O Brasil atualmente detém a quarta maior população carcerária do mundo sendo 66% condenados e 34% presos provisórios, cenário que emerge o grave problema da superpopulação dos presídios e em consequência, a lacuna na ressocialização do egresso.
A sociedade em geral não enxerga com bons olhos aqueles que delinquiram, deixando-os à margem, sem oferecer qualquer oportunidade de emprego ou reinserção social, retirando destas pessoas a percepção de que o cárcere deveria ser apenas uma passagem, um período de cumprimento de uma sanção em decorrência de um crime, e após o cumprimento da pena, elas deveriam retomar suas vidas de maneira digna, sendo o trabalho uma forma de reaver esta dignidade.
Não bastasse a pecha de ser um ex-detento, após o cumprimento de toda a pena que lhes foi arbitrada, deparam-se com o problema da emissão de documentos, estes, imprescindíveis para se pleitear um emprego registrado. Muitas vezes, por efetiva lentidão do Estado, os dados não são atualizados, sendo assim, o egresso não consegue dar baixa nos registros criminais impossibilitando a regularização do Título de eleitor, bem como do Cadastro de Pessoa Física.
Nesse ínterim, um dos maiores entraves encontrados pelo egresso é a pena de multa, a qual vem discriminada no Código Penal no requisito secundário do tipo penal, normalmente em adição à pena privativa de liberdade. Entretanto, esta pena, caso não seja paga, mantém-se como uma restrição penal pendente, sendo impeditivo para regularização de documentos, mantendo o egresso como um prisioneiro, algemado pela burocracia estatal.
Conforme aduz o artigo 15, III da CF/88, havendo condenação criminal transitada em julgado, ocorrerá a perda ou suspensão dos direitos políticos. De acordo com o artigo 5º, III do Código Eleitoral, não se podem alistar eleitores que estejam privados de seus direitos políticos, temporária ou definitivamente.
Nesse sentido, o egresso, mesmo que já tenha atingido o seu TCP, o Término de Cumprimento de Pena, mas ainda tenha pendente a multa, não consegue reaver sua qualidade de cidadão, sendo-lhe negado o exercício da soberania popular garantido pelo artigo 14 da CF/88 como desdobramento do artigo 1º, parágrafo único, da Magna Carta: “todo poder emana do povo...”.
A muralha imposta pelo Estado é mais gravosa do que se imagina, uma vez que a maioria dos sentenciados no Brasil são vítimas da falta de amparo social e escassez de recursos. Após saírem do cárcere, suas vidas encontram-se totalmente desordenadas, sendo qualquer recurso financeiro indispensável para buscar uma nova trajetória, restando inviável o pagamento de qualquer multa.
Vale ressaltar que para muitas destas pessoas, por menor que seja o valor a ser pago, irá fazer muita diferença em seu orçamento, dificultando ainda mais esse recomeço de vida.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo insistentemente ingressa, junto à Vara de Execução, com pedidos de Extinção da Punibilidade Independente do Pagamento da Multa, entretanto, grande parte dos Magistrados de primeiro grau indeferem o pedido, o que enseja Agravos em Execução para apreciação pelo Tribunal de Justiça.
Cumpre destacar que todo este tortuoso caminho é muito demorado em virtude da morosidade do judiciário e ainda, neste longo período, muitos reeducandos, sem ter qualquer oportunidade devido à muralha estatal frente a regularização de sua situação, acabam não encontrando outro caminho senão o retorno à criminalidade.
Outrossim, toda essa movimentação do Judiciário quanto à extinção da multa, além de ser muito demorada, promove gastos estrondosos e ao final, digamos que seja dado provimento à Extinção de Punibilidade, a multa se torna dívida ativa junto à Procuradoria Geral do Estado o que emerge dois novos cenários: quando o valor é muito baixo, a Fazenda acaba por não executar e a dívida prescreve; quando o valor é de alta monta, mesmo que a Fazenda execute, o egresso não terá como pagar. Desta feita, no modelo atual, a movimentação judiciária produz altíssimos gastos e ao final a multa nunca será paga, serve apenas para empurrar novamente, o latente homem de bem, ao mundo do crime.
Atualmente existe uma Ação Civil Pública por parte da Defensoria Pública do Estado de São Paulo no sentido de extinguir a pena de multa quanto for atingido o Término de Cumprimento de Pena, entretanto existem arestas a serem aparadas, pois o Ministério Público não aceita a possibilidade deste perdão por completo.
Nesse sentido precisamos sopesar qual seria o melhor caminho para a imposição de multa, levando-se em consideração o artigo 59 do Código Penal, quanto à fixação da pena, bem como o artigo 60 do mesmo diploma legal, que versa sobre a situação econômica do réu para a fixação da pena de multa, fazendo valer de fato a individualização da pena.
Faz-se mister ponderar a aplicação da pena de multa ao sentenciado sem condições financeiras, uma vez que este não irá conseguir pagar esta quantia, o que provocará a pendência de um crime e seu retorno à criminalidade.
Por outro lado, tal pena não deveria ser extinta por completo, sem diretrizes claras, uma vez que existem sentenciados que possuem muitos recursos financeiros, haja vista os criminoso da operação Lava Jato.
Restam cristalinos os percalços trilhados pelo egresso quando este é posto em liberdade, uma liberdade ilusória, pois ele ainda se encontra preso à interpretação criminal quanto ao não pagamento de uma multa a qual não lhe é possível honrar em virtude de sua condição social precária, além da condição de egresso por si só.
Desta forma, o Estado deveria facilitar a ressocialização do egresso, principalmente daquele em situação precária. Em parceria com a iniciativa privada, dever-se-iam viabilizar programas de inclusão oferecendo oportunidades em empresas, balizados em políticas públicas adequadas, com incentivos fiscais, fazendo valer os princípios dos Direitos Humanos.
Ademais, a questão da imposição de pena de multa requer revisão, e nos casos de multa remanescente, esta deveria se tornar dívida ativa junto à Procuradoria Geral do Estado no momento do atingimento do TCP, servindo como um impulso ao egresso em seu caminho de ressocialização.
Cumpre ressaltar a falta de amparo do Estado aos menos favorecidos e o quão discriminatório é o sistema judiciário. Senão vejamos:
Existe tendência ao recrudescimento da pena do sentenciado e o Ministério Público não aceita o perdão da multa, entretanto, há algumas lacunas bastantes tortuosas no sistema penal. Quando temos, por exemplo, um crime de violência doméstica praticado por homens de classe média, ou classe alta, estes infratores não querem de forma alguma que ninguém de seu círculo social tenha conhecimento de seu processo, muito menos do crime cometido e de sua índole agressiva. Para se esconderem e ninguém tomar conhecimento, não constituem advogado, mesmo tendo plena condição financeira para tanto, sendo assim, sem um patrono, são atribuídos a esses criminosos, Defensores Públicos, em respeito ao Princípio do contraditório e da ampla defesa, Defensores Públicos remunerados pelo Estado, ou seja, pagos por toda população, profissionais que deveriam defender pessoas sem recursos para constituir advogado.
Esta fórmula atual, prejudica não só a classe dos advogados, mas a sociedade como um todo! O que poderia ser feito?
Quando constatado que o réu tem plena condição financeira de constituir um advogado particular e não o fizer, ao invés de lhe constituir um Defensor Público, o Magistrado deveria aplicar multa diária até a constituição do advogado no processo. Desta forma, os valores destas multas poderiam suprir os valores deixados de arrecadar em virtude da isenção da pena de multa em análise, aquela arbitrada atualmente ao réu hipossuficiente, em adição à pena privativa de liberdade.
Faz-se necessário repensar o modelo punitivo e lapidá-lo no sentido de alcançar uma forma mais justa e humana, levando-se em consideração as condições socioculturais e econômicas daquele que delinquir, procurando entender a realidade de cada um e os caminhos que os levaram ao cometimento de um crime.