INTRODUÇÃO
Não há que se duvidar da enorme quantidade de tributos (impostos, taxas e contribuições) existentes em nossa legislação. Basta pensar a quantidade de tributos que uma empresa está obrigada a pagar. As atividades empresariais vão muito além das práticas comerciais, se faz necessário o cumprimento de várias obrigações (pagamento de impostos): IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, IPI, etc. Muita das vezes o empresário não detém o conhecimento técnico para apurar os referidos tributos. Não raro, precisam da ajuda de um profissional especializado. Nesse contexto, emerge a importância dos contadores.
Vê-se então, a princípio, a importante correlação entre o contador e a empresa, na medida em que o contador auxilia na sistematização das informações para tomada de decisões da empresa. Porém, alguns empresários possuem uma visão equivocada do contador, na medida em que, vislumbra naquele profissional alguém que só trás impostos para o mesmo pagar. Assim, alguns empresários não procuram um contador de qualidade, mas sim um profissional que ofereça um serviço barato e que consiga livrar o maior número de impostos.
Nesse ponto uma distinção conceitual se faz necessário. Entre Ilisão Fiscal e Evasão Fiscal.
Elisão Fiscal é tida como prática lícita. Também chamada de economia fiscal ou planejamento fiscal. São práticas destinadas a diminuir a carga tributária de pessoas físicas e jurídicas. Tais práticas tendem a evitar, minimizar ou adiar a ocorrência do próprio fato gerador mediante a via jurídica lícita que lhe proporcione tal desiderato. A atenção deve está voltada para um ponto bem específico, qual seja, o fato gerador. A conduta do agente que pretende diminuir a carga tributária deve ser praticada antes da ocorrência do fato gerador. Só assim sua conduta será considerada lícita. Assim entende Decomain:
- A Ilisão Fiscal, portanto, sendo prática destinada a evitar ou retardar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, de molde a ser alcançada economia de tributos é atividade tradicionalmente considerada lícita, razão pelas qual não sujeitaria o seu ator a qualquer penalidade. (Decomain, 2010, p.38)
Evasão Fiscal é considerada prática ilícita. É sinônimo de fraude fiscal. Tem como objetivo, uma vez já ocorrido o fato gerador da obrigação tributária, subtrair o seu conhecimento aos agentes fazendários, ou levar a eles um conhecimento quantitativo ou qualitativamente distorcido desse fato, de molde a eximir-se indevidamente o sujeito passivo da obrigação tributária do pagamento do tributo devido, mediante esse artifício fraudulento.
Assim percebe-se que a ação ou omissão do sujeito passivo da obrigação tributária acontece após o nascimento desta, isto é, depois de acontecido o fato gerador dp tributo, ter-se-á situação de evasão fiscal, passível de punição no âmbito administrativo e eventualmente até no mesmo penal.
Nota-se, portanto, que a diferenciação entre uma prática e outra consiste em analisar em que momento operou-se a conduta do agente. Se a conduta do agente foi realizada antes do nascimento do fato gerador temos ilisão fiscal prática considerada legal. Porém, se a conduta do agente foi realizada após o nascimento do fato gerador temos evasão fiscal prática considerada ilegal. Percebe-se, portanto, que o ponto chave gira em torno do fato gerador. Esse é o marco temporal a ser analisado para se constata a ocorrência da ilisão fiscal ou evasão fiscal.
Retornando a relação contador-empresa temos: 1º) O empresário que contrata o contador com objetivo de fazer um planejamento tributário apto a escolher o caminho tributário menos oneroso para a empresa. Nesse sentido sua conduta é licita, pois estamos diante da ilisão fiscal. 2º) Porém, temos a figura do empresário que objetiva o lucro a qualquer custo. E para tanto escolhe o caminho da evasão fiscal prática considerada ilícita. E nesse contexto quem responderia penalmente pela prática da ilisão fiscal? O contador? O empresário (diretor, sócio, administrador, sócio-gerente, administrador por procuração do sócio, administrador de fato que se valha de interposta pessoa)?
LINHA TÊNUE
O que autoriza a responsabilização penal? O direito penal não seria uma medida, demasiadamente, drástica para enfrentar o problema? Não haveria outro ramo do ordenamento jurídico para solucionar o caso? Para superar esses questionamentos se faz necessário diferenciar crime tributário (infração penal) do ilícito tributário (infração tributária).
Primeiramente, deve ser analisado se existe uma obrigação tributária principal que nasce com a ocorrência do fato gerador. Tal análise deve ser feita antes da prática do crime. Nesse particular, ocorre a chamada dupla tipicidade. Logo, deve ocorrer a tipicidade tributária (determinado fato + hipótese de incidência descrita no tipo tributário) em seguida averiguar a ocorrência da tipicidade penal (conduta – ação ou missão + tipo penal descrevendo a conduta criminosa).
O crime tributário somente vai ser caracterizado se houver uma lesão a um determinado bem jurídico tutelado pela lei penal. Caso estejamos diante de uma mera infração tributária (mera infração de dever) não existe razão para a incidência do direito penal. Como bem ensina Hector Villegas , ao considerar que, o que outorga autonomia aos crimes contra a ordem tributária é o fato de que eles não representam meras infrações á norma tributária , mas comportamentos que afetam a um bem jurídico digno de proteção penal.
Então, respondendo os questionamentos, temos: Somente quando houver lesão a um bem jurídico tutelado pela Lei Penal é que se legitima a atuação do Direito Penal, visto que, o Direito Penal moderno possui princípios de elevada importâncias tais como : Intervenção mínima, Subsidiariedade e Fragmentariedade. Todos com igual aptidão a proporcionar uma atuação delimitada e respeitosa aos direitos e garantias fundamentais, devido a sanção penal possuir uma especial gravidade, impondo as mais sérias restrições aos direitos fundamentais.
A responsabilização penal
Na discussão ora em exame, iremos utilizar a Lei nº 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária) como referência. Pois, na prática das relações empresarias (contador x empresa) são os crimes que mais são praticados.
De início, destaca-se que os arts. 1º e 2º da Lei nº 8137/90 exige que a supressão ou redução do tributo seja cometida mediante uma fraude. Um meio ardil, fraudulento apto a lesiona a ordem tributária (bem jurídico tutelado) que linhas atrás foi denominado evasão fiscal. Logo, não é um simples inadimplemento com as obrigações tributárias (infração de dever). Os dispositivos legais ora citados obedecendo aos princípios da legalidade e da tipicidade descrevem as condutas ardilosas, citamos algumas (as que mais são praticadas) para exemplificar: I) Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias II) Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal III) Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos. Da leitura dos dispositivos legais fica fácil a constatação do intento fraudulento e ardil do agente.
Os crimes de sonegação fiscal (Lei nº 8137/90) são cometidos, somente, com dolo, caracterizado pela manifestação livre e consciente de cometer crime. Dessa forma sepulta-se de vez a possibilidade de cometimento dos crimes tipificados na Lei nº 8137/90 por pessoas jurídicas. Somente pessoas físicas podem cometê-los.
Sem adentar em uma discussão dogmática aprofundada, pois o tema suscita as mais diversas opiniões. Serão utilizadso os julgados dos Tribunais Regionais Federais para se chegar a responsabilização criminal dos crimes praticado no âmbito das empresas. Pois, há certo entendimento dos TRFs a respeito do tema.
Decisões
1º O TRF- 4º Região julgando a apelação criminal nº 5000765-67.2011.404.7204/SC deixou assentado que, para que possa haver a responsabilização criminal do contador, se faz necessário comprovar que o mesmo tinha poderes para decidir sobre o recolhimento, ou não, dos tributos. Caso o contador não ostente tal qualidade não há que se falar em responsabilização criminal do contador.
Neste caso, a responsabilização criminal vai ser imputada a quem, efetivamente, exerce o comando administrativo da empresa (Administrador, Sócio-Gerente, Diretor, Administrador por procuração do sócio, Administrador de fato que se valha de interposta pessoa).
- PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. REDUÇÃO OU SUPRESSÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. RESPONSABILIDADE DO CONTADOR. AFASTADA. DOLO GENÉRICO. 1. Comete crime contra a ordem tributária o agente que suprime o pagamento de tributos, mediante omissão de informações e prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias. 2. Em se tratando de crimes contra a ordem tributária, aplica-se a teoria do domínio do fato. É autor do delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o domínio final da ação, aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não. Tratando-se de tributo devido pela pessoa jurídica, autor será aquele que efetivamente exerce o comando administrativo da empresa, podendo ser o administrador, o sócio-gerente, diretor, administrador por procuração de sócio ou mesmo um administrador de fato que se valha de interposta pessoa, esta figurando apenas formalmente como administrador. 3. Não há como responsabilizar o contador pela sonegação tributária se não comprovado que esse tinha poderes para decidir sobre o recolhimento, ou não, dos tributos. Independentemente do assessoramento por contador, a responsabilidade por seus atos, especialmente no que tange à quitação de tributos, é do administrador legal. 4. O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico, bastando, para a perfectibilização do delito, que o agente tenha a vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir o pagamento de tributos. 5. Recurso improvido. ( Grifo Nosso)
- (TRF-4 - ACR: 50007656720114047204 SC 5000765-67.2011.404.7204, Relator: JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Data de Julgamento: 15/04/2015, OITAVA TURMA, Data de Publicação: D.E. 16/04/2015)
2ºO TRF-1º julgando o Recurso em Sentido Estrito nº 0079221-64.2010.4.01.38008/MG rejeitou denúncia contra o contador e recebeu contra o gerente e proprietário da empresa.
Narra a denúncia, em apertada síntese, que o contador e o gerente – proprietário da empresa teriam praticado o crime tipificado no art.1º, I,da Lei nº 8137/90. Pois, teriam prestado informação falsa à Receita Federal.
O Desembargador- Relator em seu voto afirmou que o sujeito ativo do crime, ordinariamente, é o contribuinte, ou seja, os administradores da sociedade que constem do contrato social.
Excepcionalmente, o delito pode ser imputado a terceiros que não integrem a estrutura societária formal, como nos casos de contrato de mandato, quando reste demonstrado ou haja indícios que o mandatário era o verdadeiro administrador ou co-administrador. No caso, não houve na denúncia qualquer elemento ou demonstração de que o contador administrava, de fato, a empresa, ou de que consciente participou da execução do delito.
Seguindo a análise do voto, o contador realmente não detinha poderes de gestão, sendo que a decisão de sonegar ou não os tributos não lhe cabia, ainda que responsável pela escrituração contábil, fiscal e financeira da empresa, pois se tratava de empregado subordinado às ordens do gerente- proprietário da empresa.
3º O TRF- 2º Região julgando a apelação criminal nº 0002804-79.2008.4.02.5104 absolveu o contador e condenou os representantes legais da empresa.
Narra a denúncia, em apertada síntese, que o contador da empresa e os seus representantes legais teriam praticado o crime previsto no art.1º, I, da Lei nº 8137/90. Pois, teriam suprimido tributos, mediante a omissão de informações à autoridade fazendária.
Em seu voto, o Desembargador- Relator admite a possibilidade de responsabilização criminal do contador, que no exercício de sua profissão, desenvolva técnicas de ilisão fiscal que ludibriem ou induzam o fisco em erro, há necessidade de que reste, devidamente, demonstrado o dolo nesse sentido.
Conclui o Desembargador- Relator afirmando que, as alterações promovidas pelo contador no contrato da empresa não podem servir para imputar a prática criminosa ao contador da empresa. Pois, os documentos lhes foram entregues, devidamente, autenticados, além do mais, em tais alterações, descabe cobrar do profissional de contabilidade a fiscalização da correção material da documentação, já que atua, em regra, verificando as regularidades formais.
4º Da mesma forma que as decisões anteriores, o TRF 5º Região, julgando a apelação criminal nº 200983080002721. O Desembargador- Relator André Luis Maia Tobias Granja deixou registrado em seu voto que, o fato de ser o contador da empresa, por si só, não atrai a responsabilidade criminal pelo delito imputado (responsabilidade objetiva), sendo indispensável para o juízo condenatório a comprovação de efetiva colaboração para o crime. A condição de profissional contábil não caracteriza, portanto e obrigatoriamente, adesão ao crime tributário, salvo se provado que obtinha o experto, direta ou indiretamente, vantagem decorrente das omissões ou sonegações.
5º A ultima decisão analisada é a apelação criminal n º 0007793-09.2011.4.03.6103 do TRF 3º Região. Em tal decisão o Relator (Des. Cotrim Guimarães) entendeu que, os crimes praticados no âmbito das pessoas jurídicas, somente é atribuída a quem de fato possui o comando administrativo da empresa.
No caso, restou comprovada a responsabilidade penal da provedora da Santa Casa São Joaquim (recorrida), sendo responsável quanto aos atos da pessoa jurídica, nos termos do disposto no art. 15 do Estatuto Social. O período que permaneceu como provedora corresponde ao período em que houve a sonegação da contribuição previdenciária.
A contadora restou absolvida. As provas colhidas nos autos demonstram que, em que pese a existência de contrato de prestação de serviços, Alessandra (contadora) não era responsável pela elaboração das guias relativas às contribuições previdenciárias, elaborando apenas balancetes.
Conclusão
Para haver responsabilização criminal do contador no âmbito dos crimes praticados dentro das estruturas complexas das empresas, há de ser observado se o contador, efetivamente, exercia o comando administrativo da empresa, ou seja, se o contador tinha poderes para decidir sobre o recolhimento, ou não, do tributo.
Com a análise dos julgados, chegamos a seguinte regra: O sujeito ativo do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8137/90, ordinariamente, é o contribuinte, ou seja, os administradores da sociedade que constem do contrato social da mesma. Porém, o delito pode ser imputado a terceiros que não integrem a estrutura societária formal, como nos casos de mandato, quando reste demonstrado ou haja indícios que o mandatário era o verdadeiro administrador ou co-administrador.
Logo, se o contador de alguma forma integra a estrutura societária formal, agindo como administrador ou co-administrador, poderá ser responsabilizado criminalmente pelas práticas delituosas cometidas no bojo das empresas. Mais uma vez, apenas se o contador exerce o comando administrativo da empresa (administrador ou co-administrador) é que será possível cogitar de sua responsabilização criminal.
Por derradeiro, não basta, simplesmente, que o contador integre a estrutura hierárquica da empresa para que haja sua responsabilização criminal. Não se admite a responsabilização objetiva dos contadores nos crimes perpassados no interior das estruturas empresarias. No Direito Penal moderno a máxima nullun crimen sine culpa ( não há crime sem culpabilidade) deve ser entendida no sentido de que, a prática de qualquer crime exige dolo ou culpa. Logo, em um processo criminal em que um contador é tido come réu, mister se faz demonstrar o seu elemento subjetivo, ou seja, se agiu com dolo direto ( quis o resultado), dolo eventual ( assumiu o risco) ou com culpa ( negligencia, imprudência ou imperícia). Ainda que a materialidade delitiva reste comprovada, se faz necessário comprovar esses elementos para comprovar a autoria delitiva dos contadores.
Bibliografia
Pedro Roberto Decomain. Crimes Contra a Ordem Tributária. Ed. Fórum,5º ed.2010. p.38
Hector Villegas. Direito Penal tributário. São Paulo: Resenha Tributária,1974,p.29 e s
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