Gestão de riscos e recuperação judicial


24/04/2018 às 21h15
Por Amanda Fumes

A crise econômica que assola a realidade mundial nos últimos tempos atingiu níveis inesperados no Brasil no ano de 2016, que perpetuam em 2017. Fruto da deterioração no quadro econômico do País potencializada pela descrença popular na política e nas instituições brasileiras, sobretudo no que diz respeito à corrupção e à impunidade, a crise passou de temor a fato em um curto espaço de tempo.

Não há como negar que o desenrolar dos eventos deixou evidências mais cristalinas quanto era possível, quer seja para os consumidores, quer seja para os empresários e investidores. E assim, diante da alteração da realidade fática, não é simplesmente recomendada, mas sim necessária a mudança de comportamento na forma de enfrentar os obstáculos que surgem no cotidiano da população.

A propósito, os resultados colhidos hoje foram plantados anos atrás por condutas que se perpetuam no tempo e perfazem o padrão de que no final tudo vai dar certo. Acontece que a evolução faz parte da história e o Brasil ainda tem muito a percorrer. Portanto, a questão é: como lidar com os percalços que estão diante de nós?

Não é e nem será tarefa fácil, já que enseja uma alteração significativa na própria consciência cultural da sociedade.

Isso porque é notória a aspiração do brasileiro para resolver as situações em medidas repressivas ao invés de dispensar cuidados preventivos e conciliadores, como por exemplo, a ânsia em criar leis criminais quando se discute um caso de grande comoção popular, a súplica pelo envio de um sujeito para a prisão sem quaisquer investimentos ou estudo de política criminal, a preferência do processo no lugar do acordo, bem como quando credores almejam a falência do empresário devedor sem nem mesmo analisar a viabilidade econômica da empresa.

É nesse cenário que a novel, por assim dizer, legislação recuperacional e falimentar conflita com a efetivação de seus objetivos uma vez que demanda o alinhamento dos interesses das partes envolvidas em um mesmo sentido apesar de estarem, o credor e o devedor, em lados opostos da relação (um busca a satisfação do seu crédito, o outro quer permanecer em atividade).

Em primeira análise, considerando os ânimos exaltados, até é possível acreditar que ambas as figuras possuam diferentes intenções, contudo, isso não se sustenta em face da macrovisão sobre a ordem econômica, o equilíbrio financeiro e mercadológico e as respectivas consequências suportadas pela sociedade.

A lei nº 11.101/05 não só cria o instituto da recuperação judicial, mas define como objetivo a superação da crise econômica de maneira a permitir a manutenção dos empregos dos trabalhadores, da fonte produtora e do interesse dos credores, promovendo a função social e a continuidade da empresa, em clara consonância com as previsões constitucionais.

Ressalta-se aqui que o processo recuperacional tem dois aspectos, sendo um formal – processo; e um informal – que permite a realização de trabalhos no intuito de identificar as necessidades de cada um dos credores e diante delas, desenvolver um plano de recuperação judicial viável e efetivo o que na prática já se pode verificar pelas audiências de gestão e pelas propostas alternativas ao plano inicialmente apresentado, embora deva ser submetido ao crivo da Assembleia Geral de Credores respeitando a isonomia nas classes de credores.

Denota-se, portanto, que a sociedade está inserida na realidade da superação de crises, quer seja a que atinge nível global, quer seja aquela que o empresário enfrenta dia após dia no mercado local. Por isso, convém retomar a indagação: como lidar com os percalços que estão diante de nós? Talvez seja transportando a sabedoria antiga dos familiares para a seara profissional.

Veja, todos já ouviram, pelo menos uma vez, de seus familiares “leve o casaco que vai fazer frio” ou “leve o guarda chuva porque vai chover”, em outras palavras, não seja surpreendido, esteja munido com armas que te preparam para lidar com as adversidades.

Assim sendo, as palavras de ordem a serem invocadas como diretrizes no exercício de quaisquer atividades são organização e estratégia de maneira que, havendo dificuldades no caminho que se percorre, o indivíduo não seja por elas abatido.

Importante destacar que a superação é uma boa medida, mas que não deve ser tentada a qualquer custo, tal como nem toda empresa será beneficiada com o processo recuperacional e a falência se demonstrará a melhor opção.

A realidade é que os prejuízos são inevitáveis, tanto que há o reconhecimento do princípio da distribuição equilibrada do ônus. Entretanto, eles podem (e devem) ser minorados a partir da compreensão dos riscos que se corre em razão da atividade exercida.

Faz-se necessária, desse modo, a atuação preventiva dentro das empresas no sentido de gerenciar os riscos corporativos para que estratégias sejam elaboradas de forma a cumprir com os objetivos estatutários ou contratuais da empresa, aumentando os ganhos e minimizando as perdas.

Ocorre que isso somente pode ser visto na prática após um tempo de investimento no próprio negócio que englobe políticas de planejamento societário, sucessório, patrimonial, tributário, além de governança e programas de integridade voltados ao Compliance. De fato, resultados não são obtidos com a celeridade que se espera, mas a aplicação de recursos nessa seara pode significar a continuidade da empresa no mercado ao qual está inserido de forma segura, transparente e com efetiva continuidade.

O risco é inerente à atuação na sociedade, todavia, os efeitos negativos a serem suportados são proporcionalmente relacionados à estratégia estabelecida pela empresa em face da constatação dos riscos que está exposta, da probabilidade de ocorrência e das medidas de prevenção ou minimização previamente destacados para que se tenha uma margem de atuação após a ocorrência do prejuízo sem que isso implique no sacrifício da empresa.

Entende-se, em vista disso, que havendo uma definição clara de desempenho da empresa no que tange à idoneidade, ao reconhecimento da marca, à transparência das informações veiculadas, à responsabilidade socioambiental, é possível refrear crises ou, sendo elas inevitáveis, conduzir o processo de acordo com a real finalidade da lei.

Em relação à recuperação judicial, superada a ânsia dos credores em receber seu crédito, talvez a efetividade do processo recuperacional esteja vinculada à insegurança dos credores gerada pela falta de informações e respostas adequadas sobre o que de fato acontece no processo, pois a única coisa que ele sabe é que a empresa continua operando normalmente e ele ainda não foi pago.

Por essa razão, os sujeitos do processo devem agir em cooperação para que o fim social seja alcançado, tanto no que diz respeito ao devedor que, se tiver garantida a gestão do risco da sua imagem e dos prejuízos, terá a credibilidade dos credores e, consequentemente, maior possibilidade de aprovação do plano de recuperação apresentado, quanto na atuação do administrador judicial que estará à frente de um processo complexo que depende da sua diligência para caminhar aos bons resultados (captação de bens, recursos, controle da legitimidade dos créditos arrolados, etc), ou seja, depende da estratégia por ele adotada, sobretudo diante da crescente banalização do instituto que por muitas vezes serve de baliza à satisfação de interesses pessoais.

Vislumbra-se, portanto, que há condições viáveis, com base na lei, de lidar com a crise econômica instalada no cenário brasileiro com a prevenção de prejuízos maiores e o gerenciamento daqueles que já estão presentes mediante a constatação de objetivos estratégicos e o alinhamento da conduta de todos envolvidos, quer seja na empresa, quer seja dentro do processo recuperacional de maneira a propiciar não só a continuidade da empresa, mas como também a satisfação dos interesses dos credores e, consequentemente, da própria sociedade.

 

Amanda Fumes Duda é advogada sócia fundadora do escritório Amanda Fumes Advocacia e Consultoria Jurídica, Membro da Comissão Especial de Comissão, Mediação e Arbitragem e da Comissão de Estudos da Lei de Recuperação Judicial e Falência da OAB/MT, Membro do Instituto Brasileiro de Estudos Multidisciplinares do Agronegócio, especialista em Direito Constitucional aplicado pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, com curso de extensão em Internacionalização do Direito pela Universidade Católica Portuguesa – Porto/PT, Administração Judicial pelo Turnaround Management Association e em Investigações Internas de Compliance pela Legal, Ethics, Compliance – LEC, pós- graduanda em Direito Corporativo e Compliance pela Escola Paulista de Direito e em curso no MBA de Agronegócios pela Universidade de São Paulo,

 

Bruno Oliveira Castro é advogado, sócio do escritório Oliveira Castro, Cintra e Peixoto Advogados Associados, especialista em Direito Empresarial pela UFMT, Doutorando em Ciência Jurídica e Social pela Universidad Del Museo Social, Professor, Palestrante, Parecerista e Conferencista, Professor na Pós Graduação de Falência e Recuperação de Empresas da FADISP/SP. Professor Universitário de Direito Empresarial (licenciado), Escola da Magistratura Matogrossense – EMAM, Professor Convidado da Especialização de Direito Empresarial e Tributário do MACKENZIE/SP e da AASP – Associação dos Advogados de São Paulo, Professor de Cursos Jurídicos de Direito Empresarial da Lex Magister/SP na área de Holding e Recuperação de Empresas, Professor e Coordenador Adjunto da Pós Graduação Lato Sensu em Direito Empresarial com ênfase em Recuperação Judicial pela ATAME Cuiabá (Universidade Cândido Mendes), Professor e Coordenador Pedagógico Adjunto do Ibajud – Instituto Brasileiro de Administração Judicial com curso de extensão em Insolvência pelo Bankruptcy Program da California Western School of Law, San Diego, USA, Membro do Grupo de Pesquisa em Falência e Recuperação de Empresas no Autumn School da Universidade Paris 1 - Panthéon/Sorbonne (França), Membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP, Membro Associado do Turnaround Management Association do Brasil - TMA Brasil, Membro Associado do International Association of Restructuring, Insolvency & amp; Bankruptcy Professionals (“INSOL”), Administrador Judicial de Recuperação Judicial e Falências e autor da 4ª edição da Lei de Recuperação de Empresas e Falências interpretada artigo por artigo com Cristiano Imhof pela editora Booklaw 

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  • Lei nº11.101/05
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Referências

http://www.pontonacurva.com.br/opiniao/gestao-de-riscos-e-recuperacao-judicial/2086


Amanda Fumes

Advogado - Lucas do Rio Verde, MT


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