Resumo: O presente artigo busca fazer uma reflexão sobre o Direito Penal do Equilíbrio frente a cultura do encarceramento em massa no Brasil; para tanto, mostra-se as verdadeiras finalidades da pena e a função social do direito penal, no ensejo de combater o populismo midiático e a falsa sensação de segurança. Ademais, se verifica as causas desse encarceramento, asseverando-se a necessidade de aplicação do Direito Penal do Equilíbrio. Nesse ínterim, utiliza-se a pesquisa bibliográfica para fundamentação do estudo, bem como analisa-se documentos referentes ao encarceramento no Brasil. O estudo caracteriza-se pelo uso da pesquisa quantitativa-qualitativa, e alcança como resultado a necessidade de aplicação da política criminal do Direito Penal do Equilíbrio no atual contexto brasileiro[1].
Palavras-chave: Direito Penal. Equilíbrio. Encarceramento. Garantismo penal.
Abstract: This article seeks to reflect on the Criminal Law of Equilibrium against the culture of mass incarceration in Brazil; to do so, it shows the true purposes of the penalty and the social function of criminal law, in the opportunity to combat media populism and false sense of security. In addition, it verifies the causes of this incarceration, asserting the necessity of application of the Criminal Law of the Balance. In the meantime, bibliographic research is used to justify the study, as well as documents related to incarceration in Brazil. The study is characterized by the use of quantitative-qualitative research, and reaches as a result the need to apply the criminal law of the Criminal Law of Equilibrium in the current brazilian context.
Keywords: Criminal Law, Balance. Incarceration. Crininal guaranteeism.
Sumário: Introdução. 1. O estado punitivo e as finalidades da pena. 2. A política do encarceramento em massa. 3. A questão penal brasileira entre a maximização e o minimalismo do direito penal. 4. Considerações acerca do direito penal do equilíbrio. Considerações finais.
INTRODUÇÃO
O Direito Penal do Equilíbrio e as causas do encarceramento em massa despertam, há muito, a atenção da coletividade. É bem verdade que o equilíbrio constitui-se como verdadeiro ideal de qualquer sociedade, pois denota harmonia, estabilidade; da mesma forma, esse ideal é perseguido na seara penal. Os objetivos desse trabalho foram demonstrar que a visão Minimalista é a que melhor atende aos anseios sociais, pois evita que o Direito Penal seja imbuído de cunho meramente repressivo e simbólico.
Buscou-se apontar e esclarecer os equívocos de um pensamento voltado para o Direito Penal Máximo, que conduz a uma insuportável inflação legislativa, tendo como único resultado fazer com que o Direito Penal seja cada vez mais desacreditado. A presente pesquisa objetivou, ainda, desconstituir a ideia do Estado Penal, para abrir espaço ao Estado Social, uma vez que o enrijecimento do sistema repressivo e a utilização prima ratio do Direito Penal não será capaz de corresponder adequadamente aos anseios sociais.
Dito isso, importa consignar que o Direito Penal Mínimo, aqui denominado Direito Penal do Equilíbrio, é assim intitulado devido à sua localização intermediária, pois ocupa lugar entre a tese do Direito Penal Máximo, que advoga a atuação irrestrita do sistema punitivo e a Tese Abolicionista, que defende a extinção do Direito Penal ante a sua ineficácia.
O presente artigo justifica-se em razão do atual momento que a sociedade brasileira vivencia. A prática de crimes graves tem ganhado contornos significativos, onde constantemente a imprensa noticia um caso novo e o resultado desse processo é um sentimento de impunidade, insegurança e revolta na população. Nesse cenário, o discurso populista insurge fomentando a atuação cada vez mais severa e implacável do Direito Penal, como se a reprimenda penal fosse a solução precípua para todo e qualquer problema social.
Vê-se que, atualmente, não se consegue dar azo à função ressocializadora da pena e, na atual visão tão-somente retributiva da sanção penal, entra-se no círculo vicioso do aumento da reincidência e do discurso do ódio.
Neste momento, é válido repensar a forma de atuação do Direito Penal, pautando-se, agora, nas garantias e direitos assegurados pela Magna Carta, como também, fomentando os benefícios que o Direito Penal do Equilíbrio pode implementar. Assim, apenas as condutas que violem os bens jurídicos mais relevantes estarão sujeitas à reprimenda penal, fator esse que contribuirá para a redução do número de encarcerados no Brasil.
Utilizou-se, para fundamentação, a pesquisa em livros e artigos de renomados juristas, a exemplo de Ferrajoli, Greco, Bittencout, dentre outros. Fez-se uso, também, do método quantitativo-qualitativo para se demonstrar que apesar do crescente número de encarcerados, não se vê redução da criminalidade.
O presente trabalho encontra-se estruturado em 04 (quatro) seções, a primeira seção versa sobre o estado punitivo e as finalidades da pena. Por sua vez, a segunda seção discorre sobre a política do encarceramento em massa. A seção posterior destina-se a analisar a questão penal brasileira, entre a maximização e o minimalismo no Direito Penal. A quarta seção almeja discutir as nuances do Direito Penal do Equilíbrio, a fim de que a comunidade repense a função social do direito. Por fim, se chega às considerações finais.
1. O ESTADO PUNITIVO E AS FINALIDADES DA PENA
Ante o contrato social existente na sociedade organizada, torna-se imperioso a elaboração de regras de conduta que ditarão o que poderá ou não ser praticado. Nesse viés, esses regulamentos devem estar devidamente constituídos para tal fim, pois geralmente criam direitos e obrigações, onde os indivíduos devem obediência sob pena de uma sanção.
Cunha (2015, p. 32), expõe que: “A manutenção da paz social, que propicia a regular convivência humana em sociedade, demanda a existência de normas destinadas a estabelecer diretrizes que, impostas aos indivíduos, determinam ou proíbem determinadas comportamentos. Quando violadas regras de conduta, surge para o Estado o poder (dever) de aplicar sanções, civis e/ou penais”.
Daí, denota-se que o Direito Penal influencia, e muito, a conduta dos indivíduos, surgindo para regular a vida das pessoas. Assim, o Estado buscou ao longo da história, monopolizar essa titularidade de repressão e punição a quem infringisse suas normas, a fim de assegurar a manutenção do equilíbrio social e a proteção dos indivíduos.
Nesse passo, aduz Dotti (1998, p. 137): “Ao estado social – que não deve se transformar em autoritário, mas manter-se democrático e de Direito – impõe-se a obrigação de respeitar uma série de limites no sentido de que a prevenção será exercida em benefício e sob controle de todos cidadãos”.
Acerca desse direito de punir, vislumbra-se que o Estado faz uso da sanção penal com a finalidade de manter a ordem e a paz entre os membros na sociedade. Por outro lado, entende-se que como evolui a forma de Estado e as relações sociais, o Direito também evolui.
Conforme Fernandes (2007, p. 47): “é de se dizer que, segundo as características hodiernas da nossa organização jurídica, sendo o Estado detentor do monopólio de produção e de aplicação do direito, dele se exigem ações e reações sempre tempestivas e coerentes, de tal sorte que a capacidade e a credibilidade das instituições estatais estão, a todo tempo, em teste”.
Desse modo, torna-se necessário atestar que não obstante o primor técnico atribuído ao sistema jurídico, tal primor não se reverterá em benefício social, ou se concretizará deficientemente, se a sociedade a qual se dirigir tiver sido abandonada em todas as outras áreas, sobretudo aquelas relativas à própria subsistência.
Essa observação é ainda mais evidente no âmbito do Direito Penal, em razão da natureza dos fatos por ele regulado e pelas consequências daí advindas. É fácil constatar que, no senso comum, particularmente, o ordenamento jurídico se resume em grande parte ao Direito Penal, apresentando-se os demais ramos do direito em segundo plano; é dizer, sendo menos lembrado.
Contudo, embora o combate ao fenômeno criminal deva ocorrer nos limites e por meio do Direito Penal, que é o meio mais seguro e instrumento de controle social formalizado, a reação ao delito não deve ser função exclusiva do Direito Penal (BITENCOURT, 2006).
O que se percebe, entretanto, é que esse discurso punitivista agrada a sociedade, que nele deposita sua esperança.
Aduz Greco (2015, p. 05): “A mídia, que exerce poderosa influência em nosso meio, se encarrega de fazer o trabalho de convencimento da sociedade, mostrando casos atrozes, terríveis sequer de serem imaginados, e como resposta a eles, pugna por um Direito Penal mais severo, mais radical em suas punições”.
Diante dessa crescente e detalhada divulgação, impende considerar que, atualmente, o crime foi banalizado. Entretanto, essa constatação não é apenas numérica[2].
Não podendo o Direito Penal estar dissociado dos fatos que visa regular e apresentando-se como forma de normatizar a realidade midiaticamente tomada pelo crime e pela insegurança coletiva, emergem as manifestações em prol do endurecimento do Estado, do agravamento das penas e dos regimes de cumprimento, contribuindo para que a pena ganhe contornos tão somente retributivos, e conferindo-se ao sistema penal função repressiva e intimidante (Direito Penal Máximo).
É bem verdade que o Direito Penal tem sido utilizado pelo poder político como resposta a quase todos os conflitos e problemas sociais, contribuindo para que a resposta penal se convertesse em resposta simbólica, onde não se observa o caráter preventivo e garantista do Direito Penal. Nesse contexto, o Direito Penal passa a ser aplicado indiscriminadamente, e não mais como instrumento subsidiário.
Sustenta-se, ainda, que a população, assolada diuturnamente pela atuação criminosa impune e revoltada com a omissão do Estado, clama por um Direito Penal mais atuante, mais condizente com a realidade da maior parcela da coletividade. Tais movimentos, à medida que ganham repercussão, esbarram na resistência daqueles que defendem que o Direito Penal é a ultima ratio, apenas justificando sua incidência quando os demais ramos da ciência jurídica mostrarem-se inócuos (Direito Penal do Equilíbrio ou Mínimo).
Comumente, a sanção penal é vista apenas como forma de vingança, retribuição pelo injusto causado. Dificilmente erguem-se vozes que advogam a tese do Direito Penal Mínimo, que buscam a observância, também, da finalidade ressocializadora da pena.
Acerca das finalidades da pena, três teorias objetivam justificar a cominação e aplicação de sanção penal: a absoluta ou retributiva, a relativa ou preventiva e a teoria mista ou eclética (SILVA, 2006). Pela teoria absoluta, a pena caracteriza-se pela retribuição, não tem outro propósito que não seja recompensar o mal com outro mal. Nessa visão, a pena não tem finalidade, pois é um fim em si mesma.
Segundo a teoria relativa, a sanção penal possui finalidade preventiva, buscando, assim, evitar a prática de novas infrações. A prevenção terá, ainda, caráter geral, quando o fim intimidativo da pena se dirigir a todos os destinatários da lei penal; e caráter especial, restrito ao autor do delito, de maneira que, afastado do meio livre, não torne a delinquir e possa ser corrigido.
Combinando as duas teorias supracitadas, surge a terceira: a teoria mista ou eclética. Para esta, a prevenção não exclui a retributividade da pena, mas sim a complementa. Analisadas as teorias justificantes da aplicação da pena, vê-se que, infelizmente, grande parte da população ainda promulga que o Direito Penal deve ser irredutível e que sua finalidade deve ser a mais vingativa possível.
A razão para essa constatação pode ser extraída a partir da omissão do indivíduo acerca da análise crítica sobre o fenômeno criminal. No Brasil, observa-se que os indivíduos são educados a pensar que tudo pode ser resolvido mediante a imposição de pena. Sabendo dessa informação, a grande mídia, ao lado de políticos de ocasião, apregoam a necessidade de penas mais graves, a exemplo da castração de estupradores, como se isso fosse possível levando em consideração a nossa Constituição Federal, que proíbe, por meio de cláusula pétrea, a implementação de penas crueis[3].
Com isso, a população, convencida de que a solução para todos os males pode/deve alcançada mediante a rigidez do sistema penal, brada por uma postura mais enérgica dos legisladores e do sistema judiciário. Outrossim, é natural o clamor pela rigidez do Direito Penal quando a punição recai sobre terceiros; entretanto, a celeuma exsurge quando o alvo da violência estatal incide sobre nós mesmos. Aqui a discussão ganha novas perspectivas, onde solicita-se o total afastamento do Direito Penal, senão, que seja aplicado, mas observando-se todas as garantias legais possíveis.
No Brasil, a massa populacional é educada a pensar na pena de morte, na redução de garantias penais e processuais penais. Contudo, essa visão mostra-se falha desde a sua origem, pois o Direito Penal é também instrumento de limitação do poder punitivo. A ideia da pena de morte, salvo no caso expresso na Lei Maior, não corresponde com o atual cenário democrático e humanístico.
Gomes, Bianchini e Daher (2015) expõem que: “Propor ou estimular qualquer debate sobre a pena de morte no nosso país, portanto, significa só incrementar o sensacionalismo e a manipulação do estado emocional do povo, iludindo-o com um “produto” vedado e reconhecidamente discriminatório (basta lembrar que em toda história da pena de morte, decretada judicialmente fora dos momentos revolucionários, raríssimos foram os casos de execução de alguém com alto status social)”.
Noutro prisma, estão os defensores da intervenção mínima do Direito Penal, aduzindo que a maior severidade das penas na contenção da criminalidade, resulta na ideia de imprestabilidade do ordenamento jurídico, vez que não consegue conter a prática delituosa.
Greco (2015, p. 157), assevera que: “Enquanto o Direito Penal for máximo, enquanto houver a inflação legislativa, o Direito Penal continuará a ser seletivo e cruel, escolhendo, efetivamente, quem deverá ser punido, escolha esta que, com certeza, recairá sobre a camada mais pobre, abandonada e vulnerável da sociedade”.
À luz do exposto, infere-se que a utilização do ius puniendi pelo Estado é fundamental para assegurar na sociedade a garantidoa de confiança, pois o descrédito às instituições legalmente constituídas resultaria na desordem e na barbárie.
2. A POLÍTICA DE ENCARCERAMENTO EM MASSA
O tema central dessa seção fundou-se na análise da consolidação do “Estado Punitivo” no Brasil, manifesto, sobretudo, pelo progressivo encarceramento da classe popular. Atualmente, pode-se afirmar que vigora em nosso país a mais violenta intervenção do Estado na vida da população, materializada pelo discurso do medo e aplicação indiscriminada da pena de prisão.
Para se analisar a política de encarceramento em massa, oportuno se faz, inicialmente, conceituar o termo – política criminal. Masson (2013, p. 13), aduz que essa “Baseia-se em considerações filosóficas, sociológicas e políticas, e também de oportunidade, em sintonia com a realidade social, para propor modificações no sistema penal vigente”. Dito isso, passa-se, agora, ao tema central desta seção.
No cenário brasileiro, o que se observa é a verdadeira ausência de distinção entre a violência legítima da ilegítima; e como reflexo desse fator, somos incapazes de avaliar o custo do ingresso do poder punitivo na vida do indivíduo. Essa constatação é ainda mais expressiva quando se observa a utilização do Direito Penal como solução inicial para basicamente todos os conflitos sociais; enaltecendo, assim, sua função meramente simbólica, tranquilizadora da opinião pública, que busca amparo penal ao invés do reconhecimento de seus direitos.
Pode-se dizer que, atualmente, o crime e os institutos do Direito Penal ocupam posição de destaque nas discussões interpessoais. É dizer, o crime foi trivializado (FERNANDES, 2007). A proposta de sanções crueis e degradantes tem sido frequente quando diante de crimes graves que causam comoção social; e o resultado não é outro, senão o assentimento dos indivíduos para a implantação do Direito Penal Máximo.
Da mesma forma, quando se fala em banalização do crime, não há que se restringir essa observação apenas às estatísticas numéricas. É evidente que a prática de infrações penais ocorre diuturnamente, contudo, deve-se ter conhecimento de que ao lado da ocorrência de delitos, a transmissão dessas informações tem contado com maior transparência e rapidez através dos meios comunicativos.
Aduz Greco (2015, p. 1): “Os meios de comunicação de massa não se cansam de divulgar notícias ligadas, de alguma forma, à criminalidade em nossa sociedade. Jornalistas, atores, apresentadores de televisão e rádio, enfim, todos os comunicadores têm sempre o crime, o criminoso e a vítima como temas de pauta”.
É cada vez mais frequente a exploração do crime, ocupando espaço em revistas, jornais e programas televisivos. Nota-se que o delito tem se revestido em produto de consumo. Enquetes sobre a aplicação da pena de morte, castração química e prisão perpétua são difundidas a fim de que a população, em razão do discurso do medo e da ineficiência das instituições, ateste que o Direito Penal Máximo seja, efetivamente, a única alternativa para a pacificação social.
Em razão da maior proximidade que o indivíduo guarda com o Direito Penal, assim como as corriqueiras discussões em torno do sistema punitivo, poder-se-ia acreditar que a sociedade estivesse com o senso crítico mais refinado acerca da finalidade da pena e da necessidade de melhoria das políticas públicas. Entretanto, não é o que ocorre no Brasil; denota-se, aqui, verdadeiro clamor pela expansão do poder punitivo – Legislativo e Judiciário. Atrelado a esse fato, brada-se pela utilização do cárcere sem qualquer perspectiva de ressocialização do apenado.
Na atual situação brasileira, descobriu-se, infelizmente, que é mais prático pregar o discurso do medo e do recrudescimento das sanções, em detrimento de investimento em políticas de base. É mais fácil lançar ao cárcere aqueles indivíduos que não possuem instrução alguma, do que efetivar os direitos assegurados em nossa Constituição Federal.
Dessa forma, a presente política criminal passou a ser, simultaneamente, a tempestade e a calmaria. Na mesma oportunidade, ela incentiva a desconfiança, desqualifica qualquer solução que não seja a penal e expõe seu único método de combate à criminalidade, qual seja: mais segregação e restrição da liberdade (PASTANA, 2009).
O encarceramento em massa vigente no Brasil revela, na realidade, uma forma de dominação sob aqueles indivíduos excluídos da sociedade capitalista. Esse isolamento e neutralização dos miseráveis, evidencia, por fim, o verdadeiro produto decorrente da inefetividade estatal.
É evidente a seletividade penal na sociedade hodierna. Os defensores do populismo penal midiático bem sabem aonde o Direito Penal irá, efetivamente, recair sua força, e quem deverá ser contido a fim de se preservar a “paz social”.
O legislador, a seu turno, se vale de sua função típica para criação de novos crimes ou aumento de penas, livrando-se de sua responsabilização em outros setores. Discussões sobre lazer, cultura, ensino básico, saúde e habitação são deixados em segundo plano, sob a justificativa de serem conceitos meramente programáticos.
Nesse viés, constata-se que o maior encarceramento não possui relação direta com o aumento da criminalidade, posto que são as decisões no campo político-cultural que determinam o crescimento ou decréscimo da estatística carcerária[4].
O sistema penal brasileiro é cruel, causa pavor naqueles que são submetidos aos seus domínios. E, por mais que se clame por um Direito Penal mais rigoroso e efetivo, a realidade evidencia o caráter seletivo desse ramo do ordenamento jurídico.
Nas palavras de Greco (2015, p. 6): “Aqueles que militam nessa seara podem testemunhar, com segurança, que o Direito Penal tem cor, cheiro, aparência, classe social, enfim, o Direito Penal, também como regra, foi feito para um grupo determinado de pessoas, pré-escolhidas para fazer parte do “show””.
No plano ideal, deveriam ser punidos todos aqueles que descumprissem a lei penal, afrontando a autoridade do Estado. Contudo, é notório que isso não acontece. O sistema penal possui uma “clientela” que lhe é própria, onde, em princípio, obriga a todos os cidadãos, mas destina-se a indivíduos específicos, principalmente às classes menos esclarecidas.
Sica (2002, p. 51) assevera que: “Dados do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária apontam que: 2/3 da população carcerária são negros e mulatos; 76% são analfabetos ou semialfabetizados; 95% são absolutamente pobres; 98% não tem condições de contratar um advogado e 72% dos processos criminais são por roubo e furto”.
Paradoxalmente, a política de encarceramento em massa é defendida por considerável parcela social. A mitigação de direitos fundamentais é aclamada apenas quando a fúria penal recai sobre terceiros. Além disso, vislumbra-se que, no Brasil, o processo de criminalização é atraente não só para as massas populares, mas também para o sistema político. A criminalização ocupa, justamente, o lugar de outras medidas políticas, caracterizando, por conseguinte, o Direito Penal Simbólico na sua modalidade de legislação álibi.
Usa-se indevidamente o Direito Penal no ledo engano de se oferecer resposta à criminalidade, entretanto, não se faz mais do que degastar ainda mais a credibilidade do ordenamento jurídico, posto que os instrumentos utilizados não são aptos para a luta segura e eficaz contra o crime.
Em decorrência desse fator, o Estado Social cede espaço ao Estado Penal. E é justamente este conceito de Estado que passa a encarcerar um número cada vez maior de indivíduos, hipertrofiando a máquina punitiva, mormente pelo endurecimento de políticas de controle social. O Direito Penal perde, assim, o caráter subsidiário e se converte em instrumento precípuo de combate aos crimes e problemas sociais.
Para Bittencourt (2011, p. 20): “A prisão é uma exigência amarga, mas imprescindível. A história da prisão não é de sua progressiva abolição, mas de sua reforma. A prisão é concebida modernamente como um mal necessário, sem esquecer que guarda em sua essência contradições insolúveis”.
Propõe-se, oficialmente, como finalidade da pena de prisão, a obtenção, não de um, mas de vários objetivos simultaneamente. Conforme já exposto na primeira seção deste artigo, busca-se, inicialmente, retribuir o mal causado pelo delinquente. No mesmo ensejo, objetiva-se a prevenção da prática de novas infrações penais, por meio da intimidação do acusado e de pessoas potencialmente criminosas. Além disso, tenta-se concretizar a regeneração do preso, no sentido de transformá-lo de criminoso em não-criminoso (THOMPSON, 2002).
Em síntese, o preso é colocado na penitenciária para ser punido, intimidado, e principalmente, ressocializado. Ocorre que essa afirmativa simplista é deveras enganosa. Para Thompson (2002, p. 5): “Punir é castigar, fazer sofrer. A intimidação, a ser obtida pelo castigo, demanda que este seja apto a causar terror. Ora, tais condições são reconhecidamente impeditivas de levar ao sucesso uma ação pedagógica”.
Pastana (2007, p. 318) aduz que: “entre nós a Justiça Penal, também caminha, menos para a consolidação democrática, e muito mais a atuação simbólica, traduzida em aumento desproporcional de penas, maior encarceramento e endurecimento da execução penal. Tal sistema opera no sentido do “excesso de ordem”, único capaz de tranquilizar nossa atual sociedade de consumo hedonista e individualista”.
Ante os argumentos expostos ao longo dessa seção, constata-se que a defesa do encarceramento em massa é marcada por contradições inconciliáveis. Treinar os homens para a vida livre, submetendo-os ao cárcere, afigura-se tão inconcebível como alguém se preparar para uma maratona, ficando preso ao seu leito. A adaptação à prisão não significa, necessariamente, adaptação à vida livre; há indícios de que a adaptação ao cárcere representa verdadeira desadaptação à vida livre.
Ao adentrar nessas prisões, o mínimo que se perde é a liberdade. O indivíduo é submetido à humilhação, a maus tratos, à miséria, à doenças infectocontagiosas, sendo esses fatores apenas uma breve exposição do que representa o ingresso de alguém nos presídios brasileiros[5].
3. A QUESTÃO PENAL BRASILEIRA ENTRE A MAXIMIZAÇÃO E O MINIMALISMO DO DIREITO PENAL
As peculiaridades que envolvem o Direito Penal Máximo e o Direito Penal Mínimo referem-se tanto a maiores ou menores vínculos garantistas estruturalmente internos a um sistema, quanto à quantidade e/ou qualidade das tipificações e penas nele estabelecidas (FERRAJOLI, 2002).
Nessa ordem de ideias, Ferrajoli (2002, p. 83), aduz que: “Está claro que o direito penal mínimo, quer dizer, condicionado e limitado ao máximo, corresponde não apenas ao grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo, mas também a um ideal de racionalidade e de certeza”.
Há uma íntima relação entre garantismo e racionalismo, mormente no campo do Direito Penal Mínimo; razão pela qual a aplicação do Direito Penal deve ser afastada quando incertos ou obscuros forem seus pressupostos.
Greco (2015, p.35) elenca que: “o Direito Penal Mínimo se encontra numa posição equilibrada, sendo, em nossa opinião, a única via de acesso razoável para que o Estado possa fazer valer o seu ius puniendi sem agir como tirano, ofendendo a dignidade de seus cidadãos”. (grifos do autor)
O Direito Penal Máximo, por sua vez, é aquele incondicionado e ilimitado. Aqui, prega-se a utilização do Direito Penal como solução para todo e qualquer mal que possa afligir a sociedade. Por meio deste, acredita-se que com o afastamento de determinadas garantias processuais e com a atuação irrestrita do Direito Penal, a população ficaria livre da parcela de indivíduos não adaptados ao convívio social.
Segundo Ferrajoli (2002, p. 84): “é o que se caracteriza, além de sua severidade excessiva, pela incerteza e pela imprevisibilidade das condenações e das penas e que, consequentemente, configura-se como um sistema de poder não controlável racionalmente em face da ausência de parâmetros e racionais de convalidação e anulação”. (grifos do autor)
Traçadas essas breves considerações a respeito do Direito Penal Máximo e Direito Penal Mínimo, vê-se que o reconhecimento de um desses movimentos é questão sempre presente no cotidiano brasileiro. Tem-se, aqui, um Estado que tem convivido com o aumento vertiginoso da criminalidade, com a banalização das ações perpetradas com violência e ao mesmo tempo, um Estado em que as informações são midiaticamente deturpadas e omitidas. No Brasil, grande parcela da população é lançada a relento, situação na qual a pobreza e a marginalização de muitos contrasta com o luxo desproporcional de poucos.
Há muito o Estado deixou de intervir como redutor das desigualdades sociais, abdicando da missão de promover a integração dos menos favorecidos, lançando-os, outrossim, à lei do mercado e dos mercadores. Dessa forma, o Direito Penal transforma-se em instrumento legitimador de pura opressão (SEMER, 2007).
O atual sistema punitivo, constituído a partir de matrizes patrimonialistas e da exclusão, consagra um modelo organizacional e estrutural do estabelecimento penal, onde é o retrato da violação aos direitos das pessoas privadas da liberdade.
Nesse viés, aduz Fernandes (2007, p. 82), que: “o cárcere é pervertido, perversor e degradante e em que o sistema punitivo parece ter sido instituído apenas aos economicamente desfavorecidos, único contexto em que não podem ser chamados de excluídos”. Ressalte-se, outrossim, que essa afirmação não invalida a adoção do Direito Penal Mínimo, nem, por outro lado, fomenta a adoção do Direito Penal Máximo.
Por certo, é descabido fazer uso da atual realidade brasileira como justificativa a uma política de vingança privada, de substituição da insegurança decorrente do crime pela insegurança institucional. Falar em Direito Penal Mínimo não significa instituir o permissivismo e o descrédito do poder punitivo estatal, mas sim edificar a ordem jurídica em compasso com os direitos humanos, impondo limites à fúria do Estado.
Conforme Fernandes (2007, p. 84): “As estatísticas revelam e a realidade demonstra que o endurecimento das penas e a “inquisitorialização” dos processos e procedimentos penais não tem o efeito diminuidor da criminalidade, simplesmente porque persistem, a despeito desse rigor, níveis de pobreza que fazem definhar e deformar, altos índices de impunidade e depravadas unidades de cumprimento de pena”.
Contudo, a realidade brasileira demonstra que é mais conveniente a proposta trazida pelo Direito Penal Máximo, especialmente se ele é trabalhado pela mídia como a única alternativa para o equilíbrio social.
Nesse contexto, Hulsman e Celis (1997, p. 56) observam que: “Entretanto, no campo da justiça penal, as imagens maniqueístas ainda se impõem quase que por inércia. A toda hora, encontramos pessoas bastante críticas em relação às instituições e a seu funcionamento e que, apesar disso, esperam que as leis e as estruturas promovam a harmonia social. Assim, o policial, o juiz, o legislador, mesmo sendo frenquentemente questionados em suas práticas pessoais e coletivas, geralmente são vistos como representantes da ordem e, portanto, do bem. E, em face destes símbolos da justiça, do direito e da consciência reta, os “delinquentes” são vistos como pertencentes a uma espécie aparte, como anormais sociais que, afinal, deveriam ser facilmente identificáveis, já que não seriam como os outros”. (grifos do autor)
É mais fácil e conveniente aos legisladores debaterem acerca da necessidade de aumento de penas ou criminalização de condutas, especialmente, quando os destinatários de tais normas são específicos, não alcançando determinados setores da sociedade, caracterizados por outros tipos de criminalidade, a não-violenta, mas de igual modo, danosa.
Nesse viés, constata-se que a maximização do Direito Penal acaba assumindo duas faces, a de dar satisfações à sociedade – função simbólica, ao mesmo tempo em que posterga outros questionamentos. Diante dessas vantagens, não se poderiam esperar outra atuação do Direito Penal, que não seja aquela que atente para o delinquente.
A situação brasileira assume contornos ainda mais espantosos quando se observa que a opinião popular reputa absolutamente como verdadeiros os fatos apresentados pela mídia, o que até é aceitável, em razão do encargo que essa se diz investida e assim se compromete. Contudo, grande parte das informações veiculadas resulta em deturpações e/ou omissões, visto que os veículos de comunicação repassam os fatos segundo as suas perspectivas e considerando os interesses envolvidos (verdades parciais) (FERNANDES, 2007).
O fato é que a mídia tem se tornado grande contribuinte na organização de movimentos que almejam o endurecimento do sistema penal, ao apresentar toda “sorte” de horrores que um homem pode ocasionar a outro, invertendo-se, sorrateiramente, princípios como da presunção de inocência, ao passo em que não apresentam soluções concretas para problemas de base ligados à criminalidade ou mesmo esclarecimentos acerca desse problema tão grave. Essa constatação, evidentemente, não destina-se a contrapor a liberdade de imprensa, mas sim à sua defesa, pois a instalação do Direito Penal Máximo não se compatibilizará muito tempo com essa liberdade, tendendo, certamente, a suprimi-la.
Ademais, não se pode almejar a redução da criminalidade se o apenado, ao invés de ser tratado e reeducado, é abandonado à própria sorte. Segundo Hulsman e Celis (1997, p. 62) “Privar alguém de sua liberdade não é uma coisa à toa”. A prisão vai muito além do que a mera privação da liberdade, representa verdadeira negação do mundo normal, para entrada em um universo paralelo, onde tudo é negativo.
Fernandes (2007, p. 87) aduz que: “Se o inferno se materializa nas prisões brasileiras, situação não muito diferente aguarda o condenado no mundo externo, após o cumprimento de sua punição, quando ele, então, vai perceber que não será jamais despido da condição infamante que lhe foi imposta, seja porque não encontrará refúgio entre outros homens, que lhe imputam a todo momento, a reincidência, seja porque o Estado é absolutamente omisso em relação à sua obrigação de reeducar e de reintegrar, não garantindo sequer o respeito à dignidade da pessoa humana”.
Dessa forma, tem-se que a questão penal brasileira tem sido marcada por paradigmas e paradoxos, sendo impossível conciliar um projeto no qual vigora a emergência no Estado neoliberal, que diminui em tudo, menos na repressão penal, situação que acaba dotando o Direito Penal como apenas instrumento de repressão, em um caminho de regresso ao período pré-humanitário (SEMER, 2007).
Thompson (2002, p. 67) assevera que: “No momento, esposo o ponto de vista de que a questão penitenciária não tem solução “em si”, porque não se trata de um problema “em si”, mas parte integrante de outro maior: a questão, com referência ao qual não desfruta de qualquer autonomia. A seu turno, questão criminal também nada mais é que mero elemento de um problema mais amplo: o das estruturas sócio-politico-econômicas. Sem mexer nestas, coisa alguma vai alternar-se em sede criminal e, menos ainda, na área penitenciária”.
Se existem responsáveis pela criminalidade, essa responsabilidade não cinge-se apenas aos criminosos, mas a todos aqueles não enxergam além da pena e que silenciam-se diante da atual realidade brasileira, que avilta e desmoraliza a dignidade, oportunidade e igualdade entre os indivíduos.
4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DIREITO PENAL DO EQUILÍBRIO
O Direito Penal do Equilíbrio, assim nomeado em razão de sua localização intermediária entre a tese do Direito Penal Máximo e os movimentos abolicionistas, procura demonstrar que o Direito Penal, como instrumento repressor que é, somente deverá ser empregado quando estritamente necessário; é dizer, quando indispensável à proteção dos bens jurídicos mais relevantes ao convívio social, e ainda, quando os demais ramos do ordenamento jurídico mostrarem-se ineficientes.
No atual contexto vivenciado pela sociedade brasileira, torna-se imperiosa uma reflexão sobre os caminhos que o Direito Penal tem trilhado, assim como os resultados que certas medidas de criminalização e exasperação de penas trouxeram[6].
A falência do sistema prisional tem demonstrado que a pena privativa de liberdade não atingiu suas finalidades declaradas na Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84). Segundo Bitencourt (2006, p. 20) “Em vez de recuperar o delinqüente, estimulava a reincidência”.
Por outro lado, não se objetiva com o Direito Penal do Equilíbrio, extinguir o Direito Penal e seus institutos, como querem os abolicionistas. Como a própria nomenclatura aduz, o equilíbrio resta configurado quando uma medida drástica aplicar-se a um caso drástico, devendo conjugar-se, ainda, com o princípio da humanidade ou da dignidade da pessoa humana, que proíbe penas desnecessárias, contrárias ao seu fim utilitário (GRECO, 2015).
Greco (2015, p. 10) elenca que: “por mais que seja digno de elogios o raciocínio abolicionista, existem determinadas situações para as quais não se imagina outra alternativa a não ser a aplicação do Direito Penal. Como deixar a cargo da própria sociedade resolver, por exemplo, por intermédio do Direito Civil ou mesmo do Direito Administrativo, um caso de latrocínio, estupro, homicídio, ou seja, casos graves que merecem uma resposta também grave e imediata do Estado”.
Embora louvável o discurso abolicionista, ainda não é possível, na sociedade atual, abrir mão do Direito Penal, sob a justificativa de que os demais ramos do ordenamento jurídico são capazes de resolver todas as lesões aos bens jurídicos.
Se a extinção do sistema penal revela-se utópica, a aplicação do Direito Penal Máximo mostra-se ilusória. Para Greco (2015, p. 15) “Não se educa a sociedade por intermédio do Direito Penal. O raciocínio do Direito Penal Máximo nos conduz, obrigatoriamente, à sua falta de credibilidade”.
Quanto maiores forem as infrações penais, menores serão as chances de restarem efetivamente punidas, aumentando a cifra negra e o caráter seletivo do sistema penal.
Hulsman e Celis (1997, p. 59) elencam que: “Se um grande número de vítimas não denuncia os fatos puníveis à polícia, esta também não transmite todos os fatos que lhe são comunicados ao Parquet, o qual, por sua vez, longe de mover processos em relação a todos os fatos que lhe são submetidos, arquiva a maior parte. Isto quer dizer que se o sistema penal, longe de funcionar na totalidade dos casos em que teria competência para agir, funciona em um ritmo extremamente reduzido”.
A sociedade, a seu turno, ainda não compreendeu que o problema carcerário pelo qual tem passado não se resolve com o emprego do Direito Penal. Tem-se utilizado o aludido ramo do ordenamento jurídico como instrumento inicial para combater todo e qualquer conflito social, indo de encontro ao caráter subsidiário do Direito Penal. O resultado desse processo é a falência do sistema prisional, bem como da função ressocializadora da pena.
Não raro surgem alternativas para solucionar a crise do encarceramento em massa, dentre elas, a construção e/ou privatizações de presídios. Contudo, a realidade brasileira tem demonstrado que não obstante as reformas no gerenciamento desse impasse, a sina do autofracasso persistirá se o Estado e a sociedade civil não voltarem-se às origens dos motivos ensejadores da marginalização social.
Para Thompson (2002, p. 12): “Por melhores que sejam as intenções que o amparem, por mais entusiastas, dedicados e doutos que se mostrem os técnicos convocados para a missão, por mais liberal a atitude do Governo, no sentido de destinar verbas com vistas à obra, nenhuma melhoria real será obtida, se o planejamento se dirigir a uma reforma exclusivamente penitenciária. Penso que o campo assim demarcado, por demais augusto, impedirá a desenvoltura dos movimentos necessários para a consecução do objetivo a que se visa”. (grifo do autor)
De todo modo, dissertar sobre privação de liberdade é sempre tarefa delicada, principalmente quando não se observa o desenvolvimento, em larga escala, de atividades ressocializadoras, medidas essas essenciais à reinserção do indivíduo na sociedade. O resultado desse processo, é que uma vez o apenado saindo pior que quando adentrou na penitenciária, por decorrência de sua deterioração, ou mesmo da inutilização de suas potencialidades, com grande probabilidade voltará a delinquir e, consequentemente, onerar a própria sociedade livre com a lesão a bens jurídicos[7].
Nesse enfoque, o Direito Penal do Equilíbrio visa resgatar a eficiência do Direito Penal. Conforme Bitencourt (2006, p. 27): “Propõe-se, assim, aperfeiçoar a pena privativa de liberdade, quando necessária, e substituí-la, quando possível e recomendável”. (grifos do autor)
Quando se fala em Direito Penal do Equilíbrio, ou Mínimo, fala-se em um modelo normativo que visa obedecer à estrita legalidade, tendo como meta minimizar a violência e maximizar a liberdade, e para isso impõe limites ao poder punitivo estatal, isto é, busca o equilíbrio entre o Abolicionismo e o Direito Penal Máximo (NUCCI, 2014).
Greco (2015, p. 03) assevera que: “Desta forma, a orientação constante do trabalho será dirigida, primeiramente, a retirar do nosso ordenamento jurídico-penal todas as contravenções penais, que fogem à lógica do Direito Penal do Equilíbrio, uma vez que se a finalidade deste é a proteção dos bens mais relevantes e necessários ao convívio em sociedade, incapazes de serem protegidos tão somente pelos demais ramos do ordenamento jurídico; e se as contravenções penais são destinadas à proteção dos bens que não gozam do status de indispensáveis, no sentido que lhe empresta o Direito Penal, a única solução razoável será a sua retirada da esfera de proteção por este último”. (grifo do autor)
Mediante a aplicação do Direito Penal do Equilíbrio, o discurso crítico não mais será levado ao processo de inflação legislativa, mas, sim, a uma nova análise do Direito Penal frente as garantias asseguradas no ordenamento pátrio, bem como, nas Convenções e Tratados Internacionais onde o Brasil é signatário.
A paulatina e ordenada descriminalização de condutas que não sejam capazes de lesionar bens jurídicos relevantes, possibilitará maior eficiência no desempenho das funções policiais, ministeriais e judiciais. O sistema carcerário, por sua vez, estará apto a abrigar os indivíduos que violam o Direito Penal, sem esquecer, outrossim, da função ressocializadora da pena.
Diante desse panorama, a ideia do Direito Penal do Equilíbrio, segundo Carvalho (2001, p. 91) é: “maximizar os direitos e reduzir o impacto do penal/carcerário na sociedade”, gerando, por conseguinte, uma diminuição de apenados nas penitenciárias, tudo isso através de um sistema de recodificação das leis penais e processuais penais.
Desta feita, é evidente que a visão do Direito Penal do Equilíbrio ou Mínimo é a que mais atende aos anseios sociais, uma vez que evita a atuação meramente simbólica do Direito Penal, que relega as garantias asseguradas na Magna Carta de 1988, assim como os postulados insertos na Lei de Execuções Penais.
Nessa toada, a pena representaria um instrumento de negação da vingança, um limite ao poder punitivo estatal; seria, por assim dizer, um mal menor em relação ao contingente de possibilidades que seria exigida na sua inexistência. Vale ressaltar, ainda, que a missão do Direito Penal do Equilíbrio é tutelar prioridades, vez que não se pode esperar a solução para todo e qualquer problema social mediante o exercício do poder punitivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando as análises das ideias dos autores supracitados no texto e a parte legal, conclui-se que a utilização de um Direito Penal Equilibrado, em consonância com os princípios e garantias assegurados no ordenamento jurídico, representaria a idealização de um modelo normativo eficiente e apto a cumprir com as finalidades da pena.
A partir dos objetivos que se quis alcançar, o que se encontrou foi uma utopia no discurso abolicionista quando associado à realidade brasileira, pois embora o atual sistema penal encontre-se em condições degradantes, ainda não é possível extingui-lo. O Direito Penal Máximo, por sua vez, nasce destinado ao autofracasso, pois atribui ao Direito Penal a solução de todos os conflitos, desgastanto ainda mais a credibilidade do ordenamento jurídico. Nesse enfoque, demonstrou-se que nenhuma mudança significativa ocorrerá no cenário penitenciário, se o Estado e a sociedade civil continuarem a fomentar o Estado Penal, em detrimento do Estado Social.
O estudo que se fez buscou demostrar que a visão Minimalista ou Equilibrada é a que melhor atende aos anseios sociais, pois almeja uma recodificação das leis penais e processuais penais, deixando a cargo dos outros ramos do ordenamento jurídico as infrações de somenos importância. O modelo normativo proposto pelo Direito Penal do Equilíbrio seria, assim, o primeiro passo para combater o encarceramento desordenado.
A dificuldade que se encontrou na realização do estudo foi o fator tempo, que restou exíguo para uma pesquisa de grande complexidade. Sugere-se àqueles que venham interessar-se por desenvolver esse tema, que acompanhem discussões em congressos, meios eletrônicos, artigos e livros acerca da questão carcerária brasileira e das possíveis soluções para uma política criminal eficaz.
Ante o exposto, restou patente que o Direito Penal do Equilíbrio, pautado no Garantismo Penal, é mais efetivo para trazer justiça e equidade e certamente servirá como política criminal adequada para diminuir o encarceramento massivo, sem, no entanto, configurar impunidade. Trabalha-se, aqui, com o princípio da proporcionalidade e, principalmente, com a visão onde o ser humano representa o ponto inicial para uma sociedade harmônica e justa. É isso que se almeja com o Direito Penal do Equilíbrio.