Introdução:
Esse artigo tem como meta elucidar aspectos da relação entre o médico e seu paciente, no que se refere ao dever de estrita observância dos princípios da transparência e do consentimento informado pelas partes. Tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor, os dois princípios são basilares para a referida relação.
Princípios e Normas:
Os princípios são importantíssimos para a Ciência do Direito. São eles que direcionam, ou pelo menos deveriam direcionar, a criação de novas normas e a interpretação das já eficazes e válidas. Sobre a diferenciação entre normas e princípios se pronuncia Alexy: “o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são mandados de otimização enquanto que as regras têm o caráter de mandados definitivos.” [01]
O autor alemão explica o que seriam os mandados de otimização:
E como mandados de otimização os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, conforme as possibilidades jurídicas e fáticas. Isto significa que podem ser satisfeitos em diferentes graus e que a medida da sua satisfação depende não apenas das possibilidades fáticas mas também das jurídicas, que estão determinadas não apenas por regras, mas também por princípios opostos. [02]
Por meio da declaração de Alexy é possível depreender que os princípios são ferramentas que devem nortear o direito. Eles não são absolutos, podendo ser utilizados em maior ou menor grau, conforme o caso concreto, mas não devem ser esquecidos pelos operadores do direito.
Trataremos, nesse breve artigo, dos princípios de fundamental importância no contrato médico: a transparência e o consentimento eficaz.
Difícil seria admitir a validade de um contrato sem a estrita observância dos princípios a seguir expostos.
Transparência e Consentimento Informado
De acordo com o Dicionário Aurélio, transparente é o “que, deixando-se atravessar pela luz, permite distinguir nitidamente os objetos através de sua espessura”. [03] Esse é o significado que, adaptado à Ciência do Direito, deverá ser buscado nos contratos médicos. Toda informação deverá ser prestada para que o paciente seja capaz de dar um consentimento eficaz e o médico de apreender todas as informações importantes para um possível procedimento.
Como dito acima, a transparência não é exigida somente do profissional da medicina. O paciente tem o dever de informar todos os detalhes relevantes da sua saúde.
Por meio das informações obtidas do paciente, Achával dispõe que o médico tem que ser capaz de responder os seguintes questionamentos: o quê, quando, em quem e como. [04]
Apesar disso, é fundamental a observância do princípio pelo facultativo, uma vez que é ele que detém o conhecimento específico, ele é quem saberá a importância e necessidade de cada informação, possuindo, ainda, os meios de descobrir as informações que deseja através de exames e procedimentos similares.
Essa obrigação de atuar conforme governa o princípio da transparência já era apontada na metade do século passado pela a jurisprudência francesa nos seguintes termos:
Pesa sobre o médico e sobre as clínicas, uma obrigação contratual, isto é, a necessidade do contrato médico compactuado entre o enfermo e o médico, de dar a vítima uma informação inteligível e leal das condições em que a operação será preparada e executada. [05]
Entendendo essa importância, o Código de Ética Médica, em seu art. 22, trata como dever do médico a informação ao paciente. Fabian dispõe sobre essa informação:
O médico deve esclarecer sobre a forma da intervenção e sobre aqueles riscos da intervenção, que não ficarem completamente fora da probabilidade. Para a probabilidade do risco não importa alguma estatística, é preciso informar sobre aqueles riscos raros que podem se realizar especificamente no tratamento. O paciente também deve saber os efeitos colaterais do tratamento. Quando o tratamento pode causar dores fortes, o médico deve informar sobre elas. [06]
O autor Achával revela a importância da informação completa, que não poderá se limitar a declaração do nome do procedimento a ser seguido pelo médico. Será necessário que se diga a maneira como será realizado, além das informações referentes aos riscos, ao pós-operatório, efeitos colaterais, entre outros detalhes importantes para o paciente.
Fabian reforça que “na fase pré-contratual, o fornecedor tem de informar praticamente sobre todo fato que tem importância para a escolha do consumidor.” [07]
Muito mais do que o dever de informar, o princípio da transparência impõe diretrizes de como a informação deve ser repassada, a qualidade e quantidade. A observação desse princípio é fundamental para alcançar o consentimento informado, ou seja, o consentimento eficaz, do médico e principalmente do paciente.
A importância do dever de informar majora nos contratos médicos na especialidade cirúrgica. Isso porque os procedimentos cirúrgicos envolvem muitos riscos e, dependendo do caso, o paciente poderá preferir permanecer com o incômodo a correr um risco muito elevado.
A perfeita ponderação, por parte do paciente, sobre os benefícios e os riscos somente poderá ser alcançada sobre a égide do princípio da transparência. Sobre isso trata Ghersi:
Como já assinalamos no ordenamento jurídico contratual, a relação jurídica do serviço profissional médico é um contrato de confiança e de acordo com sua tipicidade é uma prestação de serviço, cuja uma de suas obrigações é a devida e adequada informação ao cliente ou aos seus familiares para que estes, ou aquele, possam tomar uma decisão pensada, meditada e racional. [08]
Nas palavras de Fabian, a transparência jurídica assegura que o consumidor possa formar e manifestar livremente sua vontade negocial. Somente fazendo uso dessa maneira de informar é que o paciente poderá fornecer o consentimento eficaz ou consentimento informado, como já explicitado.
Podemos conceituar o consentimento informado de acordo com Giostri:
Consentimento informado é aquele consentimento dado por um indivíduo capaz, que recebeu a informação necessária, que compreendeu adequadamente e que após analisá-la e fazer suas considerações, chegou a uma decisão sem ter sido submetido à coação, à influência indevida, à indução ou à intimidação de qualquer gênero. [09]
De acordo com Achával, “devemos interpretar o consentimento como uma coincidência na realização de um meio que se julga adequado para o fim desejado por ambos, o médico e o paciente.” [10]
O mesmo autor atenta sobre a maneira em que a informação deve ser prestada ao paciente:
A informação ao paciente deve ser dada pelo médico como uma forma de comunicação, isto é, um intercâmbio – vocábulo que nos dá o significado de uma possibilidade mútua de compreensão – de atos, idéias próprias ou alheias, que fazem a circunstancia do diagnóstico e da terapia do paciente, tanto como a seu estado emocional.
[o médico] Deve saber escutar, porque não é um monólogo nem uma conferencia, e sim um diálogo administrado com paciência e controle até o fim. [11]
É imprescindível a observância, pelo médico, do que Achával descreve como intercâmbio. Não basta que o profissional descreva o procedimento em sua totalidade e revele todos os riscos. É preciso que haja uma efetiva comunicação entre as partes. O médico deverá dar ao paciente a oportunidade de fazer perguntas e ponderações e se certificar que o paciente está conseguindo absorver tudo que lhe é elucidado.
Mesmo posicionamento de Giostri:
Importante observar que até o nível de compreensão do paciente deve ser analisado no momento de prestar-lhe as informações devidas, pois a extensão da obrigação de informar sobre os riscos ou a modalidade de informação podem variar de acordo com a capacidade cognitiva do paciente ou mesmo com sua personalidade e comportamento. [12]
Para Fabian “o consentimento é somente eficaz quando o paciente souber a que tratamento ele deu o seu consentimento. O consentimento pressupõe o conhecimento. Um consentimento sem informação anterior é ineficaz, mesmo se o tratamento fosse lege artis.” [13] (FABIAN, 2002).
Há casos, contudo, em que o paciente não poderá exteriorizar seu consentimento. O fato ocorre quando o paciente é civilmente incapaz para fazê-lo, ou quando a gravidade e urgência da situação impedem essa exteriorização. Sobre isso trata Caio Mário com as seguintes palavras:
Em face do consentimento do cliente, é de ver se este era pessoa consciente e responsável e foi devidamente esclarecido sobre os efeitos do tratamento e dos riscos, agravando-se a deliberação do médico se obteve a anuência sem os interessados estarem devidamente esclarecidos. [14]
Por fim, Achával decreta que “o consentimento é uma garantia da liberdade do paciente para escolher.” [15]
Conclusão:
Embora o contrato médico esteja sob a influência de inúmeros princípios, é indiscutível que o princípio da transparência e o do consentimento informado estão entre os mais importantes.
Caso o paciente oculte informações relevantes sobre a sua saúde, o facultativo poderá responsabilizá-lo em caso de dano. O mesmo vale para o médico que omita riscos e demais informações importantes sobre o procedimento a ser adotado.
Somente poderá se considerar que uma parte optou por uma atitude, a partir do momento que ela estava consciente de todos os dados necessários, caso contrário, tudo não passaria de uma aposta. E nesse caso uma aposta com risco de morte.