1) INTRODUÇÃO
Os Tribunais de Contas Estaduais são órgãos de controles que emitem Pareceres Prévios quanto às contas dos Chefes dos Executivos de sua área de fiscalização bem como julgam as contas dos demais administradores de recursos público dentro de seus limites territoriais. Estes órgãos utilizam de técnicas jurídicas para embasarem suas manifestações, devendo sempre observar o Ordenamento Jurídico e os Princípios Constitucionais. Assim sendo, o presente trabalho pretende se debruçar sobre uma possível inobservância do Gasto Mínimo Constitucional em face de possível responsabilização do Chefe do respectivo Poder Executivo. Utilizar-se-á a Constituição Federal como base jurídica bem como entendimentos do STF, do STJ e de Tribunais de Contas Estaduais.
O problema de pesquisa a ser trabalhado será da possibilidade de os Tribunais de Contas Estaduais não proporem, em seus Pareces Prévios, a rejeição das contas dos Chefes dos Executivos sob sua fiscalização – Prefeitos e Governadores – a depender do caso concreto em especial quando houver índices educacionais favoráveis ou em respeito a Princípios como o da Razoabilidade.
Como objetivo geral, pretende-se verificar a possibilidade da não responsabilização dos Chefes dos Executivos que deixaram de cumprir o gasto mínimo em educação, porém, conseguiram manter a educação em patamares desejáveis – de acordo com indicadores previamente estabelecidos, como o IDEB – ou que deixaram de cumprir tal norma, porém, em um percentual razoavelmente pequeno. Os objetivos específicos serão: (a) Analisar os Tribunais de Contas Estaduais bem como sua natureza; (b) Analisar a emissão de Pareces Prévios por parte destas Cortes; (c) Apresentar o Mínimo Constitucional em Educação; (d) Realizar reflexão acerca do princípio da eficiência no contexto do tema desta obra; e, (e) Verificar a possibilidade de se mitigar o Mínimo Constitucional em Educação.
A presente obra se justifica por ser politicamente relevante de forma que os Tribunais de Contas poderão fornecer prover informação técnica às casas legislativas que não desabonem a conduta dos Chefes dos Executivos – Governadores e Prefeitos – em caso de inobservância do Mínimo Constitucional em Educação em alguns casos que não seja razoável exigir o cumprimento desta norma ou quando os resultados educacionais sejam considerados satisfatórios. Deste modo, os Pareceres Prévios não macularão as condutas dos Chefes dos Poderes Executivos Estaduais ou Municipais indevidamente.
Metodologicamente, utilizar-se-á pesquisa de legislação que guarde pertinência temática com o tema escolhido bem como decisões dos Tribunais Superiores e das Cortes de Contas. Pelo exposto neste parágrafo, será possível compreender a existência de casos em que a inobservância da Norma Constitucional que exige gasto mínimo na seara da educação terá o condão de gerar Parecer Prévio pela aprovação das Contas dos Chefes dos respectivos Prefeitos ou Governadores.
O desenvolvimento subdividir-se-á em 5 capítulos. O primeiro deles, tratará dos Tribunais de Contas, sua natureza bem como base jurídica. Em segundo lugar, tratar-se-á dos Pareceres Prévios emitidos pelas Egrégias Cortes de Contas demonstrando-se sua dinâmica junto ao Legislativo respectivo. O capítulo seguinte tratará da Norma Constitucional que exige gasto mínimo em educação pelos Entes Federativos. O penúltimo capítulo, por sua vez, tratará do princípio da eficiência sob a ótica da seara da educação. Por fim, no quinto capítulo discorrer-se-á acerca de casos em que é possível a mitigação do Mínimo Constitucional em Educação.
2) DESENVOLVIMENTO
a) Os Tribunais de Contas Estaduais
Os Tribunais de Contas Estaduais são órgãos de fiscalização que auxiliam o Legislativo, conforme ensinamento de Britto (2002)[1], apesar de não estarem hierarquicamente subordinados o legislativo – nem aos demais poderes - sendo, pois, instituição autônoma. Dessa forma, continua Britto (2002)[2], os Tribunais de Contas Estaduais fiscalizam os órgãos dentro de sua esfera de competência, julgando as contas dos administradores de recursos públicos.
Faz-se mister ressaltar que por força do Art. 49, IX, CF (1988)[3], o Legislativo é quem julga as contas do Chefe do Executivo Federal. Esta norma é reproduzida nas Constituições Estaduais por força do Art. 75 – Princípio da Simetria - da Constituição Federal do Brasil (1988)[4]. No que se refere aos Chefes dos Executivos, os Tribunais de Contas apreciam suas contas, submetendo seus Pareceres Prévios aos respectivos legislativos, como aponta Chamoun (2017)[5], ao analisar que não haverá julgamento das contas do chefe do executivo, pelo legislativo, sem que antes seja emitida opinião especializada por parte do Tribunal de Contas Estadual.
Desse modo, é necessário analisar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – nº 849 MT, que diferencia os incisos I e II do art. 71 da Constituição Federal (1988). O inciso I dá ao Tribunal de Contas da União – o que é transportado aos Tribunais de Contas Estaduais nas respectivas Constituições dos Entes Federativos – a possibilidade de apreciar as contas do chefe do executivo, mediante Parecer Prévio enquanto o inciso II permite ao referido órgão fiscalizador julgar as contas de administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração pública. A ementa segue abaixo:
[...]
É clara a distinção entre a do art. 71, I – de apreciar e emitir Parecer Prévio sobre as contas do Chefe do Poder Executivo, a serem julgadas pelo Legislativo – e a do art. 71, II – de julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, entre eles os dos órgãos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. II. A diversidade entre as duas competências, além de manifesta, é tradicional, sempre restrita a competência do Poder Legislativo para o julgamento das contas gerais da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, precedidas de Parecer Prévio do Tribunal de Contas: cuida-se de sistema especial adstrito às contas do Chefe do Governo, que não as presta unicamente como chefe de um dos Poderes, mas como responsável geral pela execução orçamentária.[6]
Isto posto percebe-se haver diferença entre a prestação de contas dos chefes do executivo das contas prestadas pelos demais administradores públicos, o que é corroborado por entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ – em sede de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (ROMS) nº 11.060 que assim diz:
[...]
O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, estados, DF e municípios). Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, 1 cic. 49, IX da CF/88).[7]
É importante, pois, ter a compreensão que os Tribunais de Contas estão condicionados a análises de ordem técnico-jurídica, conforme leciona Britto (2002)[8], enquanto o julgamento das contas dos Chefes dos Executivos por seus respectivos Legislativos se dá por critério subjetivo de conveniência e oportunidade.
No que se refere à natureza dos Tribunais de Contas, muitos afirmam ser é tribunal eminentemente de caráter administrativo, como aponta Britto (2002)[9], porém, o autor reconhece que esta Corte tem seu regime jurídico previsto quase que totalmente no corpo da Constituição. Assim sendo, segue o autor, percebe-se que os Tribunais de Contas foram previstos pelo legislador originário. Dessarte, assevera o autor que em virtude de os Tribunais de Contas terem boa parte de seu escopo na Constituição, estes Órgãos têm a possibilidade de analisar as Contas dos Administradores Públicos – julgando as contas dos ordenadores e, no que tange aos prefeitos, emitindo pareceres destinados às respectivas casas legislativas.
b) Os Pareceres Prévios dos Tribunais de Contas Estaduais
É um ato administrativo praticado pelos Tribunais de Contas, como assinala Coutinho (2019), e que trata de conteúdo eminentemente técnico sobre assuntos específicos atendendo a um propósito consultivo. Não obstante, esta ferramenta tenha caráter opinativo, esta etapa não pode ser suprimida do julgamento das contas do Chefe do Executivo pelo Legislativo, conforme se depreende do julgamento da ADI 261/SC:
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Parágrafo 3º do art. 113 da Constituição do Estado de Santa Catarina, que permite que as contas do município sejam julgadas sem parecer prévio do Tribunal de Contas caso este não emita parecer até o último dia do exercício financeiro. 3. Violação ao art. 31 e seus parágrafos da Constituição Federal. 4. Inobservância do sistema de controle de contas previsto na Constituição Federal. 5. Procedência da ação.
(STF - ADI: 261 SC, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 14/11/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 28-02-2003 PP-00007 EMENT VOL-02100-01 PP-00001).[10]
Ademais, Coutinho (2019)[11] lembra que os representantes do povo são aqueles que autorizam a arrecadação e as despesas públicas, de forma que também lhes cabe, ao final, julgar de forma política as contas de quem realizou essas funções de receita e despesas públicas – o Chefe do Executivo. Esse julgamento pelo legislativo se dá, pois, com o Parecer Prévio emitido por parte dos Tribunais de Contas.
Relevante ressaltar que os Pareceres Prévios emitidos pelos Tribunais de Contas não vinculam o legislativo, como demonstra Macieira (2016)[12], de forma que a Casa Legislativa pode seguir o entendimento da Corte de Contas, ou pode votar de forma contrária. Nesse mesmo sentido, Silva (2003)[13] assevera que o referido Parecer é qualificado como Prévio uma vez que tal instrumento - que é uma sugestão opinativa – se dá de forma anterior ao julgamento fático das contas do Chefe do Executivo por parte do Poder Legislativo.
Relevante pontuar que Da Silva (2020)[14] demonstra que os pareces prévios são ferramentas de publicidade dos atos administrativos uma vez que esse instrumento é publicado e disponibilizado ao público, em especial pelas Cortes do Sul e do Centro-Oeste. O autor, no entanto, aponta que nas Cortes da Região Norte é difícil de acessar essas informações, o que dificulta o controle social dos atos dos Chefes do Executivo.
Por fim, é importante reconhecer que enquanto instrumento opinativo, o Parecer Prévio não é capaz de gerar penalidade aos Chefes dos Executivos Municipais, Estaduais ou Federal, como aponta Santos (2017)[15], uma vez que o julgamento fica a cargo do Legislativo.
c) O Mínimo Constitucional em Educação
Inicialmente, é importante reconhecer que o conceito de gasto mínimo constitucional em educação encontra respaldo no Art. 212, caput, da Constituição Federal de 1988 que assim diz:
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.[16]
Nesse sentido, é nítido que o gasto mínimo constitucional em educação tem destinação obrigatória, conforme precisa De Gioia (2017)[17], incluindo-se no bojo desse gasto não só o volume de impostos de competência de cada ente, mas também as transferências recebidas - diretas ou indiretas – abatendo-se aquelas que foram transferidas para outros entes. A autora continua[18], demonstrando que haver norma expressa na Constituição Federal determinando um mínimo de gastos em educação é maneira assertiva de considerar a referida área como relevante direito social.
É importante analisar que o Mínimo Constitucional em Educação, como demonstram Pinto e Ximenes (2018)[19], é notadamente um instituto que não segue a abrangente regra da Constituição Federal da não vinculação de impostos - Art. 167, inciso IV. Fica claro, como pontuam Conceição et. al (2020)[20], que tal vinculação excepcional de impostos percebeu processo histórico passando desde a Constituição Federal de 1934 até à atual havendo, no entanto, sido suprimida durante a Constituição de 1967.
O Mínimo Constitucional em Educação opera como uma barreira ao desmonte da educação pública, pela inteligência de De Rezende Pinto e Adrião (2006)[21] que demonstraram que em momentos históricos do país em que não houve esta ferramenta (antes da Constituição de 1934 e durante a Constituição de 1967) percebeu-se gasto em educação em níveis bem inferiores aos percebidos atualmente com qualidade da educação inferior aos que se vê hodiernamente.
Os autores supramencionados deixam clara a importância de Gasto Mínimo Constitucional em Educação, a seu ver, porém, Aguiar et. al (2020)[22] esclarecem que a Carta Magna tão somente obriga o referido gasto mínimo, porém, não exige para emissão de Parecer Prévio pelos Tribunais de Contas um resultado objetivo da educação. Essa questão relativa à eficiência do gasto será abordada no próximo tópico deste artigo.
d) Análise do Princípio da Eficiência
O Princípio da Eficiência na Administração Pública surge a partir da Emenda Constitucional 19/1998, como lembram Conceição et. al (2018)[23], buscando melhor desempenho dos agentes públicos, havendo evolução da administração burocrática para a gerencial, sendo relevante utilização de indicadores para mensuração de eficiência.
No que se refere à educação, alguns indicadores de eficiência podem ser utilizados dentre os quais o Índice de Efetividade de Gestão Municipal – IEGM – como destacam Bezerra Filho et. al (2019)[24], sendo necessário compreender que tal índice possui 7 dimensões, uma das quais é a educação. Tais dimensões, continuam os autores, foram escolhidas, em sua gênese, por guardarem relação com o contexto das finanças públicas municipais. Insta salientar que estes autores afirmam que os Tribunais de Contas utilizam esse índice.
Prosseguindo com a exposição de alguns indicadores de eficiência da educação, Dos Santos Maciel (2012)[25] se debruça sobre o indicador chamado Investimento Público em Educação em Relação ao PIB enquanto medida capaz de conferir comparabilidade internacional com metodologia simples objetivando fornecer dados que permitam melhoria da qualidade da educação bem como fornecimento de oportunidades aos cidadãos.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, por sua vez, como trabalhado em Fernandes e Gremaud (2009)[26], é publicado periodicamente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP - com vistas a acompanhar a qualidade do ensino básico de modo a permitir melhor gestão das unidades de ensino por meio do acompanhamento do resultado obtido pelo IDEB.
Pode-se, ainda, conceber o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA, conforme analisado por Carvalho (2009)[27], que demonstra com profundidade a realidade fática da educação dos países participantes permitindo que os gestores públicos, de posse desses dados, possam analisar os resultados que obtiveram de forma a formularem políticas públicas para educação.
Este trabalho não pretende esgotar todos os índices que possam ser usados como métrica para eficiência da educação havendo-se, pois, listado quatro métricas distintas que, somadas, podem ser usadas na formulação de políticas públicas. Neste trabalho, utilizou-se rol exemplificativo de índices que podem ser utilizados: (a) IEGM; (b) Investimento Público em Educação em Relação ao PIB; (c) IDEB; e, (d) PISA.
Desse modo, com a utilização destes ou outros indicadores é possível medição da qualidade da educação pública, conforme indica Cavalcante (2011)[28], de forma que uma instituição é capaz de transformar o objeto da mensuração – no caso em análise deste trabalho, a educação – de forma que é possível à instituição analisar se seus objetivos estão sendo atingidos, ou não.
e) Mitigação do Mínimo Constitucional em Educação
Alguns Tribunais de Contas Estaduais pelo Brasil são enfáticos em suas normas ou em seus julgamentos no sentido de rechaçar a possibilidade de se mitigar o Gasto Mínimo Constitucional em Educação, como é o caso do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, que assim dispõe no art. 9, VI, da Decisão Normativa 06/2008:
Art. 9º As restrições que podem ensejar a emissão de Parecer Prévio com recomendação de rejeição das contas prestadas pelo Prefeito, dentre outras, compõem o Anexo I, integrante desta Decisão Normativa, em especial as seguintes:
[...]
VI – DESPESA (ENSINO) – Não-aplicação do percentual mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) da receita de impostos, compreendendo a proveniente de transferência, na manutenção e desenvolvimento da educação básica (Constituição Federal, art. 212).[29] (grifo nosso)
Em sentido idêntico, o Tribunal de Contas do Mato Grosso analisou caso em que o prefeito do município de Tapurah/MT havia realizado gasto abaixo do Mínimo Constitucional em Educação atingindo o montante de 24,45% - 0,55% abaixo do Mínimo - de forma que emitiram o Parecer Prévio 5511/2020[30] contrário à aprovação das contas do prefeito. Nesse caso em concreto, no entanto, fica nítido que o Relator do caso foi vencido tendo, este, votado pela aprovação das contas com recomendações ao Executivo: de que cumprisse o Mínimo Constitucional em Educação, que incluísse o valor que não fora gasto no exercício de 2018 no orçamento do ano seguinte etc.
Em linha com os pensamentos supramencionados no presente capítulo Costa (2018)[31] afirma que em situação na qual o Chefe do Executivo atinja patamares favoráveis em índices educacionais, como o IDEB, isso não justifica a inobservância do Gasto Mínimo Constitucional em Educação. O autor, no entanto, destaca que essa situação é passível de dúvida quanto à emissão do Parecer Prévio, não obstante conclua posteriormente pela rejeição das contas do Chefe do Executivo.
Em sentido diverso, o Tribunal de Contas do Espírito Santo emitiu o Parecer Prévio 00016/2020-7[32] no qual reconheceu que o Chefe do Executivo Municipal de Rio Bananal, no exercício de 2017, aplicou 24,83% em educação – ou seja, 0,17% a menor – de forma que que prevaleceu a tese do Relator – em divergência com a área técnica e o órgão ministerial – de sorte que o prefeito teve suas contas aprovadas com ressalva haja visto que a diferença foi considerada insignificante. O relator menciona, ainda, que a referida municipalidade vem apresentando melhora de qualidade na educação, o que foi considerado para a emissão do Parecer Prévio em comento.
O Tribunal de Contas do Espírito Santo seguiu o mesmo entendimento supramencionado em sede de Recurso de Reconsideração, de forma que emitiram o Parecer Prévio 103/2018[33] reformando o Parecer Prévio que o precedia de forma que conclui-se que apesar de o Prefeito de Divino São Lourenço/ES ter gasto 24,31% - o que representa um défice de gasto em educação de 0,69%, tal conduta é de baixa lesividade (Princípio da Razoabilidade / Insignificância), não podendo macular as contas do Chefe do Executivo devendo elas serem aprovadas com ressalva.
É importante mencionar a emissão do Parecer Prévio 00074/2014[34] do Tribunal de Contas do Espírito Santo que analisou o fato do Chefe do Executivo Municipal de Iconha/ES, no exercício de 2010, haver gasto abaixo do Mínimo, atingindo o valor de 24,94%. Nesse caso, o órgão fiscalizador além de utilizar o Princípio da Insignificância, como nos outros exemplos supramencionados, também utilizou o índice educacional IDEB em consideração para aprovar as contas do prefeito com ressalva, uma vez que essa nota havia saído do patamar de 4,4 em 2007, para 6,1 em 2011 (primeira medição após o exercício em questão).
Como já demonstrado, a norma Constitucional exige gasto em educação de pelo menos 25% das receitas, porém, Rocha e Giuberti (2007)[35] demonstram que o patamar ótimo de eficiência para o referido dispêndio se dá em 22% de modo que concluem que essa variável tem efeitos não lineares o que sugere que após esse patamar, a eficiência do gasto tem menor impacto. Não se propõe neste estudo, no entanto, que os Chefes dos Executivos simplesmente deixem de observar a norma da Constituição e, sim, que uma eventual inobservância seja avaliada pelos Tribunais de Contas à luz de indicadores que demonstrem a real situação do ensino no Ente Federado em questão.
Nesse sentido, Aguiar et al. (2020)[36] consideram ser inaceitável que o dispêndio público se dê de forma ineficiente, em especial por estes recursos serem escassos, de forma que se deve analisar tais gastos em conjunto com indicadores – na referida obra, os autores utilizaram o IEGM.
3) CONCLUSÃO
Neste trabalho foram apresentados os Pareceres Prévios emitidos pelos Tribunais de Contas Estaduais como peça opinativa com conteúdo técnico acerca das contas de governo – Prefeitos e Governadores. Focou-se no gasto mínimo em educação estabelecido na Constituição à luz do Princípio da Eficiência da Administração Pública bem como do Princípio da Insignificância. Viu-se aquele sob a ótica de indicadores que demonstrem a real situação da qualidade do ensino público e este sobre a proporção da dimensão de uma possível inobservância do gasto ora em comento de modo que pode não ser fato socialmente relevante.
Utilizou-se, nesta obra, Pareceres Prévios de Tribunais de Contas Estaduais – Santa Catarina, Mato Grosso e Espírito Santo – para desenvolver o tema abordado. Percebeu-se, nesse sentido, que alguns dos relatores dos Pareceres Prévios acabam por adotar os Princípio da Insignificância e da Eficiência para embasar seus pareceres, sendo por vezes vencidos, como no caso relatado pelo Dr. Isaias Lopes da Cunha – Parecer Prévio 83/2019 – TP exarado no processo TCEMT 16770-3/2018. Foi difícil, no entanto, encontrar peças que demonstrassem o que proposto neste trabalho, uma vez que o assunto não está sistematizado nos sites das Egrégias Cortes, sendo necessário buscar exaustivamente em seus respectivos Diários Eletrônicos.
O Tribunal de Contas do Espírito Santo, como demonstrado neste trabalho, vem adotando os princípios mencionados defendendo a tese que gasto em educação abaixo do mínimo constitucional pode ser irrelevante, em alguns casos. No que se refere ao Princípio da Eficiência, a Corte capixaba entende o tema à luz de indicadores, como por exemplo: (a) IDEB; (b) IEGM; (c) PISA, etc, de forma que isso se traduz em informação relevante para compreender a real situação do ensino.
Conclui-se, desta sorte, que é possível pensar em casos em que os Tribunais de Contas poderão emitir Parecer Prévio pela aprovação das Contas do Chefe do Executivo, ainda que ele não tenha atingido o Gasto Mínimo em Educação. É relevante que a referida peça opinativa seja emitida lastreada nos Princípios da Eficiência e da Insignificância. De posse dessa peça, o Poder Legislativo poderá proceder com o julgamento das referidas Contas com informações técnico-jurídicas que não desabonem as ações tomadas pelo respectivo Executivo. Não está sendo proposto, no entanto, que a conclusão aqui exposta seja usada de forma desordenada, devendo cada Corte de Contas estabelecer critérios técnicos e jurídicos para fundamentar seus Pareceres.
Para futuras pesquisas propõe-se expandir a busca por outros Pareceres Prévios de mais Cortes de Contas Estaduais com a finalidade de se demonstrar o posicionamento destas a respeito do tema. Ademais, propõe-se estudo qualitativo – regressão com dados em painel - demonstrando as municipalidades ou estados que tenham índices educacionais positivos e cujas contas tenham sido rejeitadas pela inobservância do gasto mínimo na área.