Pensamos, com efeito, que os moços são sujeitos a envergonhar-se porque vivem pelos sentimentos e por isso cometem muitos erros, servindo a vergonha para refreá-los; e louvamos, então, os jovens que possuem essa característica.
Aristóteles, Ética à Nicômaco
É comum em conversas as pessoas leigas do direito confundirem a prisão e apreensão de adolescente, assim como a prática de crime e a prática de ato infracional, mas essas, assim como vários detalhes relacionados aos adolescentes que atentam contra o direito, são coisas distintas. A finalidade desse artigo é trazer algumas explicações acerca disso e orientar aqueles que possuem um filho ou dependente, ou mesmo amigo ou outro parente, que cometeu ou está sendo representado pela prática de uma ato infracional.
Primeiramente é importante saber que adolescentes (tecnicamente aqueles que possuem entre 12 e 18 anos) não praticam crimes, pois são considerados inimputáveis, ou seja, não podem ser imputados quaisquer crimes a eles, o que significa, por exemplo, que “sua ficha não fica suja” quando se tornar maior de idade, mantendo-se réu primário caso venha a praticar alguma infração penal quando adulto. No entanto, esta prática comparável a um crime será objeto de discussão e investigação e existem consequências para a delinquência juvenil.
Quando o adolescente pratica uma conduta contrária ao direito, um ato considerado crime ou se omite quando deveria agir por lei (no caso em que a omissão é crime, como quando se omite socorro), então ele será chamado de infrator, pois praticou um ato infracional, o que é uma forma de aplicar por analogia a lei penal ao adolescente, sem no entanto igualá-lo ao praticante de crime ou contravenção, o que ocorre apenas para os que já atingiram os dezoito anos e já possuem responsabilidade penal.
O adolescente assim como o adulto possui garantias em relação ao momento da sua apreensão, o que para o adulto equivale a uma prisão, tais como a de ser comunicada imediatamente a apreensão aos pais ou responsáveis legais, assim como ao juiz do Juizado da Infância e Juventude, de saber quem o apreendeu, de ser comunicado de quais são os seus direitos, de ter prioridade no processamento dos procedimentos de ato infracional em que participar e em qualquer outro tipo de atendimento, entre outras garantias assemelhadas ao que ocorre no direito penal para os adultos como o direito à ampla defesa e ao contraditório, o direito de ser julgado por um juiz imparcial e competente (juiz do Juizado da Infância e Juventude), tratamento digno entre vários outros.
Portanto, o adolescente não pode ser preso, mas apreendido, o que na prática não deixa de ser algo bastante parecido, senão igual. E é por isso que vulgarmente as pessoas falam que “prenderam um adolescente”, quando o que querem dizer é que houve a apreensão do jovem. E diferentemente do que ocorre no processo penal em que o indiciado por crime é denunciado, o adolescente é representado, o que na prática é uma mera alteração de nomes. Também não se diz que o adolescente sofreu uma condenação, normalmente o juiz julga procedente ou improcedente a representação e reconhece ou não a prática. Mas esta é uma questão de juridiquês.
Vale também mencionar que a própria apreensão de um adolescente somente se dará quando em flagrante prática de ato infracional (o crime para os adultos) ou por ordem fundamentada da autoridade competente, o que significa dizer que apenas por ordem do juiz da Vara da Infância e Juventude, ou de quem estiver substituindo tal juiz, pode decretar a apreensão do mesmo, devendo ser a ordem por escrita e justificada com os motivos que levaram o juiz a decidir pela apreensão do adolescente. Sem fundamentação, a decisão pode ser anulada e, portanto, a apreensão será ilegal, o que também ocorre se a apreensão se dá sem o flagrante ou qualquer ordem judicial, ou ainda, havendo ordem judicial, a mesma não é cumprida regularmente, como na hipótese de ser cumprida durante a noite quando o adolescente encontrava-se em casa, cabendo inclusive o habeas corpus para todos esses casos.
Se um policial ou qualquer pessoa constranger ou causar vexame ao adolescente sob sua responsabilidade, logo após a apreensão, poderá responder criminalmente por crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Também é crime a falta de comunicação imediata da apreensão ou a não liberação logo após descobrir que a mesma foi ilegal, ou ainda, quando se realiza a apreensão sem ordem judicial ou na ausência de ato infracional. Veja que essas condutas são criminalizadas para a defesa da liberdade do menor de idade e servem de alerta para abusos e arbitrariedades dos abusadores do poder de polícia e de decisão.
Outra distinção importante é que o adolescente não pode ser punido pelas penas que cabem a um adulto, tais como a reclusão, detenção ou prisão simples. Ao adolescente infrator deve ser aplicado pelo juiz as medidas sócio-educativas, todas previstas no ECA. Entre elas estão a advertência, a prestação de serviços à comunidade, obrigação de reparar o dano, a internação, entre outras.
Além disso, ao adolescente também podem ser aplicadas as medidas protetivas que são normalmente invocadas em favor de crianças e adolescentes em situação vulnerável e de risco quando não estão sendo atendidos os direitos previstos na legislação destinada a defesa dos direitos dos infantes e jovens, sendo algumas das medidas protetivas, a obrigação de frequência escolar, a requisição de tratamento médico, o encaminhamento aos pais ou responsáveis, a colocação em família substituta, entre outras.
Diferentemente do que ocorre no direito penal, onde presume-se a capacidade do adulto maior de dezoito anos para gerir sua própria vida e fazer as escolhas sob as quais se responsabilizará, no direito da infância e juventude, a criança é considerada ainda em desenvolvimento físico, mental e social, não podendo, por isso ser tratado como responsável pelos próprios atos da mesma forma como são responsáveis os adultos, exceto nos casos do menor de 18 anos emancipado. Neste caso, no entanto, o adolescente ainda é inimputável, apesar de já possuir a capacidade civil. Também é importante salientar que há casos em que o menor de dezoito anos respondem criminalmente quando se trata de crime militar, mas isso é assunto para outro artigo.
Por isso o contexto social do adolescente é fortemente levado em conta, sendo bastante relevante o seu relacionamento com os familiares e a comunidade que participa, decidindo o juiz dentro desse contexto, o que no direito penal é diluído, vez que o contexto familiar do adulto, por exemplo, ainda que considerado na aplicação da pena, não é tão relevante para a apuração de sua conduta criminosa, da sua culpabilidade, etc., vez que já é um indivíduo desenvolvido e “capaz de andar com as próprias pernas”.
Diante de tudo isso, caro(a) amigo(a), se teve o infortúnio de ter seu filho ou filha sequestrado pela delinquência ou, por um acidente do destino, o seu filho teve a infelicidade de praticar um ato infracional, a depender da gravidade ou do grau de culpa que teve, não se desespere ou ire-se contra ele. Não se desespere, pois o desespero só deve ter seu momento quando nada mais pode ser feito, e não se ire contra seu filho, mas tente buscar a compreensão e o perdão, lembre-se que antes de você ser pai, foi filho, e que todo filho infelizmente tem alto potencial de trazer decepções aos pais em consequência de sua inexperiência, dúvidas, ingenuidade, ânsia por reconhecimento entre os amigos. Portanto, se vier o seu filho a praticar um ato infracional, antes de tudo, tenha compreensão e paciência para enfrentar essa triste situação, pois ele ainda é uma pessoa em desenvolvimento e ainda está aprendendo a conviver em sociedade e diante dos obstáculos que a vida traz, construindo sua personalidade.
É importante que acompanhe o seu filho na delegacia, perícia, no juizado, nas clínicas ou em qualquer espaço que seja obrigado a ir em decorrência da infração, o que é um direito do adolescente ser acompanhado pelos pais ou responsáveis. O desamparo pode ser a maior contribuição para que o jovem venha a delinquir mais vezes, diante da falta de quem o acompanhe nesse momento difícil. E não se envergonhe se apontarem o dedo de acusação contra você e seu filho, lembre-se que ainda que tenha de fato praticado o infeliz ato infracional, ele não deixou de ser seu filho.
Também é imprescindível que esteja acompanhado de um advogado para sua defesa técnica. De preferência desde o momento da apreensão, se houver tempo. O advogado irá te oferecer um escudo contra arbitrariedades ou erros que policiais mal intencionados ou despreparados podem realizar. Economizar com a liberdade do seu filho não pode ser levado a sério, mas caso não tenha realmente como arcar com os honorários de um advogado, é direito do adolescente ser defendido gratuitamente por defensor ou advogado dativo, então busque o mais rápido possível o auxílio de um defensor público ou caso já tenha sido encaminhado a um pelo delegado ou tenha sido nomeado pelo juiz, procure-o para conversar com ele o quanto antes, pois será o seu maior aliado na defesa do seu filho.
Preciso também lhe acalmar na hipótese de que o seu filho venha a ser considerado como autor do ato infracional a ele atribuído. O infrator apenas pode cumprir alguma das medidas sócio-educativas até completar 21 anos, quando se atinge a prescrição da medida. O que já é um alívio para as famílias em que algum membro adolescente é reconhecido como infrator. Caso ele seja mantido, por exemplo, internado ou prestando serviço à comunidade após essa idade ou após o prazo determinado pelo juiz, é importante que ele comunique imediatamente isso ao juiz do Juizado da Infância e Juventude e ao responsável pelo estabelecimento em que cumpra a medida, o que, embora não seja uma necessidade legal, é uma cautela razoável, pois evita qualquer mal entendido, ilegalidade ou erro judiciário, principalmente se após o atingimento dos vinte e um anos lhe exigirem ainda o cumprimento da medida aplicada por “esquecimento das autoridades”.
Por fim, é de bom alvitre orientá-lo de que não se acanhe ou esmoreça diante das autoridades e servidores que participarão do procedimento de apuração do ato infracional ou da aplicação da medida sócio-educativa, pois lembre-se que são seres humanos como você e devem observar as leis, ainda que estejam em uma situação de decidir, e eles não devem ser temidos, mas respeitados, assim como você também deve ser, caso contrário serão responsáveis pelos atos que excedam e que tragam qualquer vexame, constrangimento ou abalo a você ou seu filho.
No momento é isso que tinha a escrever. Torço que nunca tenha que usar na prática as orientações acima redigidas, mas caso precise que lhe sejam úteis. Fico à disposição para sanar mais dúvidas sempre que precisar, abraço!