Vive-se, no âmbito da operação do direito, o dilema constante da busca pela celeridade processual em contraponto à qualidade da prestação jurisdicional. Sob esta ótica muito se tem divagado, criticado, sugerido e tentado.
As novas reformas processuais aliadas às regras principiológicas constitucionais que foram inscritas no texto do novo Código de Processo Civil, mostram que todo o segmento encontra-se comprometido com a busca de melhores caminhos para o exercício da jurisdição.
Contudo, a redução da possibilidade recursal, os julgamentos de demandas repetitivas, a possibilidade de sentença de improcedência de plano e as súmulas vinculantes acabaram por aproximar o poder judiciário de uma seara perigosa: o chamado “Ativismo Judicial”. Tudo sob o pretexto da celeridade a qualquer custo.
Se por um lado é cediço que esta se rompendo de vez com os ideais essencialmente liberais emprestados outrora ao processo civil, por outro lado fica claro que esse rompimento vem à custa de traumas e divergências.
O direito de massa, democrático e célere como pretende a Constituição, esbarra na crônica falta de estrutura do poder judiciário que, a passos lentos, tenta se adaptar às exigências hodiernas.
Nesse cenário, não poucas vezes, mete-se os pés pelas mãos e o que deveria ser motivo de júbilo acaba por se tornar mais um problema.
A situação faz o poder judiciário parecer um “Fusca” equipado com motor de Ferrari.
Como o máquina não pode parar ante a deficitária estrutura operacional, os magistrados são obrigados a reinventar o sistema procedimental emperrado, lançando mão de medidas bem heterodoxas.
Como é humanamente impossível o atendimento jurisdicional na forma prescrita pelas novas normas processuais, os meritíssimos são obrigados a se cercar de auxiliares e assessores, inicialmente contratados com a mera função de relatores e que são, aos poucos, "investidos" de jurisdição por delegação transversa.
É exatamente isso que vem ocorrendo, uma nefasta delegação da jurisdição que vai de encontro aos princípios consagrados da Investidura e da Indelegabilidade, fazendo com que o jurisdicionado acabe por colocar seu “bem da vida” nas mãos destes auxiliares. A situação é preocupante e exige medidas céleres.
É sabido que estes profissionais do direito muitas vezes suplantam o magistrado no que concerne ao “notório saber jurídico”. São, na maioria, bons profissionais e comprometidos com a função exercida. Nada contra sua capacidade!
Contudo, é no mínimo temerário deixar ao alvedrio da assessoria a fundamentação e o poder decisório das milhares de demandas que aportam ao judiciário todos os dias, em todos os graus de jurisdição.
Era comum na prática forense o advogado entrevistar-se com o juiz. Porém, com a explosão do acesso ao judiciário estes encontros tornaram-se quase impossíveis. Os juízes estão combalidos e desanimados, sentem-se desprestigiados e não tem interesse na dialética extraprocessual. Fecham-se em seus gabinetes, ensimesmados e abarrotados de processos que, na maioria das vezes, lhes são enviados somente para assinatura.
Resta ao causídico ter com o assessor e com ele discutir ou tomar orientação, uma inversão de valores e princípios que fere, inclusive, o estatuto da OAB.
Amiúde, ao se dirigir ao gabinete, o advogado é abordado pela equipe auxiliar com expressões como: “Dr. o Juiz não poderá atende-lo, mas o senhor pode falar com o assessor que ele resolve...” ou, pior ainda: “ Dr. fale com o assessor, é até melhor..., o que ele resolver está resolvido...”
Certa vez, numa palestra proferida por um assessor de Tribunal, provavelmente num ato falho, ouviu-se: “ ...quando profiro meus votos...”
A situação é crítica e vislumbram-se dois caminhos a ser tomados: ou o judiciário contrata o número necessário de juízes ou regulamenta de vez a atuação e competência dos assessores da magistratura, através de concurso público e com delegação legal de poderes decisórios.
A segunda opção não é novidade no direito alienígena. Na Alemanha a atuação do assessor é regulada, com poderes até para proferir decisões interlocutórias. Inglaterra e Estados Unidos também tem bem delimitadas as funções do assessor (“Clerks”) e do escrivão, que tem poderes de impulsionamento bem menos tímidos que os nossos.
Em entrevista concedida a Revista Consultor jurídico - CONJUR, o Desembargador Antonio Cesar Siqueira, presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, assim se manifestou sobre o problema: Em 2010, o Supremo julgou, em média, 11 mil processos por ano por ministro. Isso significa que, excluindo os dois meses de recesso, cada ministro julgou 1.100 processos por mês. Acredito que, até pelo grau de complexidade das matérias que são submetidas ao Supremo, não seria razoável exigir que um ministro fizesse uma análise cautelosa e eficiente de sequer a décima parte do que chega a ele. A minha preocupação reside no fato de que a maioria desses processos vai ser examinada por assessores, que sequer fizeram concurso. Não estou colocando defeito em nenhum assessor específico; estou apenas questionando o que está acontecendo. São assessores que vão decidir se aquela decisão proferida por três, cinco ou 25 desembargadores deve ser reformada. No segundo grau — e dou o exemplo do Rio — também há decisões que são preparadas por assessores que não foram concursados ou, se foram, não para o cargo de juiz. Isso também vai chegar ao primeiro grau, se é que já não chegou. Reconheço que isso acontece dado o volume de processo que está chegando às Cortes e que não deveria chegar. O Brasil está com um índice de litigiosidade extremamente elevado, fora de um padrão normal.
Nessa ótica mostra-se pertinente o abrandamento do excessivo número de atos solenes no tramite processual, ampliando-se as atribuições de impulsionamento e proferimento de despachos pelos escrivães e regulamentando uma nova figura do assessor, admitido através de concurso público, fazendo às vezes de um juiz menos graduado e cujas decisões poderão ser revistas pelo magistrado.
Somente assim foge-se do risco de vermos as demandas sendo decididas por quem não tem poderes constitucionais para tanto e, às vezes e o que é pior, transferindo a estas figuras não investidas, o próprio jus puniendi.
O processo não é fim e si e na sua dialética não se pode admitir que um juiz vá julgar bem a causa sem ser municiado pelas informações das partes. Dessa forma, deve o magistrado sair de sua redoma e respirar, no calor das ruas, o ar da justeza e o sopro da verossimilhança. Porem, jamais poderá fazer isso através do olfato intermediário de assessores despreparados e com pouca experiência de vida.