A GUARDA COMPARTILHADA OBRIGATÓRIA À LUZ DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA


01/06/2016 às 16h40
Por Michele Andressa Urague

A GUARDA COMPARTILHADA OBRIGATÓRIA À LUZ DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA

RESUMO

O Presente trabalho tem por objetivo trazer à baila as discussões referentes a Lei 13.058/2014, abordando os seus pontos positivos e negativos, sua aplicabilidade e eficácia, bem como os pontos de maior controvérsia pelos doutrinadores da atualidade.

Com o presente estudo, conseguiremos analisar as consequências da entrada em vigor dessa recente modificação legislativa, ocasião em que lograremos, com mais nitidez, em identificar se a Lei atingiu a finalidade proposta, qual seja, a regulação da guarda e o término das disputas conjugais envolvendo seus filhos, assegurando a convivência entre os genitores com a criança, possibilitando a efetivação das medidas concernentes ao poder familiar de ambos, cuja análise será realizada sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança.

Palavras-chave: Inovação legislativa, guarda, convivência familiar, princípios constitucionais.

1. INTRODUÇÃO

O instituto da guarda é um dos mais importantes no Direito atual, vez que, através dele, se garantirá o cumprimento de inúmeros direitos fundamentais, cuja má fixação, poderá ocasionar efeitos nefastos à criança, se tratando de um tema aplicado pelo Poder Judiciário com muita cautela.

Com uma intenção aparentemente agradável, a de que haja divisão entre pai e mãe de todas as atribuições relacionadas ao seu filho, a Lei 13.058/2014 foi publicada, dispondo acerca da fixação da guarda compartilhada, inclusive nos casos em que não houver consenso entre o casal, excetuando-se as hipóteses de um dos genitores manifestar expressamente que não deseja a guarda do menor, e no caso de incapacidade de um deles, ocasião em que poderá ser fixada a guarda unilateral.

No entanto, com essa redação, a Lei trouxe alguns problemas correlatos, que serão enfrentados ao longo do presente trabalho, entre eles, sobre a existência ou não da discricionariedade ao magistrado, quando da aplicação da guarda compartilhada, haja vista que a norma estabelece apenas duas exceções, bem como se tal inovação legislativa veio disciplinar o instituto da guarda compartilhada ou guarda alternada, face a aparente confusão do legislador.

Por fim, há que se salientar que, tornar obrigatória a guarda compartilhada, justamente na situação em que exista conflito entre os genitores, poderá acarretar em inúmeros outros problemas e conflitos, gerando, por consequência, prejuízos também à criança, que se vê no meio e como causador desse cenário.

Desta forma, objetiva-se chegar a uma conclusão acerca da aplicação, abrangência e eficácia da mencionada norma, sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança, e somente sob esse prisma, veremos se a Lei goza de real efetividade, frente aos problemas e limitações no seio familiar da atualidade.

2. GUARDA COMPARTILHADA: HISTÓRICO E REGULAMENTAÇÃO

O Código Civil de 2002, no Capítulo XI, denominado "Proteção da Pessoa dos Filhos", dispõe sobre as modalidades de guarda nos artigos 1.583 e 1.584. Tais artigos foram profundamente modificados pela lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014, popularmente conhecida por “Lei da Guarda Compartilhada Obrigatória”.

Anteriormente a alteração, o artigo 1.583 previa que, caso houvesse a dissolução da sociedade conjugal, o que os genitores acordassem sobre a guarda teria prevalência. No caso de dissenso entre os cônjuges, a guarda seria fixada àquele que revelasse melhores condições para exercê-la.

Também, outras disposições são aplicadas quando o assunto é o instituto da guarda, consoante se percebe dos artigos 1579, 1632, 1690 todos do Código Civil e, especialmente, o artigo 229 da Constituição Federal, o qual preconiza que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.

A diversificação de dispositivos vem a disciplinar um dos temas mais importantes da nossa legislação atual, haja vista a vasta proteção da criança e do adolescente nos mais diversos Códigos e Leis esparsas. Isto porque, o instituto vem garantir a proteção e o cumprimento dos direitos e garantias fundamentais às crianças e adolescentes, eis que a guarda significa “sustentar, é dar alimento, roupa e, quando necessário, recursos médicos e terapêuticos; guardar significa acolher em casa, sob vigilância e amparo; educar consiste em instruir, ou fazer instruir, dirigir, moralizar, aconselhar” (MIRANDA, 1983, p. 94-101).

Como é sabido, a separação do casal, por si só, causa danos psicológicos aos filhos, especialmente se decorrentes de divórcio litigioso, onde a criança se vê no meio e como causadora da situação. No entanto, a melhor opção deverá ser escolhida ao menor, pois o que está se desconstituindo é o laço conjugal, jamais o laço tutelar.

Aos casais que possuem filhos, os deveres mais importantes do casamento são as responsabilidades atinentes ao sustento, guarda e educação destes, no qual deverão ser divididas entre ambos. Com relação ao sustento, a divisão deverá ser proporcional aos rendimentos de cada um, conforme disposição do artigo 1568 do Código Civil (ULHOA, 2012, p. 49).

A guarda compartilhada está contemplada no Código Civil como regra desde 2008, cujas tentativas para garantir sua efetividade restaram infrutíferas. Muito embora o Código Civil dispusesse sobre as duas espécies de guarda, sempre existiu uma preferência muito grande pela guarda unilateral, nos casos em que havia discordância entre os genitores.

Na data de setembro de 2014, a revista Isto é divulgou uma pesquisa em que apontou que apenas 5,95% das decisões judiciais foram favoráveis a guarda compartilhada, comprovando a preferência pela guarda unilateral (BRANDALISE, 2014).

Verificou-se que, no decorrer dos anos, o judiciário entendeu que, no caso de discordância entre os genitores, o instituto que melhor se adequaria ao caso seria o da guarda unilateral, pois acreditavam que, desta forma, os interesses dos menores estariam garantidos. Na guarda unilateral “o filho fica com um dos pais, enquanto ao outro se concede o direito de visitas (CC, art. 1.589) e o dever de supervisionar os interesses do filho (art. 1.583, § 3º)” (ULHOA, 2012, p. 84).

Antes mesmo da alteração em 2014, a guarda compartilhada já era a regra e, portanto, o judiciário se equivocou ao estabelecer limitações, aplicando a guarda unilateral no caso de divergência dos genitores.

Com o propósito de minimizar as consequências do divórcio, surgiu o Projeto de Lei nº 117/2013, apresentado pelo Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, que deu origem a Lei nº 13.058/2014, dispondo que, no caso de inexistir acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, estando ambos aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, exceto se um dos genitores declarar expressamente ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

Desta forma, com essa alteração, a guarda compartilhada se tornou a regra, inclusive nos casos em que houver dissenso do casal quanto a guarda do filho, salvo na hipótese de existir manifestação por parte de um dos genitores abrindo mão da guarda.

A Lei 13.058/2014 efetuou a substituição da expressão "sempre que possível" por critérios objetivos, com o propósito de extinguir o posicionamento equivocado que vinha sendo aplicado pelo poder judiciário e consolidar o fato de que a guarda compartilhada deve ser aplicada como regra geral, podendo ser afastada apenas por ausência de capacidade de exercício do poder familiar a um dos pais ou manifestação expressa de um dos genitores ao magistrado, asseverando faltar vontade ao exercício do poder familiar.

Muito embora o objetivo da lei seja realmente bonito, visando a divisão das responsabilidades, já que toda e qualquer decisão envolvendo o menor deverá ser tomada conjuntamente, percebe-se facilmente a imensidão de problemas dela decorrentes. Primeiramente, a norma passa a real impressão de que não há discricionariedade no momento da fixação da guarda, pois estabelece uma única exceção expressa.

Acrescenta-se que, a nova legislação se apresenta de forma confusa e não nos permite concluir se a inovação veio regular o instituto da guarda compartilhada ou da guarda alternada, esta última não disciplinada pelo Código Civil e objeto de infindáveis críticas dos doutrinadores, pois a criança perde o seu referencial, podendo ocasionar danos psicológicos irreparáveis ao menor.

Tal modalidade de guarda afronta diretamente o princípio da continuidade do lar, eis que a criança, a cada período de tempo, deve residir com um determinado genitor, de modo que o poder familiar é transferido de acordo com a alternância da guarda. Ao contrário, conforme asseverou Eduardo de Oliveira Leite, “a guarda compartilhada mantém, apesar da ruptura, o exercício em comum da autoridade parental e reserva, a cada um dos pais, o direito de participar das decisões importantes que se referem à criança” (LEITE, 1997, p. 261), independentemente de qual residência esteja o menor.

Afora estas questões, a Lei 13.058/2014 foi positivamente recepcionada pelos juristas, na medida em que os efeitos do divórcio aos menores serão reduzidos com o compartilhamento e convivência da família.

3. A GUARDA COMPARTILHADA À LUZ DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA

Como visto, a guarda compartilhada vem sendo indicada, ainda que haja divergência do casal quanto a guarda do filho, cuja Lei 13.058/2014 veio sanar algumas omissões e tornou-a como a regra geral em nosso ordenamento.

No entanto, a norma apresentou aparente confusão entre os institutos da guarda compartilhada e da guarda alternada, vez que, tal lei pareceu regular esta última modalidade, não prevista no Código Civil e bastante criticada pelos doutrinadores.

Destarte, ao contrário da guarda alternada, não é inerente na guarda compartilhada o compartilhamento também do tempo de convivência entre as residências dos pais, haja vista que tal divisão é geralmente realizada como desdobramento do poder familiar. Nesse ínterim, a expressão de que o tempo de convívio deve ser dividida "de forma equilibrada" entre os pais, contida no §2º do artigo 1583 do Código Civil, com a atual redação, fazendo menção acerca da divisão do tempo com os filhos, também pode ser entendido como uma aproximação da guarda compartilhada à guarda alternada, que são, como já dito, modalidades diversas.

O legislador anteviu os problemas advindos com o divórcio, que geralmente acarretam o rompimento dos laços conjugais de forma não harmônica e, mesmo assim, houve a imposição da guarda compartilhada inclusive aos pais que não se relacionam bem.

Não podemos considerar insensibilidade do legislador quanto a essa situação, já que a norma, desde 2008, já trazia a guarda compartilhada como regra, sendo que a recente inovação veio apenas consolidar essa questão e trazer critérios objetivos a sua aplicação. A importância da correta aplicação de uma das modalidades de guarda é imensurável, eis que o que se almeja é reduzir a disputa entre pais pelos filhos e, especialmente, tentar abolir a alienação parental atinente a esta disputa, muito comum, infelizmente, nos divórcios.

Maria Antonieta Pisano Motta, asseverou que a guarda compartilhada visa:

diminuir os conflitos de lealdade os quais podem ser resumidamente traduzidos como sendo a necessidade da criança ou adolescente de escolher, defender, tomar o partido de um dos pais em detrimento do outro. Quando estes sentimentos estão presentes na criança entende que a ligação, interesse, carinho, afeto, necessidade de convivência e apoio a um dos pais, significa deslealdade e traição ao outro. As consequências emocionais são muito sérias e a criança pode isolar-se, afastando-se de ambos os pais, inclusive daquele que teme estar traindo e magoando.

Justamente por isso, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania foi favorável ao Projeto de Lei nº 117/2013, que originou a Lei 13.058/2014, conforme trecho do parecer que ora se transcreve, dada a sua importância sobre o tema:

A guarda conjunta garante, de forma mais efetiva, a permanência da vinculação mais estrita de ambos os pais na formação e na educação dos filhos, que a simples visitação dá espaço. O compartilhar da guarda dos filhos é o reflexo mais fiel do que se entende por poder familiar. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. (Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 117/2013, p. 06)

Ademais, denota-se que a sua aplicação encontra-se disposta nos mais diversos artigos da nossa Constituição Federal, nos dispositivos que asseveram:

Existir igualdade entre o homem e mulher (art. 5º, I), quando afirma existir igualdade de direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal a serem exercidos pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º), bem como quando reclama uma paternidade responsável (art. 226, § 7º). Também, o Estatuto da Criança e do Adolescente, assevera sobre a proteção integral do menor (art. 1º), impondo à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público o dever de assegurar ao menor uma convivência familiar à consideração de sua condição peculiar como pessoa em desenvolvimento. Em razão disso, é que se garantiu ao menor o direito de participar da vida familiar (art. 16, inciso V) e de “ser criado e educado no seio de sua família”, (art. 19), incumbindo aos pais o poder familiar, sempre exercido em igualdade de condições (art. 21), a quem, conjuntamente, a lei incumbe o dever de sustento, guarda e educação (art. 22) (LEVY, 2009).

Na tentativa de colocar em prática todos esses direitos e garantias constitucionais, deve o magistrado, preferencialmente, determinar a guarda compartilhada, ainda que seja o caso de dissenso entre os genitores, visando atender os interesses e prerrogativas do menor.

Sobre o assunto, é este o entendimento da nossa jurisprudência, conforme julgados que ora se transcreve, pela pertinência de suas fundamentações:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA COMPARTILHADA. LEI Nº 13.058/2014. REGRA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APELO PROVIDO PARCIALMENTE. I - De acordo com a Lei nº 13.058/2014, que altera os dispositivos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 todos do Código Civil, a guarda compartilhada dos filhos é regra em todos os casos, ainda que não haja acordo entre os pais, salvo quando existir motivo excepcional que a impeça; II- Na espécie, não há elementos que afastem a possibilidade da incidência da guarda compartilhada. Na verdade, verifica-se que os genitores moram na mesma cidade (São Luis/MA) e no mesmo bairro (Cidade Operária), fato que, ao menos em termos de deslocamento, não gerará maiores impactos na rotina das crianças, que poderão frequentar, independentemente de quem esteja exercendo a custódia física em determinado momento, a mesma escola, tendo as mesmas referências sociais e, o mais relevante, recebendo carinho e atenção de ambos os genitores; III- O Estudo Social indica a competência de ambos os genitores para dividirem o cuidado e criação de seus filhos, apontando a guarda compartilhada como medida mais proveitosa para os maiores interessados, as crianças, que hoje contam com 05 (cinco) e 03 (três) anos de idade; Apelo parcialmente provido. (TJ-MA - APL: 0589172014 MA 0004339-58.2014.8.10.0001, Relator: JOSÉ DE RIBAMAR CASTRO, Data de Julgamento: 10/03/2015, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/03/2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE SEPARAÇÃO, GUARDA E ALIMENTOS. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DA GUARDA UNILATERAL PARA A GUARDA COMPARTILHADA COM BASE NA LEI 13.058/2014. Na sociedade em que vivemos pai e mãe podem separar-se um do outro quando decidirem, mas devem ser inseparáveis dos filhos, sendo dever do Judiciário assegurar que esta será a realidade. Fixar a guarda compartilhada é regulamentar que ambos os genitores são responsáveis em todos os sentidos por seus filhos, têm voz nas decisões e, portanto, participam ativamente das suas formações. Assim, e não havendo negativa expressada por um dos genitores ou nenhuma outra conduta que deva ser especialmente avaliada, a guarda é compartilhada. ALIMENTOS. Não havendo prova irrefutável da incapacidade do alimentante, ônus que lhe cabia, restam mantidos os alimentos fixados. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70063573299, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 23/04/2015). (TJ-RS - AI: 70063573299 RS , Relator: Alzir Felippe Schmitz, Data de Julgamento: 23/04/2015, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/04/2015)

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE. FILHO COMUM. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA DESACOLHIDA. ESTUDO PSICOSSOCIAL. AMBOS OS PAIS POSSUEM CONDIÇÕES PARA EXERCER OS CUIDADOS DA PROLE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE FIXA A GUARDA UNILATERAL PARA A MÃE. GUARDA COMPARTILHADA. CABIMENTO. REGRA. ARTIGO 1.584, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES DO STJ E DO TJDFT. SOLUÇÃO QUE MELHOR ATENDE AO INTERESSE DA CRIANÇA. SENTENÇA REFORMADA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. 1. A sentença enfrentou todas as teses defensivas e, de qualquer modo, o julgador não é obrigado a se pronunciar sobre todos os argumentos invocados pelas partes. Nulidade afastada. 2. É cediço que o direito de guarda é conferido segundo o melhor interesse da criança e do adolescente. A orientação dada pela legislação, pela doutrina e pela jurisprudência, releva a prevalência da proteção integral do menor. Portanto, tratando-se de investigação sobre quem deve exercer a guarda de um infante, impõe-se que o julgador perscrute, das provas contidas nos autos, a solução que melhor atende a essa norma, a fim de privilegiar a situação que mais favorece a criança ou ao adolescente. 3. O ordenamento jurídico pátrio estabelece que, quando não houver acordo entre os genitores sobre a guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada (CC, art. 1.584, § 2º). 4. Na hipótese, segundo as conclusões do laudo psicossocial, a sentença de primeiro grau merece reforma a fim de que a guarda seja fixada de maneira compartilhada, levando-se em consideração que tal situação retrata a melhor solução para o desenvolvimento das crianças, garantindo-lhes uma ampla convivência familiar com os genitores. 5. Com efeito, ambos os genitores mostraram condições de exercerem o poder familiar, o que, sendo assim, permitirá uma convivência assídua das menors com ambos os pais, o que foi considerado benéfico ao seu desenvolvimento pelo estudo psicossocial. 6. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-DF - APC: 20110112016833 DF 0049672-22.2011.8.07.0001, Relator: SILVA LEMOS, Data de Julgamento: 10/12/2014, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 21/01/2015 . Pág.: 454)

No entanto, o que não se concorda é que seja aplicada a guarda compartilhada indistintamente, sem análise do caso concreto pelo magistrado, apenas porque se consolidou como regra no ordenamento jurídico.

Atualmente, vivenciamos uma profunda crise no Poder Judiciário, face a ausência de servidores suficientes e excesso de trabalho, razão pelo qual as decisões acabam sendo proferidas quase no automático. Hialino que é mais fácil seguir um posicionamento atendendo ao que dispõe cegamente a legislação, do que analisar e avaliar criticamente o caso concreto.

Por isso, se os autos demonstrarem que outra modalidade de guarda seria melhor a criança, esta deverá ser aplicada, ainda que a lei estabeleça outra como regra e o caso não esteja amparado pelas exceções previstas legalmente.

Isto porque, todo caso deve ser analisado profundamente antes de ser decidido. Como é sabido, genitores que não possuem diálogo, insatisfeitos com a situação e sem capacidade de cooperação, se obrigados a decidirem conjuntamente as responsabilidades com o filho, por decisão judicial, podem influenciar negativamente na educação e no desenvolvimento deste, razão pelo qual, nesses casos, a guarda compartilhada pode ser muito prejudicial ao menor.

Evidente que o propósito da lei não é estabelecer uma regra cega, sem análise da situação fática decorrente. A Lei nº 13.058/2014, que apresenta a guarda compartilhada como regra e aponta apenas duas exceções, significou sim um importante avanço no sentido de se valorizar a presença de ambos os pais, com decisões conjuntas, mas que pode ser afastada, visando garantir a efetividade do princípio do melhor interesse da criança.

Tal princípio sempre foi o norteador quando o assunto se trata do instituto da guarda. Inclusive, a interpretação do que seria a expressão “melhores condições para exercê-la”, contida antigamente no § 2º do artigo 1583 do Código Civil, sempre foi interpretada pelo poder Judiciário de acordo com o mencionado princípio.

Para Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008):

O melhor interesse da criança e do adolescente se relaciona à dimensão afetivo-antropológica do cuidado, atuando simultaneamente como atitude de preocupação e inquietação pela criança e do adolescente (forma de preocupação), mas também como atitude de desvelo, solicitude, afeição e amor (forma de enternecimento e afeto pela criança). Assim, o vetor a ser observado em matéria de atribuição da guarda jurídica (unilateral ou compartilhada) tem como base o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (GAMA, 2008, p. 248).

Visando buscar atender o melhor interesse da criança, tal critério foi consolidado como uma cláusula geral e como um princípio protetivo do menor, que deve se adequar a cada caso concreto. Para sua real efetivação, não é suficiente a análise apenas do que dispõe a legislação, mas sim uma análise apurada da situação fática dela decorrente, o qual o magistrado deverá avaliar metodicamente os interesses da criança, sejam eles materiais ou morais, respeitando a particularidade da situação e das partes envolvidas. (CARBONERA, 2000, p. 124).

De acordo com o entendimento de alguns doutrinadores, o qual destaca-se Alves (2009, p. 96), colocar a guarda compartilhada como regra no ordenamento jurídico, com observância quase que obrigatória, pois a norma aponta apenas duas exceções, principalmente no caso de inexistir consenso entre os pais, pode colocar em risco o melhor interesse da criança.

Conforme apontou Garcia (2008, p. 107/108) em sua obra, mesmo após a alteração legislativa de 2008, nem sempre o instituto da guarda compartilhada poderá ser aplicado, haja vista que depende da relação desenvolvida entre os genitores, pois dificilmente um casal que não coopera conseguirá decidir e dividir conjuntamente as responsabilidades sobre o filho.

Justamente para efetivação do melhor interesse da criança é que o Código Civil, em seu artigo 1586, dispõe que, no caso de motivos graves, poderá o Juiz regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos 1583 e ss.

Posto isso, percebe-se que a guarda compartilhada como regra geral e com apresentação de pressupostos objetivos é um grande avanço para a sociedade como um todo, pois tal modalidade visa a participação de ambos os pais nas decisões atinentes ao seu filho, com responsabilidades conjuntas no sustento, educação e tudo o que se refere a sua subsistência.

No entanto, tal “obrigatoriedade” deverá ser aplicada com muita cautela, pois o casal que possui desavenças, rancor um com o outro, dificilmente conseguirá sustentar a guarda na modalidade de compartilhamento. Por isso, o magistrado não poderá aplicar friamente o que está disposto em legislação, devendo determinar a realização de estudo social, psicossocial e todas as medidas existentes para que o princípio do melhor interesse da criança seja atendido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A guarda compartilhada deve ser encarada como uma projeção de que ambos os pais são importantes e imprescindíveis para o bom desenvolvimento do seu filho, e por isso, a sua consolidação pela Lei 13.058/2014, representou um avanço importantíssimo para a nossa legislação e também para o futuro de nossas crianças. Sem dúvida, se aplicado corretamente, é o instituto que melhor dá efetividade às disposições constitucionais sobre responsabilidade conjunta dos genitores e proteção dos direitos da prole.

Para isso, os genitores nunca poderão perder de vista que os laços conjugais se dissolvem com o divórcio, mas os laços fraternais entre pais e filhos jamais devem ser dissolvidos, tampouco enfraquecidos. Justamente para manutenção destes laços e diminuição das consequências e os efeitos de uma separação, é que a guarda compartilhada se mostra como a melhor opção.

No entanto, muito embora tenha sido disciplinada como regra geral, com duas exceções previstas expressamente, a guarda compartilhada poderá ser afastada diante da imensidão de circunstâncias e condições manifestadas em cada caso concreto, que deverão ser cautelosamente analisadas pelo magistrado.

O Juiz não pode, usar como pretexto a letra fria da Lei, e deixar de levar em consideração que o bem estar da criança pode e deve ser tratado com prioridade.

Isto porque, conforme visto, tornar obrigatória a guarda compartilhada, justamente na situação em que exista conflito entre os genitores, poderá acarretar em inúmeros outros problemas e conflitos, gerando, por consequência, prejuízos também à criança, que se vê no meio e como causador desse cenário, cujo instituto da mediação poderá ser utilizado para superação destas questões.

Portanto, ainda que a Lei não dê grande margem ao magistrado em sua decisão, quanto a aplicação da guarda compartilhada como regra geral, atualmente disciplinada pela Lei 13.058/2014, cabe aos juristas, de um modo geral, tais quais advogados, magistrados e promotores, garantir a proteção dos direitos e garantias fundamentais da criança. Mil novas normas poderão surgir, mas todas elas deverão observar o princípio do melhor interesse da criança, que deve nortear todas as relações entre pais e filhos visando a concretização dos direitos e garantias fundamentais destes.


    Referências

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    ALVES, L. B. M. A guarda compartilhada e a lei nº. 11.698/2008. Revista Iob de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, v. 9, n. 51, jan./fev. 2009.

    BRANDALISE, Camila. No caminho da guarda compartilhada. Revista Isto É independente, set. 2014. Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/382249_NO+CAMINHO+DA+GUARDA+COMPARTILHADA.

    CARBONERA, S. M. Guarda de filhos: na família constitucionalizada. Porto Alegre: Fabris, 2000.

    GAMA, G. C. N. Princípios constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas,2008.

    GARCIA, M. T. M. Reflexões sobre a nova redação dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil: guarda compartilhada e outras questões. Revista Iob de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, v. 9, n. 50, out./nov. 2008. p. 107-114.

    LEITE, E. de O. Famílias monoparentais. São Paulo: RT, 1997.

    LEVY, Laura Affonso da Costa. O estudo sobre a guarda compartilhada. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 66, jul 2009. Disponível em: . Acesso em julho 2015.

    MIRANDA, F. C. P de. Tratado de Direito Privado- Parte Especial. 4.ed. 2.tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. t. VIII.

    MOTTA, M. A.P. Guarda Compartilhada – uma nova visão para novos tempos. Disponível em: http://www.apase.org.br.

    RAUPP, Valdir. Senador-Relator. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre

    o Projeto de Lei da Câmara nº 117, de 2013, do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que "altera os arts.

    1.583, 1.584, 1.585, 1.596 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, para

    estabelecer o significado da expressão ‘guarda compartilhada’ e dispor sobre sua aplicação".

    Disponível em: .


    Michele Andressa Urague

    Advogado - Mundo Novo, MS


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