Andreia Saraiva de Deus[1]
Publicação Oficial [2]
RESUMO
Dentre outros direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, inclusive a preservação da imagem, valores e crenças garante aos menores condições salubres para seu desenvolvimento competindo a todos; Estado, família e sociedade, em decorrência do principio da proteção integral, o dever de velar pela sua dignidade. Todavia, nos últimos anos, é frequente a ocorrência de casos de abuso sexual na infância e adolescência, causando sequelas corporais e emocionais graves. Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo apresentar uma análise dos aspectos jurídicos e psicológicos do abuso sexual contra menores. Para isso efetuou-se um estudo bibliográfico das legislações que tratam dos direitos da criança e do adolescente, dando ênfase aos dispositivos legais que preveem a proteção das vítimas e a punição dos agressores. Afinal, tornar públicas discussões sobre esse tema é uma forma de apresentar à sociedade em geral que o abuso sexual é uma transgressão à dignidade do menor, causador de efeitos que podem perdurar uma vida inteira e, que por isso, não deve ser tratado como um caso isolado, de responsabilidade apenas da família da vítima, mas sim como um problema de âmbito social.
Palavras-chaves: Abuso sexual, Crianças e Adolescentes, Proteção Integral, Consequências Psicológicas.
INTRODUÇÃO
Atualmente, é cada vez mais corriqueiro deparar-se com noticiários e testemunhos de histórias trágicas envolvendo abuso sexual contra crianças e adolescentes. Esse tipo de violência constitui uma agressão ao bem-estar do menor e requer uma resposta ampla e abrangente do sistema judiciário e da própria sociedade que, de maneira articulada e coordenada, devem garantir a proteção integral aos menores, prevista na Constituição Federal de 1988 e na lei nº8. 069/90, isto é, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Os supracitados dispositivos jurídicos asseguram à criança e ao adolescente o status de pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, conferindo-lhes a titularidade de direitos fundamentais por atribuir à infância e à juventude um momento especial na vida do ser humano e por tal motivo, esses direitos devem ser salvaguardados.
Entretanto, embora exista um rol de direitos, no que tange a proteção e cuidados, os problemas enfrentados pelos menores são muitos, como falta de assistência, exploração e abusos, implicando prejuízos à sua integridade, pois casos de maus tratos e violências contra crianças e adolescentes são situações ainda presentes hodiernamente, sendo o abuso sexual uma agressão com incidência significativa, principalmente pela situação de vulnerabilidade e pela dificuldade encontrada para a reversão do processo traumatizante que essa conduta horrenda causa.
A agressão gerada pelo abuso sexual em uma criança ou adolescente é uma violência que se torna oculta, diante do fato da maioria dos casos ser praticado por pessoas conhecidas das vítimas, ocasionando uma multiplicidade de sentimentos que impedem a denúncia, especialmente quando o algoz são pessoas próximas, em geral membros da própria família.
Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo geral analisar os aspectos jurídicos e as sequelas psicológicas do abuso sexual praticado contra menores de idade, de maneira que a discussão do tema possa colaborar na prevenção da ocorrência de novos casos.
O problema do projeto em curso resume-se em evidenciar os fatores psicojurídicos do abuso sexual contra menores, tentando compreender esse fenômeno que perpassa todas as classes sociais, culturas e etnias, já que, por ser o tema um assunto relevante do Direito especial atual, é importante apresentar para a comunidade acadêmica a necessidade de elaborar estudos e discussões sobre ele.
Dessa forma, através das informações aqui apresentadas, o estudo propõe evidenciar que o conhecimento das causas e das sequelas do abuso sexual praticados contra crianças e adolescentes é imprescindível para a prevenção, intervenção e colaboração às vítimas, afinal a proteção à infância e à juventude não é responsabilidade somente do núcleo familiar, mais sim de todos os que compõem a sociedade civil.
BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O domínio do mais forte sobre o mais fraco fez-se presente ao longo da história da humanidade, sendo as crianças e adolescentes, em decorrência da sua condição de passividade, vítimas fáceis, já que em outros tempos eram vistos como pessoas inferiores, com dever de obediência incondicional aos seus pais ou tutores.
De acordo com Cunha, Lépore e Rossato (2011), essa interpretação equivocada sobre o tratamento dado aos menores perdurou por muito tempo, criando um modelo nefasto e autoritário na condução da criação dos mesmos, causando infâncias repletas de abusos, maus tratos e explorações.
Os autores relatam ainda, que a comunidade internacional não demonstrava nenhuma preocupação específica com a criança, nem tão pouco reconhecia a importância de sua proteção, de tal forma que, para a concretização das normas de proteção à criança e ao adolescente, foi trilhado um longo caminho, que somente veio a efetivar-se após a elaboração de várias Declarações e Convenções, surgidas no século XX, que tinham em seu teor o reconhecimento dos direitos humanos aos menores.
Nesse contexto, Cunha, Lépore e Rossato (2011, p.52) são enérgicos ao afirmarem que “dois fatores foram marcantes para que tal preocupação eclodisse: o descontentamento da classe operária com as condições de trabalho existentes e os horrores da Primeira Guerra Mundial, com consequências maléficas as crianças”.
Assim, inúmeras declarações foram elaboradas no intuito de solidificar os direitos das crianças e adolescentes. Nesse contexto, Chaves (1997) relata que a Declaração sobre os Direitos da Criança, ratificada em 26 de setembro de 1923, em Genebra; a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU em 1948; a Segunda Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada em 1959; a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 e Declaração de Viena de 1993; constituíram o alicerce de toda a legislação internacional que trata da proteção à Criança e ao Adolescente, bem como qualquer outra prerrogativa jurídica que disponha sobre assuntos do interesse do menor.
No Brasil, as referidas Convenções e Declarações foram absorvidas pelo texto constitucional vigente, por se tratarem de tratados e convenções internacionais de direitos humanos, conforme prevê §3º do art. 5º da atual Carta Magna, e deram origem ao seguinte caput:
Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (Constituição Federal, 1988)
Todavia, embora com previsão na lei maior, fez-se necessário para melhor aplicação do dever constitucional acima citado a elaboração de uma legislação especial no intuito de estabelecer as normas gerais e específicas de proteção à infância e ao adolescente. Dessa maneira surge o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sancionado pela lei nº. 8.069/90, que passará a dispor sobre os direitos dos menores, estabelecendo um sistema de proteção integral e integrada. Nesse contexto, Paula (2002) apud Cunha, Lépore e Rossato (2011, p.72) afirma:
A evolução do tratamento da criança e do adolescente no mundo jurídico pode ser resumida em quatro fases, sendo a elaboração da lei 8.069/90 a quarta e última fase, que se caracteriza pela proteção integral, em que as leis reconhecem direitos e garantias às crianças, considerando-as como uma pessoa em desenvolvimento.
Dessa forma, a doutrina de proteção integral aos menores iniciada na constituição de 1988, torna-se mais conhecida com a vigência do ECA, no qual aqueles são caracterizados como indivíduos que não possuem o desenvolvimento pleno de suas potencialidades e por isso gozam de garantias fundamentais até sua maioridade, conforme o caput do referido Estatuto:
Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando - lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (LEI Nº8. 069, 1990).
Para Cunha, Lépore e Rossato (2011), no Brasil, com a promulgação da lei nº8. 069/90, os menores não mais ostentam a condição de meros objetos de proteção conforme dispunha o revogado Código de Menores de 1979 que, na verdade, de acordo com os autores não passava de um código contaminado por um espírito autoritário e despreocupado com a proteção da criança e do adolescente.
O ECA é “um postulado normativo do interesse superior da criança, servindo como um norte para a aplicação dos princípios e regras referentes ao direito da criança e do adolescente, bem como um exame de razoabilidade quanto à aplicação de normas jurídicas” (CUNHA, LÉPORE e ROSSATO, 2011, p.81).
Desse modo, o referido Estatuto representa um grande avanço atinente à proteção dos direitos humanos das crianças, pois não há como desconsiderar a situação de vulnerabilidade desses sujeitos, sendo a preservação dos seus direitos em condições de liberdade e dignidade um dever público.
CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E PSICOLÓGICAS DO ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê nos artigos 17 e 18, respectivamente, o direito ao respeito e à dignidade, a saber, que o direito ao respeito, consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. E o direito à dignidade consiste no dever de todos em velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
De acordo com Cunha, Lépore e Rossato (2011), o abuso sexual contra a criança pode ser ainda caracterizado como violência sexual ou exploração sexual, sendo que a primeira consiste na prática de atos sexuais com o menor, mediante violência real ou presumida, chantagem ou ameaça. Enquanto o segundo é a utilização sexual do menor com fins comerciais ou lucrativos.
Para Amazarray e Koller (1998) apud Azevedo, Habigzang, Koller e Machado (2005), o abuso sexual pode ser definido, de acordo com seu contexto de ocorrência. Isto é, extrafamiliar, quando realizado fora do ambiente familiar, e intrafamiliar, quando cometido no próprio ambiente doméstico, perpetrado por pessoas próximas, às vezes, incestuoso.
O abuso sexual cometido contra a criança ou adolescente é considerado uma relação de poder desigual e traumatizante, em especial quando praticado por membros da família, pois como citam Azevedo, Habigzang, Koller e Machado (2005) nestas condições, além do ato de violência, faz-se presente o abuso da relação de poder e confiança sobre o menor. Logo, o abuso sexual trata-se de uma agressão à liberdade e à dignidade das pessoas em desenvolvimento, merecendo um pulso forte do Estado e da sociedade em geral, de maneira a garantir a denúncia, a proteção e medidas sancionais aos agressores.
Da denúncia e das medidas de proteção.
O artigo 5º da lei nº8. 069/90 afirma que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
Nesse sentido, a violação aos direitos da criança e do adolescente devem ser comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, e caso não exista o referido instituto, a comunicação deve ser feita a autoridade judiciária ou policial competente, sem prejuízos de outras medidas legais.
Assim, as situações que envolvam abuso sexual devem ser denunciadas na primeira oportunidade, pois de acordo com Amazarray e Koller (1998, p.03) “denunciar esse tipo de violência é uma tarefa essencial, uma vez que o silêncio perdoa o agressor e reforça seu poder sobre a vítima”.
Nesse contexto, Del Campo e Oliveira (2007) apud Cunha, Lépore e Rossato (2011, p.374) relatam que maus tratos praticados contra menores não podem ser ocultados, sendo “o dever de comunicação estendidos a outros profissionais, a exemplo dos professores, médicos, responsáveis por estabelecimento de ensino, dentre outros, sob pena de responsabilização por omissão, conforme art. 245 do ECA”.
Portanto, a importância da denúncia dos casos de abuso sexual praticados contra menores, faz-se necessária para que sejam tomadas as medidas legais de proteção, no intuito de que a violência não volte a ocorrer, pois somente com a denúncia é que a autoridade judiciária poderá determinar como medida cautelar, o afastamento do agressor, no caso de moradia comum, ou em casos mais graves a suspensão do poder familiar e guarda em caráter de urgência, bem como acionar a policia para a instauração de inquérito, apurando a existência dos delitos cometidos.
Das medidas de punição aos agressores.
Azevedo e Guerra (2000), afirmam que o abuso sexual praticado contra menores é repugnante por violar dolosamente as regras morais que a sociedade considera indispensáveis à sua existência.
No Brasil não há a tipificação do crime de abuso sexual, mas a lei nº12. 015, de 2009, trouxe mudanças ao Código Penal no qual foi acrescentado, com denominação determinada pela própria lei, o Capítulo II - “dos crimes sexuais contra vulnerável” que traz os tipos penais estupro de vulnerável (art. 217 – A e art. 218), satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A) e o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual vulnerável (art. 218 – B). A saber:
Art. 217 - A. Ter conjugação carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos:
Pena - reclusão de oito a quinze anos.
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena - reclusão de dois a cinco anos.
Art. 218 - A. Praticar na presença de alguém menor de 14 anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:
Pena - reclusão de dois a quatro anos
Art. 218 - B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual, alguém menor de 18 anos ou que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:
Pena - reclusão de quatro a dez anos.
Assim, com a alteração do Código Penal dada pela lei nº12. 015/09, a prática de crime sexual contra menores de 14 anos passa a ter uma pena mais severa, condicionando o sujeito ativo do delito a uma penalidade maior. E independente de qualquer classificação penal dada às ações de abusos sexuais contra menores, é importante salientar que incumbe ao cidadão que souber de casos de abusos sexuais contra crianças e adolescentes, o dever de denunciar as autoridades competentes, afinal a lei dispõe no art. 70 do ECA ser “dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”, pois a sociedade deve estar atenta e denunciar práticas que violem os direitos dos menores, já que legislações isoladas não possuem forças suficientes para coibir os abusos.
Sequelas psicológicas do abuso sexual.
Segundo Azevedo e Guerra (2000), um dos fatos mais agravantes do abuso sexual contra crianças e adolescentes é essencialmente o fato de essa experiência ir além do que esses sujeitos estão prontos a consentir, sendo uma ultrapassagem dos limites das regras socais e psicológicas. As autoras relatam ainda que a criança vítima de abuso sexual desenvolve uma perda da autoestima e tem dificuldade de estabelecer relações harmônicas com outras pessoas, tornando-se em muitos casos adultos frustrados.
Rigonatti (2003) afirma que o abuso sexual é um traumatismo na vida de qualquer criança ou adolescente, que altera a história dos mesmos, tem efeitos variáveis e, dependendo do processo traumático, pode inclusive, afetar a geração seguinte, pois, se na transmissão intergeracional houver a forte presença de mentiras, conluios e omissões, ocorrerá áreas de vazio de referências ou de repetições inconscientes do acontecimento transgressivo.
De acordo com Brauner (2004), as crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, sentem-se envergonhadas e culpadas e preferem isolar-se, a contar para alguém sobre as violações que têm sofrido. Tal situação gera mais confiança no agressor, fazendo o mesmo a continuar com as práticas abusivas, ou até mesmo, procurar outras vítimas.
Nesse sentido, conforme estudos realizados por Azevedo e Guerra (2000), vítimas menores de idade que sofrem qualquer espécie de abuso sexual tornam-se retraídas, perdem a confiança nos adultos e, em certas circunstâncias, alguns adolescentes chegam até considerar o suicídio, principalmente quando o abusador faz chantagem ou ameaças. Para as autoras, os atos de violência e abuso sexual, incestuosos ou não, geram transgressões psíquicas pelo fato da criança ou jovem encontrar-se coagido, sem amparo, preso no seu próprio silêncio.
Já Drezett (2000) afirma que os abusos sexuais acontecem quase sempre em segredo, impostos por violência, ameaça ou mesmo uma relação sem palavra, no qual o segredo tem por função manter uma coesão familiar e proteger a família do julgamento do meio social. O autor relata ainda que muitas vezes a possibilidade do agressor ser preso ou a perda da sustentação financeira fazem com que a revelação seja mais grave que o próprio abuso.
Nesse contexto, Azevedo e Guerra (2000) enfatizam que o silêncio a que a vítima é obrigada, consequentemente gera traumas, pois a adaptação da vítima a essa intrusão violenta no corpo e na mente causa uma ruptura do desenvolvimento cognitivo e emocional, dando lugar a distúrbio grave e, em casos mais extremos, a estados psicóticos.
As autoras listam como consequências psicológicas da violência sexual em curto prazo as dificuldades de adaptação sexual, interpessoal e afetiva; e em longo prazo, dificuldades de relacionamento com pessoas de mais idade. Ainda segundo Azevedo e Guerra (2000), a intimidade representa uma ameaça, pois é difícil para a vítima estabelecer vínculos de confiança.
Medeiros (1995) aborda em suas pesquisas que as sequelas de um abuso sexual na infância ou adolescência são inúmeras, e podem variar conforme o tipo de abuso sofrido, da repetição, da idade em que os abusos ocorreram e da possibilidade de denúncia ou de falar sobre o assunto.
Nesse mesmo compêndio, Drezett (2000) relata que cada vítima reage de maneira diferente, pois cada indivíduo tem uma personalidade distinta, entretanto, como fator comum, pode afirmar que as marcas do abuso sexual registram sequelas que se desdobram em varias situações. A saber:
- Perda da integridade física: sensações novas foram despertadas, mas não integradas;
- Perturbações do sono constantes pela angústia de baixar a guarda e ser agredido sem defesa;
- Dificuldade de lidar com seu próprio corpo, considerando-o pouco atraente;
- Comportamento autodestrutivo que leva a criança a perder o interesse em estudar e brincar, fechando-se em si mesma, tendo atitudes muito lentas ou inquietas demais. Já o adolescente pode manifestar sinais de violência, mostrando-se muito irritado e pouco tolerante quando o elogiam.
- Baixa autoestima que evidencia sentimentos de menos valia por se perceber diferenciado e escolhido para a prática de abusos sexuais;
- Sexualidade vista como punitiva, com culpabilidade, sem prazer, podendo interferir de forma traumática no jogo da sedução, erotização, oferecendo possível dificuldade de relacionamentos sexuais na idade adulta;
- Depressão, angústia, pânico e sentimento de inferioridade, inclusive tentativas de suicídio.
Enfim, percebe-se que muitas podem ser as sequelas originadas do abuso sexual, embora, conforme afirma Medeiros (1995), esses distúrbios e sintomas possam se tornar mais acentuados quando não há no seio familiar um acolhimento à vítima e, em alguns casos, somados a isso, a dispersão dos familiares ao ocorrer a revelação, situação que faz a criança se sentir culpada pela quebra dos laços entre os membros da sua família.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dessa exposição, foi possível concluir com o término desse artigo a importância social de discutir o abuso sexual contra crianças e adolescente sob a ótica da interdisciplinaridade entre o direito e a psicologia, pois a justiça personifica as legislações, e estas, por sua vez, atuam no combate ao flagelo social, cabendo à sociedade a parcela de exigir a aplicabilidade da lei. Entretanto essa mesma sociedade pode se tornar mais atuante e participativa no combate ao abuso sexual contra menores quando, além do conhecimento das legislações que dispõem sobre os direitos desses sujeitos, haja ainda a ciência das consequências psicológicas que essa violência causa na vida de uma criança ou adolescente abusado sexualmente.
Quanto aos aspectos jurídicos, concluiu-se que o Brasil possui uma legislação concernente ao menor, consubstanciada na teoria dos direitos humanos universais, baseada no princípio da proteção integral, que proporciona aos menores direitos especiais até seu pleno desenvolvimento, no entanto, observou-se uma falha relativa à lei nº12.015/09, que trouxe alterações ao Código Penal referentes a crimes sexuais contra vulnerável.
Por essa lei, os crimes de cunho sexual praticados contra menores de 14 anos têm penas mais severas. E é exatamente na idade estipulada que se verifica a falha, pois embora a partir dos 14 anos, boa parte dos jovens tenham informações e até já iniciaram sua vida sexual, o legislador não poderia desconsiderar que existem jovens com mais de 14 anos que são tímidos, retraídos e que ainda não estão preparados psicologicamente para a sexualidade, e caso venham a ser sujeitos passivos de um crime sexual, a agressão sofrida não será tratada com o mesmo rigor por não se encontrarem na faixa etária de idade que a lei classifica como vulnerável.
Portanto, a legislação deveria ter abrangido a menor idade civil, ou seja, 18 anos, deixando a cargo do julgador, por meio da razoabilidade e conforme o caso concreto, a estipulação da sanção adequada.
Já em relação aos aspectos psicológicos do abuso sexual, concluiu-se que essa agressão traz consequências emocionais danosas, especialmente por serem crianças e adolescentes pessoas passivas e tendenciosas a adaptar-se à violência.
O fato do agressor ser alguém da família ou próximo e, a maior parte dos casos ocorrerem na residência vítima, são fatores que contribuem para a perduração do abuso, pois nestas condições o agressor tem facilidade de acesso a criança ou adolescente e tal situação dificulta a revelação da violência.
Desse modo, enfatizar que as crianças e adolescentes possuem direitos que garantem a elas proteção a sua integridade física, psíquica e moral, e punição aos que violarem tal prerrogativa, bem como tornar conhecidas as sequelas psicológicas oriundas de abusos sexuais, pode ter um papel decisivo na conscientização das pessoas de que essa violência não diz respeito apenas à vítima e sua família, ao contrário, a sociedade deve entender que essa agressão traz danos nefastos, e por isso todos devem velar pelas crianças e jovens, cobrando das autoridades as sanções previstas em lei para esse delito.
Por fim, incentivar conversas e discussões sobre o tema, nas quais os pais, professores ou qualquer outro responsável orientem as crianças e adolescentes sobre as causas, os meios e as consequências dessa agressão, bem como a importância da denúncia, através de campanhas na mídia, nas escolas, instituições assistenciais e outros locais é uma forma que pode evitar que crianças e adolescentes se tornem reféns desse tipo de agressão. Afinal as famílias, o Estado e a sociedade devem oferecer medidas que garantam a prevenção, a proteção e no caso do abuso já consumado, meios para a denúncia e a punição do agressor, caso contrário, essa violência continuará assolando os lares brasileiros e às vítimas só restará aceitar a situação e encontrar um meio de sobreviver a ela.
ABSTRACT
Among other rights under the Statute of Children and Adolescents, the right to inviolability of the physical, mental and moral, including the preservation of the image, values and beliefs guarantees under wholesome conditions for its development to all competing, state, family and society , due to the principle of full protection, a duty to ensure their dignity. However, in recent years, is a frequent occurrence of sexual abuse in childhood and adolescence, causing serious bodily and emotional sequelae. Given the above, this paper aims to present an analysis of legal and psychological aspects of sexual abuse against minors. For this we performed a bibliographic review of laws dealing with the rights of children and adolescents, with emphasis on provisions that foresee to protect victims and punish the perpetrators. After all, become public discussions on this issue is a way to present to society in general that sexual abuse is an offense to the dignity of the child, causing effects that can last a lifetime, and which therefore should not be treated as a isolated case, liable only to the family of the victim, but as a problem of the social sphere.
Keywords: Sexual Abuse, Children and Adolescents, Full Protection, Psychological Consequences.
[1] Advogada. OAB Seccional PI. E-mail: [email protected].
[2] Publicado Oficialmente na Revista do Curso de Direito da Faculdade da Serra Gaucha - FSG - Caxias do Sul - ano 6, n.12, jul./dez.2012, p.9-23. Na publicação oficial consta a tabulação da pesquisa de campo.