsito do processo quanto antes de seu início, contudo, apenas quando há viabilidade de autocomposição. É assim compreendida a cláusula geral do negócio processual, o referido artigo contempla indistintamente, todas as condições negociais pelas quais os sujeitos poderão autocompor. Por efeito dessa cláusula geral que são geradas as melhores discussões concernentes a aplicabilidade e sua exequibilidade.
Para Antônio Aurélio Abi Ramia Duarte, a negociação procedimental não significa dizer que seja desnecessário o formalismo processual, uma vez que ele está determinado em lei, designando desde seu exórdio a sua conclusão, o que torna garantido o correto seguimento do processo, além de preservar a ordem jurídica. (DUARTE, 2014, p. 21) Assim a flexibilização proposta pela negociação processual que ocorre tão somente em caso de manifesto interesse das partes, conduz a concepção de que o processo é paritário e democrático. Nessa ocasião os sujeitos amadurecem suas inspirações para que encontrem a melhor finalização do litigio. Igualmente, servirá esta ferramenta de fiscalização do processo, bem como inibe o alvitre desarrazoado do juiz.
Ao concernir a respeito dos Negócios Jurídicos Processuais é indispensável buscar a assistência nos enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), em que no Enunciado de nº 06, tão logo se encontra que: “O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”, desse modo estão alinhados a negociação, a boa-fé e a cooperação no processo.
Isso por que o Código outorgou as partes a autocomposição processual, através da cláusula geral, que deve ser bem compreendida para não ser tomada como dispositivo insipiente. Neste diapasão, Fredie Didier apresenta ainda o conceito de cláusula geral “uma espécie de texto normativo, cujo antecedente (hipótese fática) é composto por termos vagos e o consequente (efeito jurídico) é indeterminado. Há, portanto, uma indeterminação legislativa em ambos os extremos da estrutura lógica normativa”. (BARREIROS, 2011).
3 Classificações dos negócios jurídicos em típicos e atípicos
No Código anterior de 1973 só havia o entendimento de negócios típicos, quando atualmente existem duas classificações, as típicas e atípicas. Preliminarmente, antes de adentrar mais opulentamente na identificação de tais classificações, cabe insistir aduzindo que os negócios jurídicos decorrem da autonomia privada ou da autorregulação de interesses das partes. (CUNHA, 2017). Todavia, essa autodeterminação não incompatibiliza o ordenamento jurídico consolidar a condução de alguns negócios.
Os pactos sobre procedimentos processuais podem ou não deter a expressão legal. Quando há prévia estipulação legal facultando as partes em firmarem acordos no processo dá-se o nome de Negócio processual típico, uma vez que se encontra tipificado em lei. De outro modo são chamados negócios atípicos, o acordo fruto da criatividade das partes que unidas tomaram por justo pactuar da seguinte forma, sem que houvesse dispositivo legal para tanto, por força do que pregoa o art. 190 do CPC.
Assim são chamados os negócios típicos, os pactos originados em razão da norma que atuou na relação contratual dos sujeitos, mas sem perder a essência do instrumento negocial. Frise-se que a tipicidade dos negócios processuais já se encontrava prevista no CPC/1973, em que existiam diversos excertos que faziam menção expressamente a tal atributo, corroborada e dilatada pelo CPC/2015.
4 Pressupostos de validade processual
A discussão pode galgar o campo da licitude dos pactos realizados entre as partes para que estes não tomem rumos distintos ao objeto da negociação processual, que não é de forma alguma a desordem ou em uma linguagem coloquial “a casa da mãe Joana”. Wambier chancela tal afirmativa, quando se posicionou mais fortemente no assunto não assentindo com a negociação desmensurada da seguinte maneira: “Não vigora, ipso facto, o vale tudo processual. O negócio jurídico processual não tem, e nem deve ter, esta extensão”. (WAMBIER et al., 2015, p. 356).
A validade dos negócios jurídicos toma uma proporção considerável a ser trabalhada, pois ainda que reine a ideia da autonomia da vontade, o autorregramento entre as partes, tem que haver legitimidade nessas transações. O direito assume um papel que é seu ao delinear estes acordos. E apesar de soar como uma espécie de limitação às convenções deve ser assimilado como pressupostos para o não acometimento de eventuais ilicitudes.
Nesse sentido aduz Guimarães Tavares (2011) que serão facilmente aplicadas as regras de invalidação aos negócios processuais em duas circunstâncias, são elas: em caso de vício de consentimento, em que são usadas as disposições do CC/02 para sua anulação, bem como na hipótese de haver a vulnerabilidade destacada de algum dos negociantes, também passível de nulidade. Sobre esta vulnerabilidade abarcada pelo autor, será realizada uma reflexão mais memorável do assunto.
Fredie Didier (2015) concebe a ideia que dentro dos pressupostos processuais, existem requisitos de validade que se subdividem em subjetivos e objetivos. Os pressupostos de validade subjetivos referem-se ao juiz – sua competência e imparcialidade, tal como as partes – que devem gozar de capacidade processual, postulatória e legitimidade ad causam. Enquanto que os pressupostos de validade objetivos são distinguidos a partir da ótica extrínseca e intrínseca que não serão reportadas neste tópico dada a sua irrelevância na temática aqui discutida. (DIDIER, 2015, p. 314).
Neste limiar, nada mais adequado que compreender no debate a verbalização do parágrafo único do art. 190 do CPC, que orienta acerca da forma que serão reconhecidas as prováveis invalidades acometidas em termos de negociação processual. O parágrafo dedica ao juiz a incumbência de verificar os acordos firmados, apontar as notáveis invalidades, quanto à capacidade e legitimidade das partes, as configurações do objeto negociado e a forma em sua solenidade.
Marcos Bernardes de Mello (2012, p. 291) ensina que: “A invalidade, em seus diversos graus (=nulidade e anulabilidade), constitui uma sanção que o ordenamento jurídico adota para punir determinadas condutas que, embora integrem suporte fático de ato jurídico, implicam contrariedade a direito”.
Temos que a invalidade engloba a nulidade e anulabilidade do contrato. Neste caso a nulidade reportada pelo diploma legal ocorrerá, v.g. quando insurgir os vícios de consentimento, tal como as convenções contagiadas pela ausência dos requisitos de validade (agente capaz, objeto licito, vontade consentida) passíveis de invalidade.
Quanto ao contrato de adesão, existe a aceitabilidade de sua inserção em negociação processual, este contrato por si só não caracteriza riscos. Entretanto, por tratar-se de uma espécie de contrato pelo qual suas cláusulas são constituídas unilateralmente pode haver disposições abusivas que torne desvantajoso ao aderente. Por esse motivo, trata-se de um motivo de invalidação.
Já no que se refere à vulnerabilidade será destinado um item exclusivamente ao seu desenlace. Despontando no que seria essa vulnerabilidade para a negociação processual, de antemão, verificada a vulnerabilidade da parte o magistrado poderá invalidar o ato.
Finalmente, o entendimento condensado da doutrina sobre a validade negocial através do enunciado de nº 16 do FPPC, pelo qual enfrenta as inquirições sobre o assunto replicando sabidamente nos seguintes termos: “O controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo”.
Veja que mediante interpretação do mencionado enunciado é respondida uma série de indagações que ensejariam às negociações a possibilidade de invalidação. Com efeito, a compreensão dos processualistas foi a mais pacífica, desembaraçando e lecionando basicamente que: salvo configuração de prejuízo as partes, não será necessário invalidar o negócio.
5 A vulnerabilidade processual das partes
Chegamos ao cerne do trabalho pelo qual depreendemos a importância da concepção desse instituto. A figura que evidentemente deve ser atribuída precaução dentro do contexto negocial é o sujeito-parte no processo. Diante das características do contratante que realçam as aspirações de sua vulnerabilidade no ato de assumir compromissos concernentes à tramitação do processo, o que pode culminar na invalidação do negócio.
Ressaltando que essa vulnerabilidade contemplada a ótica do novo CPC, em conformidade com o que Fernanda Tartuce (2016) induz, está amplamente atrelada aos meios de solução de conflito desempenhados na estrutura Judiciária, o que de forma alguma elide a viabilidade de seu uso extrajudicialmente. Sendo assim, essa vulnerabilidade é estudada através da cláusula geral de negociação do CPC, que por seu turno está emparelhada com o Poder Judiciário.
A respeito do estado de plenitude da parte contratante ao promover o negócio processual, desperta a curiosidade da utilidade da discussão, verificada a restrita assistência dos peritos na área processual, pelo menos o que se observa em pesquisa, que não possui doutrinadores abordando o assunto da vulnerabilidade negocial. Na contramão da estatística, Fernanda Tartuce (2016) traduziu a vulnerabilidade no processo, conceituando brilhantemente que:
Vulnerabilidade processual é a suscetibilidade do litigante que o impede de praticar atos processuais em razão de uma limitação pessoal involuntária impossibilidade de atuar pode decorrer de fatores de saúde e/ou de ordem econômica, informacional, técnica ou organizacional de caráter permanente ou provisório.
Como visto, a vulnerabilidade não é uma circunstãncia anômala no processo. Pelo contrário, em face de seus diversos emolduramos é nitidamente verificada a dificuldade de reconhecimento pelo magistrado. Existem ocasiões pelas quais a vulnerabilidade está escancarada. No caso da vulnerabilidade econômica, por exemplo, não é difícil encontrar negociantes com condições financeiras manifestamente destoantes. Também nas demais hipóteses de vulnerabilidade, encontramos diferenças marcantes para contratação.
Cabe acentuar que a vulnerabilidade esposada pela cláusula geral se entrever objetivamente na expressão legal quando o sujeito está suscetível de desvantagem. No art. 190 do CPC está verbalizado que essa vulnerabilidade é manifesta, ou seja, deve ser analisado o caso em concreto para se aferir desequilíbrio contratual. (TAVARES, 2016).
Essa vulnerabilidade pode ser idealizada como presumível tanto de modo relativa como absolutamente, é atribuição do magistrado taxativamente ponderar sobre a potencial prejudicialidade processual ao individuo, arbitrando, conforme o caso específico, devido a sua vulnerabilidade a invalidação do negócio.
O juiz de forma assecuratória tem o papel de identificar quando há indícios de prejuízo ao sujeito contratante, essa administração deve ser realizada por meio de “deduções feitas pela lei, ou pelo aplicador do direito, que partem de um fato conhecido para chegar a algo desconhecido”. (TARTUCE, 2015, p. 2012).
Na contramão desse pensamento, Guimarães Tavares (2011) expõe que, em virtude dessa vulnerabilidade ser distinguida particularmente, não caberia tão logo presumir que o consumidor ou mesmo o empregado é parte vulnerável. Parafraseando o autor, este acrescenta que da leitura do art. 4º, inciso I, do CDC, que proclama o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo” não diz respeito a regra, mas um principio que deve ser analisado em consonância com a estrutura tangível do acontecimento.
Pessoalmente, com todo o respeito a percepção do autor, mas esse pensamento torna o magistrado imprescindível até mesmo quando a lei determina o tratamento desigual, dada a desigualdade demonstrada no processo. É como se o juiz tivesse de verificar se o idoso tem ou não condições de aguardar o trâmite processual, já que aparentemente não possui nenhuma debilidade.
Na verdade, para caracterização da vulnerabilidade no processo, é imprescindível considerar o estado em que cada parte se encontra no litígio, tal como denotar critérios práticos para fixação e reconhecimento da potencial vulnerabilidade. (TARTUCE, 2017). É claro que essa função ficará destinada ao juiz da causa, bem como a jurisprudência.
De forma objetiva, tem-se a partir da leitura do enunciado nº 18 do FPPC, que a parte que não estiver representada por seu advogado, por exemplo, estará manifestamente vulnerável por não deter conhecimento jurídico acerca do processo. De toda sorte, é concebível que geralmente a parte que não estiver sob a assistência de um advogado, estará fadada a desvantagem contratual, sendo factível sua vulnerabilidade.
6 A vulnerabilidade negocial e o consumidor
Um dos manifestos sujeitos no processo que carece de amparo é a figura do consumidor. É com base no fundamento dessa proteção pregoada que é emanado o princípio da vulnerabilidade, que se expande e repercute seus efeitos em todo cenário jurídico, inclusive na seara processual civil. O consumidor precisa do reconhecimento de sua vulnerabilidade para ser amparado face as eventuais condutas despóticas do fornecedor de produto ou serviço. Nesse sentido Rizzatto Nunes (2009, p. 129) leciona que: “Tal reconhecimento é uma primeira medida de realização da isonomia garantida na Constituição Federal. Significa ele que o consumidor é a parte mais fraca da relação jurídica de consumo”.
Mas o que é vulnerabilidade para os doutrinadores do direito consumerista? Claudia Lima Marques (2010, p. 84), explica que a vulnerabilidade quer dizer: “uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção”.
A vulnerabilidade do consumidor, foi verificada pela própria Constituição da República que reconhece que em face da exiguidade de guarida e segurança nas relações de consumo ensejada por esse personagem, é preciso uma postura mais incrementada e um posicionamento mais resistente do Estado.
Note que essa inferioridade torna a parte vulnerável para negócios, principalmente no âmbito processual. O Código de Defesa do Consumidor busca equilibrar essa relação contratual consagrando na Politica Nacional das Relações de Consumo o princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo dicção do art. 4º, inciso I do CDC[1].
Retomando o debate sobre a presunção da vulnerabilidade, identifica-se que se deve observar na concepção do ilustre professor Roberto Senise Lisboa (Apud TARTUCE, 2015, p.212), em sua abordagem que o consumidor é absolutamente presumível como vulnerável, entretanto na própria leitura do Código de Defesa do consumidor encontra-se sua delimitação espacial em que se encontra essa fragilidade consumerista.
Contudo, essa vulnerabilidade não deve ser confundida com a hipossuficiência manifestada pelo consumidor. Nesse sentido, tem-se que as razões que diferem a vulnerabilidade da hipossuficiência são basicamente a atenção depositada por cada instituto. O primeiro é genérico e presumido, pois como já visto, todo consumidor é vulnerável, enquanto que o segundo se apresenta de modo mais acentuado e deve ser verificado individualmente, conforme a dificuldade do consumidor técnica e financeiramente perante o processo. (MANASSÉS, 2013). Assim, Fernanda Tartuce elucida que:
O consumidor é vulnerável por sua debilidade – sobretudo de informações – em comparação ao fornecedor; contudo, para fazer jus ao mecanismo facilitador de inversão do ônus da prova no processo, o CDC exige a demonstração de que, além de frágil, o litigante é tecnicamente hipossuficiente a ponto de não ter condições de se desincumbir da produção probatória. (TARTUCE, 2016).
Entendida a diferenciação acima, vislumbra-se que no direito processual, existem determinados procedimentos que são complexos de serem realizados pela parte hipossuficiente, como no caso do ônus probatório (TARTUCE; NEVES, 2014, p.45), imagine que existe documentos que o consumidor não tem a guarda, pertencendo então a empresa demandada provar em juízo, em face da inversão do ônus da prova, trata-se da dificuldade técnica do consumidor. Tem ainda a hipótese do consumidor não possuir condições de arcar com as custas e despesas eventuais advindas do processo, configurando assim a adversidade econômica vivenciada por ele.
Existem estipulações contratuais seguramente vedadas por trazerem manifestos desequilíbrios ao negócio pactuado entre as partes. Esse seria o caso do negócio jurídico processual que trouxesse a título de cláusula contratual o rateio de custas processuais, ainda que sucumbenciais, o que pode ser totalmente inviável ao consumidor ou conjecturar que o consumidor teria que provar a adesão de um serviço, entenda que para empresa contratada é mais fácil, tendo em vista que esse instrumento contratual fica em sua posse junto com documentos relevantes ao contrato.
Na seara do Direito do Consumidor, dificilmente vê-se a discussão prévia entre as partes acerca das disposições contidas na ocasião da firmação de um contrato, pelo contrário, na maioria dos casos, estas cláusulas já estão antecipadamente articuladas no instrumento contratual, que detém toda relação negocial que será mantida entre o consumidor e fornecedor. A esse tipo de contrato dá-se o nome de contrato de adesão ou por adesão, que como se pode notar claramente sua tendência para cláusulas abusivas.
A cláusula abusiva constante no instrumento contratual de adesão é nociva ao contratante e ela decorre da inobservância de princípios contratuais, que são chamados de sociais (LOBO, 2012, p. 67), pois buscam promover a justiça no instrumento negocial, solucionando esse tipo ocorrência mediante normas que estabeleçam a interpretação mais favorável ao aderente (art. 423 do Código Civil) ou ao consumidor (art. 47 do Código de Defesa do Consumidor – serve o dispositivo a qualquer natureza de contrato) ou mesmo, outorgando ao aderente a sua renuncia antecipada quando de sua manifestação (art. 424 do CC), é o princípio da equivalência material aplicado tanto na norma civil quanto consumerista. Deve haver equilíbrio e paridade de forças no contrato.
Diante da patente problemática aqui desnudada encontra-se o objetivo do conteúdo assecuratório do parágrafo único do art. 190 do CPC que traduz a precisão da aplicação pelo juiz de nulidade aos negócios que tenham a inserção de cláusula abusiva em contrato de adesão ou na ocorrência em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
7 A capacidade como parâmetro de vulnerabilidade
Consoante o entendimento da doutrina majoritária, para que haja o correto andamento do processo é um pressuposto processual que as partes litigantes tenham capacidade, que deve ser preenchida em seus três sentidos: de ser parte, de estar em juízo e postulatória. (CÂMARA, 2016, p. 47). Todavia a ausência desse pressuposto não obstará, em curto prazo, o arquivamento do processo, mas de outro modo, o juiz deve tentar sanar a irregularidade, por força do art. 76 do CPC[2]. Somente em caso do não atendimento as perquirições do magistrado para reparar as máculas processuais correspondentes à capacidade que será inadmissível o processo.
A cláusula geral de negociação do CPC edifica que é licito as partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento. Esta plenitude esposada traz dúvidas quanto a sua estirpe se se trata da material ou processual. Dentro do plano da validade descortinado pelo professor Fredie Didier (2016, p. 386), é idealizada a vulnerabilidade como presunção de incapacidade processual negocial[3]. O autor aduz que a parte pode apresentar-se como incapaz civil e capaz processualmente[4], pode haver situações em que as capacidades materiais e processuais não sejam simultâneas, é claro que para realizar as convenções sobre procedimentos no processo, é coerente que deva haver a capacidade processual para sua solenidade.
Em oposição as concepções dos autores acima, Fernando Gajardoni (et al., 2015, p. 1242) ao realizar comentários acerca do art. 190 do CPC, exterioriza que dado o seu conteúdo legal, que indica que é licito as partes plenamente capazes a celebração de negócio jurídico processual, apenas são admissíveis as convenções processuais realizados por sujeitos capazes plenos.
O ilustre jurista rememora a capacidade de contratar do Código Civil em seu artigo 851, articulando com a capacidade material dada pelo mesmo código. Indicou ainda, que embora assistidas ou representadas, deve haver o acondicionamento jurídico do incapaz, mesmo processual, justificado pela própria lei que adequa o compromisso de convenção por partes plenamente capazes, ou seja, “que não estejam a depender de interposta pessoa para o exercício de seus direitos processuais (capacidade ad processum)”. (GARJADONI et al., 2015, p. 1242).
Fredie Didier (2016, p. 385) verbaliza sua opinião de forma límpida quando afirma que: “Incapazes não podem celebrar negócios processuais sozinhos. Mas se estiver devidamente representado, não há qualquer impedimento para que o incapaz celebre um negócio processual”. Apontando dessa forma, que esta incapacidade é processual e que com a devida legitimação legal, tem-se não há óbice para negociação processual.
Contudo, depois de identificar alguns pontos controvertidos sobre a capacidade plena para doutrina, o apogeu desse tópico encontra-se na distinção realizada por Fredie Didier acerca da vulnerabilidade na incapacidade processual negocial e a incapacidade processual. É o momento da discussão da capacidade negocial que é fragmento da capacidade processual.
Fredie Didier (2016, p. 385) elucida que: “a vulnerabilidade é caso de incapacidade processual negocial”. O ilustre doutrinador utiliza-se do exemplo do consumidor, que hipoteticamente em gozo de sua capacidade processual, não possui a processual negocial, sendo, portanto, incapaz. Pois como já discutido anteriormente o consumidor é absolutamente presumível como vulnerável, sendo então perceptível considerar que esta figura é incapaz processual negocial.
É claro que essa incapacidade processual negocial fica mais evidente quando tratada pelo condão da hipossuficiência, em que no rol de hipossuficientes são depositadas as figuras do idoso, do consumidor, do pobre na forma da lei, entre outros. Vê-se que haverá acordos processuais impraticáveis por esses vulneráveis ou/e hipossuficientes, tornando-os incapazes processuais negociais.
Daí permeia a dúvida, aprioristicamente deve ser anulado o negócio processual realizado por incapaz processual negocial? Se partirmos da compreensão de Didier, acima narrada, é imprescindível identificar que a capacidade plena do art. 190 do CPC está relacionada a capacidade processual geral, enquanto que a absorção da capacidade processual negocial prefere ser analisada pelo espeque das invalidades do parágrafo único do mesmo artigo.
8 Papel do juiz como avalizador das negociações processuais
A flexibilização processual por meio da negociação é uma conquista para o processo, principalmente em relação à vedação do autoritarismo do Estado-juiz. No entanto, esse mesmo magistrado possui uma função primorosa perante essas negociações.
A atividade judicial perante a negociação processual será de fiscalização dessas convenções firmadas entre as partes, de modo a impedir eventuais disparidades contratuais, realizando o que naturalmente é feito com a petição inicial, realizasse o juízo de admissibilidade, verificando suas condições (a viabilidade do acordo), bem como seus pressupostos.
A negociação processual poderá ser otimizada pelas partes normalmente sem a participação do magistrado, mas é facultado ao juiz colaborar na negociação sugerindo formas legais de autocomposição, já que passa por seu crivo. O art. 190 do CPC assinala o manejo judicial do negócio que ocorrerá mediante requerimento ou mesmo de oficio pelo juiz ao perceber a carência de validade processual negocial. Não é delimitado o momento desse controle, se é antecedente ou incidental, o que enseja dizer que pode ser realizado em qualquer ocasião em que observado o negócio viciado, mas se atentando a preclusão e o princípio da vedação a não-surpresa[5]. (BANDEIRA, 2017).
O juiz é o interprete da situação jurídica conferida a sua apreciação e ficará a cargo da jurisdição a inspeção dos negócios processuais firmados, como igualmente é o juiz que verificará se as partes no momento da celebração das convenções estavam em um estado isonômico. Os sujeitos devem compartilhar dos atributos necessários para negociar, são os requisitos de validade.
Por força do que disciplina o parágrafo único do art. 190 caberá ao juiz tornar invalido os negócios firmados em que forem verificadas a cláusula abusiva em contrato de adesão e a manifesta vulnerabilidade entre as partes, entretanto, ainda que não houvesse a expressão legal, os princípios norteadores do ordenamento jurídico teriam a qualidade de chamar para jurisdição essa função. Seria o caso da boa-fé objetiva entre as partes, justiça contratual, proporcionalidade, razoabilidade, função social, paridade e igualdade, são alguns dos muitos preceitos que demonstram a importância da subordinação às regras cujo policiamento ocorre por meio da jurisdição.
O contrato de adesão é preenchido de disposições unilaterais pelas quais o contratante poderá ficar designado ao dano. Como a pretensão da negociação é justamente afastar eventual malefício processual as partes, o juiz tem, desta maneira, a incumbência de vetá-la tão logo sabida.
Por meio dessa atribuição jurisdicional que se atinge a garantia de um negócio confiável. Desta forma, quando indagado acerca da possibilidade de negociação com o sujeito vulnerável, constata-se que, de modo geral, não há empecilhos para que se sucedam tais contratações processuais, como por exemplo, na circunstância em que haja uma demanda consumerista ou trabalhista. (DIDIER, 2016, p. 386).
Para tanto, na hipótese de convenções em que haja vulnerável, deve se aferir que a negociação procedeu em situação de igualdade; caso não, será recusada a eficácia ao negócio. De acordo com o que estipula o parágrafo único do art. 190 em incentivo ao que prediz o art. 7º e o art. 139, inciso I do CPC, que coloca como prioridade a igualdade das partes sob o zelo do juiz. (DIDIER, 2016, p. 386).
Fernanda Tartuce (2016) ao citar os autores Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, observa que: “o legislador e o juiz são obrigados a estabelecer as discriminações necessárias para garantir a participação igualitária das partes; em seu sentir, isso deve se verificar não só em caso de dificuldades técnicas, mas também em casos de dificuldade pela situação de direito material”.
A talentosa doutora avalia que a omissão no CPC do princípio da igualdade de tratamento, tal como o contraditório, não destitui a função do juiz de analisar no decorrer do processo a hipótese de vulnerabilidade apresentada pelo negociante. Existem preceitos normativos que protegem o litigante vulnerável, com o propósito de beneficiá-lo, dissipando as causas de fragilidade do contratante que atuam como empecilhos processuais, independentemente da previsão de vulnerabilidade neste CPC. E é atividade do juiz a aplicação desses institutos jurídicos. (TARTUCE, 2016).
O magistrado exerce o controle amplo de jurisdição sob os negócios jurídicos processuais, consequentemente fica comissionado a não se obstar de fundamentar, nestes casos, extensivamente. (TAVARES, 2011). Assim, para preservar sua imparcialidade e retidão não deve se desvencilhar dos fatos genuínos sua concepção e exiguidade das partes, sendo assim se o juiz se desprender da realidade não terá habilidade de resolver o litígio. (DUARTE, 2014, p. 21).
9 A figura do advogado como pressuposto de insuscetibilidade da parte
A presença do advogado no CPC está em evidência através de dispositivos que transmitem sua importância. O causídico é um profissional determinante no processo e fica cada vez mais notável a situação pela qual as partes litigantes precisam do fornecimento de assistência jurídica.
A razão de ser deste tópico está no enunciado de nº 18 do FPPC, que diz que haverá indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica. A partir da interpretação do enunciado se compreende que a ausência do advogado na ocasião da formulação negocial entre as partes enseja dizer que há fragilidade por parte do sujeito não assistido pelo seu patrocinador.
Depreende-se que a ausência do advogado pressupõe a vulnerabilidade técnica-jurídica do contratante, todavia consoante o enunciado, existe uma suposta debilidade negocial. Também dependerá da outra parte negociante, devem ser analisados os atributos das partes para se concluir acerca dessa vulnerabilidade.
Veja que se cuida de vulnerabilidade técnica-jurídica, esta que naturalmente os operadores do direito se predispõe a ter, a parte se reveste de capacidade negocial quando estiver representada pelo advogado.
Entretanto, não quer dizer que o contrário do enunciado seja coerente, uma vez que nem sempre a parte que possui procurador legal deixará de ser vulnerável, é a situação do consumidor. Tampouco esse fato retirará a sua patente hipossuficiência, já que a vulnerabilidade possui tipificações. Neste sentido o individuo que possui advogado se encontrará assistido juridicamente, mas poderá deter outras espécies de vulnerabilidade como a econômica ou técnica. (MARQUES, 2010, p. 94).
As convenções poderão ser efetuadas tanto de modo judicial, incidente ao processo. Devendo nessa situação ficar adstrito aos requisitos processuais para não ensejar sua invalidação. Na transação judicial há inconsistência de representação por advogados de mesmo escritório as partes litigantes. Existe também a hipótese de convenções extrajudiciais, firmadas antes mesmo do ajuizamento da ação, antecedentemente. Aqui, não são necessários que estejam presentes as condições de validade do processo, o que acaba ou outorgar a celebração de contratos processuais sem a presença de advogado. (BANDEIRA, 2017)
Neste sentido também aduz o magistrado Carlos Adriano Miranda Bandeira (2017) indica que nessas transações extrajudiciais é plausível a desnecessidade de advogado na pactuação de negociação processual. Acrescenta o magistrado, que inclusive a jurisprudência do STJ tem entendido que v.g. nas convenções de arbitragem é permitido “o tratamento diferenciado a se dar ao mesmo tipo de negócio processual envolvendo parte vulnerável [...]”.
Fernanda Tartuce (2017) chama a atenção para as convenções que cuidem da inversão do ônus da prova ou o declínio de faculdades processuais, identificando fortemente que ainda na negociação processual antecedente a vulnerabilidade do individuo não assistido persiste.
Ainda no que toca o prejuízo do vulnerável processual, não representado em juízo, é indiscutível que comprometerá sua atuação no processo, sendo assim a melhor solução na hipótese da ausência de proteção, seria através de advogado ad hoc, defensor público (quando em tramite o processo) ou o próprio juiz desempenhando sua função fiscalizatória suprima eventuais abusividades sem abonar sua parcialidade.
10 Conclusão
A negociação processual é um tema apaixonante e ao mesmo tempo instigante, em verdade toda ferramenta incluída no processo que sirva de apoio para o desenvolvimento processual é bem-vinda. Esse trabalho demonstra a dinamização do instituto da negociação, dialogando com outras fontes e o principal, evidencia que o processo requer a colaboração das partes para construção de uma solução adequada a demanda.
Este instituto é uma tendência na ação judicial, em virtude dos benefícios que busca proporcionar as partes, ou mesmo vantagem particular; a liberdade de auto disposição processual, configura-se, a curto prazo, momentos de tréguas no litígio e fragmentos conciliatórios das partes, o que sugere sucesso no desfecho da marcha processual.
Na ocorrência de prejuízo a parte que se apresenta como vulnerável, deve haver um instrumento de reparação, a não ser que preventivamente, é o que se busca interiorizar, o juiz como avalizador da negociação evite que a negociação tome proporções desinteressantes no contexto processual seja qual for das partes.
O resultado de toda pesquisa trouxe a percepção que a negociação, tanto antecedente quanto incidentalmente ao processo necessitam de cuidados quanto as condições das partes contratantes, de modo que estas estejam integralmente hábil para negociar.
[1] Lei 8.078 de 11 de setembro de 1978. “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.
[2] Lei 13.105 de 2015. Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.
[3] “A questão da vulnerabilidade é tema tratado, por alguns autores, como causa de incapacidade processual negocial. A capacidade “negocial”, construção doutrinária, consiste em categoria distinta da capacidade em sentido comum. Assim, é possível falar em capacidade material negocial e capacidade processual negocial”. (TAVARES, 2011).
[4] Aqui o autor utiliza o exemplo o incapaz menor de dezesseis anos, que tem capacidade processual para a ação popular, apesar de não possuir capacidade civil plena. (DIDIER, 2016, p. 386).
[5] Lei 13.105 de 2015. Art. 9º. Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.