FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO –
HORAS EXTRAS E BANCO DE HORAS
Amanda Pereira Dãum[1]
Tatiana Zanghelini Ribeiro[2]
RESUMO
As normas consagradas na área do Direito do Trabalho se consolidaram ao longo dos anos, visando diminuir as desigualdades entre empregado e empregador e estreitar os laços entre eles, trazendo ao empregado a segurança de seus direitos e proteção da sua mão-de-obra. No Brasil, este ramo jurídico especializado ganhou força no governo de Getúlio Vargas com a inicialização das políticas trabalhistas. Contudo, modernamente se tem sentido que a rigidez das normas cria severos entraves para o desenvolvimento econômico da Nação, razão pela qual se buscou, através da flexibilização de tais normas, por meio de negociação coletiva, obter novos instrumentos que possam melhorar as relações entre capital e trabalho. Note-se que a flexibilização, em especial da jornada de trabalho, veio para aperfeiçoar as relações trabalhistas e combater o arcaico regramento oriundo de um Estado paternalista, cuja ingerência no meio privado era de poucos limites.
Palavras-Chave: Flexibilização. Labor. Extraordinário. Compensação.
ABSTRACT
The standards established in the area of labor law have been consolidated over the years, aiming to reduce inequalities between employee and employer and strengthen ties between them, bringing security to the employee of their rights and protection of its manpower. In Brazil, this specialized area of law has gained strength in the government of Getúlio Vargas to start labor policy. However, modern sense has been that the rigidity of the rules creates severe obstacles to economic development of the nation, which is why we looked through the relaxation of such standards through collective bargaining, get new instruments that can improve the relations between capital and work. Note that the relaxation, especially of the working day came to improve labor relations and combat archaic rule come from a paternalistic state, whose interference in private means were few limits.
Keywords: Flexibitlity. Labor. Extraordinary. Compensation.
1 INTRODUÇÃO
O objetivo do presente artigo é o estudo da flexibilização das normas trabalhistas, com ênfase na flexibilização da jornada laboral, a prática de horas extras e o regime de compensação, chamado banco de horas, com destaque para os aspectos da jornada de trabalho.
A jornada de trabalho é inumeramente invocada nas reclamatórias trabalhistas e vêm mantendo-se no centro de discussão jurisprudencial.
Fixada pela Constituição Federal e esmiuçada pelas legislações trabalhistas, busca-se através da flexibilização da jornada, maior conforto e melhores condições de trabalho ao empregado, além de criar variantes administrativas ao empregador, que poderá utilizar de forma mais dinâmica e inteligente a força de trabalho contratada.
O tema ora abordado é de grande interesse para os operadores do Direito que atuam na área laboral, porquanto se exige dos mesmos, quotidianamente, conhecimentos acerca das possíveis formas de flexibilização da jornada de trabalho, bem como a inserção do banco de horas nas empresas.
Afinal, é cediço que um dos principais fatores responsáveis pelo estresse, depressão e outras doenças ocupacionais ligadas ao trabalho, é justamente o excesso de jornada sem os devidos intervalos, sendo plausível acreditar que a flexibilização possa atuar como um lenitivo destes problemas.
{C}2 A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS
No permanente embate entre trabalho e capital observa-se que a tendência do empregador é exigir o máximo da produtividade do empregado com o mínimo de retribuição salarial e, este, de obter o máximo de vantagens econômicas com o mínimo de esforço.
Surge então, o Estado, para intervir e estabilizar estas relações, protegendo o empregado, estabelecendo normas para as condições de trabalho, jornada e remuneração.
Porém, a flexibilização apresenta outro aspecto que tende a revogar as vantagens instituídas pelo Estado ao trabalhador substituindo-as por benefícios inferiores, por meio de negociações, acordos ou convenções coletivas, a chamada “desregulamentação normativa” (BARROS, 2008, p. 87).
Para algumas pessoas a flexibilização é a melhor maneira de “salvar” o trabalhador dos males do desemprego, para outras é a forma de acabar com tudo aquilo que este mesmo trabalhador conquistou com anos de reivindicações.
Para Ives Gandra da Silva Martins Filho (2009, p. 33):
A necessidade de flexibilização das normas trabalhistas coloca-se tanto nos períodos de crise na economia como em decorrência do progresso tecnológico, que torna supérflua parte da mão-de-obra empregada [...]
A Constituição Federal de 1988, no intuito de combater o desemprego, adotou a flexibilização, sob a tutela sindical, quanto às seguintes formas:
{C}a) {C}redutibilidade salarial (art. 7º, VI);
{C}b) {C}jornada de trabalho (art. 7º, XIII);
{C}c) trabalho em turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, XIV).
{C}d)
Ocorre que a verdade é uma só, o aumento da produtividade do trabalho é a única maneira de alavancar o desenvolvimento, que por sua vez ilustra a cada momento que as relações de trabalho e as formas de remuneração são fatores decisivos no aumento da produtividade.
2.1 HORAS EXTRAS
A fixação de limite para jornada diária e semanal de trabalho é o principal aspecto das condições físicas, psicológicas e pode-se dizer que produtivas do trabalhador.
A luta para redução da carga horária semanal de 44 para 40 horas é uma reivindicação antiga dos trabalhadores que tramita desde o ano de 1995, como proposta de emenda à Constituição Federal nº 231/95:
Casa Legislativa: CÂMARA DOS DEPUTADOS
Autor: INÁCIO ARRUDA (PCdoB/CE)
Projeto na Casa: PEC 231/95
Projeto da Origem: PEC 231/95
Ementa Altera os incisos XIII e XVI do artigo 7º da Constituição Federal. Reduzindo a jornada máxima de trabalho para quarenta horas semanais e aumentando para setenta e cinco por cento a remuneração de serviço extraordinário, alterando a nova Constituição Federal.
[...]
Íntegra(s): PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 231, DE 1995
(Sr. Inácio Arruda)
Altera os incisos XIII e XVI do artigo 7º da Constituição Federal.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:
Art. 1º Os incisos XIII e XVI, do artigo 7º, da Constituição Federal passam a ter a seguinte redação:
“Art. 7º ...
XIII – duração de trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XVI – remuneração de serviço extraordinário superior, no mínimo, em setenta e cinco por cento à do normal;”.
Art. 2º A presente emenda entrará em vigor na data de sua publicação.
Sala de sessões, 11 de outubro de 1995.
Deputado INÁCIO ARRUDA (PCdoB/CE).
[...]
Instância: PLENÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Momento: PLENÁRIO - PRONTO PARA A ORDEM DO DIA
[...]
Situação Atual: Após ter tramitado nas Comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania e na Comissão Especial, a proposição está pronta para ser incluída na ordem do dia para discussão e votação em dois turnos.
Ocorre que, além destes aspectos, há a figura da “jornada extraordinária” ou, horas extras, que pode ser prestada pelo empregado em determinadas situações.
A hora extra é o trabalho prestado para o empregador além da jornada normal do empregado, ou seja, realizado em sobretempo, conforme entendimento de Maurício Godinho Delgado (2011, p. 859):
Jornada extraordinária é o lapso temporal de trabalho ou disponibilidade do empregado perante o empregador que ultrapasse a jornada padrão, fixada em regra jurídica ou por cláusula contratual. É a jornada cumprida em extrapolação à jornada padrão aplicável à relação empregatícia concreta.
Esta noção de horas extraordinárias não se dá pelo pagamento do adicional, mas pela “ultrapassagem da fronteira normal da jornada” (DELGADO, 2011, p. 859) pois, o referido pagamento é somente uma consequência do labor em sobrejornada, não seu ponto caracterizador.
Sendo assim há a possibilidade de labor em horas extras sem a remuneração do adicional, como por exemplo, na compensação.
O Direito do Trabalho prevê, ainda, determinadas situações que autorizam a prática de horas extras, são elas:
{C}a. Acordo de prorrogação de jornada: limite de 2 horas extras por dia e o pagamento do adicional de pelo menos 50% sobre a hora normal.
{C}b. Compensação de horário: não há o pagamento de adicional e a jornada semanal permitida de até 10 horas extras deverá ser compensando no prazo máximo de 1 ano.
{C}c. Serviços inadiáveis: limite de 4 horas extras diárias com pagamento de adicional de 50% ou normativo mais favorável;
{C}d. Força maior: sem limite de horas extras a ser prestadas e com direito ao pagamento de adicional no percentual de 50% sobre a hora normal.
{C}e. Recuperação de horas: em virtude de interrupção dos serviços, podendo ser prorrogada por 2 horas diárias em até 45 dias ao ano, com pagamento do respectivo adicional.
A CLT dispõe sobre horas extras da seguinte forma:
Art. 59. A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de duas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato de trabalho.
§ 1º Do acordo ou de contrato coletivo de trabalho deverá constar, obrigatoriamente, a importância da remuneração da hora suplementar, [...].
§ 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
§ 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma do parágrafo anterior, fará o trabalhador jus ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão.
§ 4º Os empregados sob o regime de tempo parcial não poderão prestar horas extras.
A base de cálculo para o pagamento das horas extras é feito tomando-se a remuneração mensal – inclusos os adicionais noturno, de insalubridade ou periculosidade, quando houver – e dividindo-se por 220 horas (44 horas dividido por 6 multiplicado por 30).
O quociente obtido é o valor da hora normal que será acrescido de, no mínimo, 50%.
Se o empregado recebe por produção ou comissão, o cálculo da hora extra é feito pressupondo o valor recebido pelo trabalhador a título de comissão ficando a cargo do empregador o pagamento dos 50% do adicional.
Já se o empregado recebe salário misto, composto de parte fixa e variável, terá direito ao pagamento da hora normal acrescida de 50% sobre a parte fixa e apenas do adicional de 50% sobre a parte variável.
2.2 BANCO DE HORAS
Além do pagamento do adicional quando da prática de horas extras, há, ainda, a hipótese da compensação de tais horas por intermédio do chamado banco de horas.
Inicialmente o banco de horas foi instituído pela Lei 9.601/98, que alterou o art. 59, da CLT, passando a prever o prazo máximo para compensação de até 120 dias, porém a Medida Provisória nº 2.164-41/2001 alterou este prazo para até um ano firmando a prática do banco de horas.
O banco de horas é um regime de compensação de horas extraordinárias por horas de folga, é um regime flexível que para ser adotado necessita de prévia autorização do Sindicato da classe dos empregados mediante convenção ou acordo coletivo específico a fim de regulamentar a compensação e apuração.
Vólia Bonfim Cassar em seu artigo “A Prática do ‘Banco de Horas’: Direito ou Abuso:?” (2007, p. 20) dá o seguinte exemplo:
Uma empresa de ar refrigerado que tem grande movimento durante o verão, mas pequeno movimento durante o inverno, pode, por exemplo, ajustar com seus empregados que durante seis meses eles trabalharão por 10 horas/dia para, nos seis meses posteriores, trabalharem apenas seis horas e, durante todo aquele período (12 meses), receberão o mesmo salário, sem acréscimo ou redução (banco de horas fixo).
O banco de horas foi uma ação do Governo que procurou flexibilizar alguns direitos do trabalhador a fim de combater o desemprego e amenizar o impacto trabalhista permitindo as empresas a conceder folgas aos seus empregados, em situações de crises e dificuldades, em troca da garantia do emprego.
O banco de horas somente é considerado válido se pactuado mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho e, desde que respeitada determinações como, o prazo de um ano para compensação das horas extras laboradas pelo trabalhador, podendo ser invalidado se não for observada a correspondente redução da jornada dentro do prazo legal ou, ainda, pela ausência de instrumento coletivo para reger o banco de horas.
A inobservância das determinações implícitas ao banco de horas implica o pagamento das horas extras laboradas.
Por fim, não sendo o referido regime de compensação regularmente pactuado, enseja a invalidade do banco de horas, conforme a jurisprudência:
COMPENSAÇÃO HORÁRIA. BANCO DE HORAS. INVALIDADE. Nas compensações efetuadas em uma periodicidade maior do que a semanal, como é o caso do banco de horas, é indispensável a intervenção do sindicato de classe, até mesmo para delimitar os parâmetros a serem observados no seu cumprimento, resguardando assim o interesse dos trabalhadores. No caso dos autos, a inexistência de acordo coletivo, requisito essencial previsto na convenção coletiva que instituiu o banco de horas, impede que se reconheça a validade do regime de compensação implantado pela ré. (TRT 12ª Região; RO 02602-2007-051-12-00-3; Terceira Turma; Rel. Juíza Gisele P. Alexandrino - TRTSC/DOE em 15/10/2009)
INSTITUIÇÃO DE BANCO DE HORAS. NECESSIDADE DE PRÉVIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. De acordo com o § 2º do art. 59 da CLT, a instituição de banco de horas exige prévia negociação coletiva, cuja ausência enseja a sua invalidação. (TRT 12ª Região; RO 02927-2008-005-12-00-6; Terceira Câmara; Rel. Juíza Sandra Marcia Wambier - TRTSC/DOE 14/10/2009).
Diante deste quadro, o banco de horas é uma alternativa para empregado e empregador onde aquele pelo labor extraordinário obtém folgas e este deixa de retribuir o trabalhador em pecúnia.
3 CONCLUSÃO
Este singelo estudo sobre a flexibilização da jornada de trabalho, tem por escopo levar ao leitor uma visão panorâmica sobre o assunto, visando aguçar sua curiosidade sobre o tema, o que certamente o incentivará a buscar de modo minudente esclarecimentos mais profundos sobre tão palpitante matéria.
À derradeira, convém gizar que não paira a sombra da menor entredúvida acerca da relevância do tema em comento e sua influência na vida dos trabalhadores, donde se pode concluir, num olhar atilado sobre a flexibilização na jornada de trabalho, que se está diante de importante evolução nas relações entre capital e trabalho, cujo frescor de seu regramento pode sugerir certa acomodação. Entrementes, imperioso registrar que o assunto necessita de constante reflexão na busca de seu aperfeiçoamento como instrumento de pacificação e distribuição de renda e de trabalho.
REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo : LTr, 2008.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: http://www.tst.gov.br/Srcar/Documentos/Historico/1-BreveHistoricodaJusticaedoDireit odoTrabalhono_Mundo.pdf. Acesso em 23 set. 2009.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: http://www.tst.gov.br/Srcar/Documentos/Historico/1-BreveHistoricodaJusticaedoDireit odoTrabalhono_Brasil.pdf Acesso em 23 set. 2009.
CASSAR, Vólia Bomfim. A prática do “Banco de Horas”: Direito ou Abuso?. Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário nº 19 – Jul/Ago de 2007.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo : LTr, 2011.
DIESSE. Redução da jornada do trabalho no Brasil. São Paulo. Disponível em: http://www.dieese.org.br/notatecnica/notatec16ReducaoDaJornada.pdf. Acesso em 15 abr. 2012.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Manual de direito e processo do trabalho. 18. ed. Ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 13. ed. São Paulo : Atlas, 2009.
(Em: <www.deolhonocongressonacional.com.br/_controle_central/mostrar.php?cliente=CONTRATUH&id_topico=36111>. Acesso em 15 out. 2009.)
[1] Advogada. Formada em Direito pela Facvest – Faculdades Integradas de Ensino da Rede Univest.
[2] Advogada. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UFSC. Professora do Centro Universitário Facvest.