RESUMO
No Código de Processo Civil de 1973, a princípio, ao se tratar de proteção efetiva do direito material no trâmite processual, antes de exaurir-se o procedimento de cognição sumária, o instrumento empregado era a ação cautelar, processo autônomo, apartado do principal, a fim de preservar o direito acautelado pela ação de conhecimento ou de execução. Com as inovações trazidas pelo CPC de 2015, aboliu-se a ação cautelar da normativa, substituindo o livro III do antigo Código pelo livro V do atual, o qual trouxe para a legislação processual civil nacional o gênero tutela provisória e suas especificações.
Palavras-chaves: tutela provisória – cognição sumária – inovações
1. A IMPLEMENTAÇÃO DAS TUTELAS PROVISÓRIAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O artigo em questão trabalha, de forma sintética, a organização da tutela provisória conduzida pelo Código de Processo Civil Brasileiro de 2015, mais precisamente acerca da tutela de urgência, assim como realiza o comparativo ao diploma pretérito, de 1973. Apesar de atualmente ser visto como ultrapassado - o direito encontra-se em constante evolução - à época em que o CPC de 1973 entrou em vigor apresentou uma moderna disciplina, as tutelas cautelares, as quais sofreram diversas modificações com o tempo até dar origem as tutelas provisórias. Antes, é preciso conhecer a normativa anterior e assim passar às novidades.
O sistema processual civilpregressooperava-se por meio de três instrumentos jurisdicionais; o primeiro, processo de conhecimento que segueum rito procedimental mais moroso, a fim de obter todas as informações necessárias para o julgador exercer a legislação sob o caso concreto e assim proceder sua decisão, é o que se entende por cognição exauriente. Noutra vertente, um segundo instrumento jurisdicional para a satisfação do direito certo era o processo de execução, mecanismo utilizado pelo credor para auferir o cumprimento da obrigação por parte do executado, o qual não efetuou-a de forma voluntária.
O último procedimento jurisdicional era o cautelar, ferramenta de proteção para os outros dois mecanismos, dado que a lentidão processual, apesar de alcançar a resolução do mérito ao final, muitas vezes perdia-se o sentido no direito “dito” pelo Estado-juiz, posto que a tutela definitiva satisfativa fora absorvida no curso da ação pelo grande lapso temporal. Por essa razão, a ação cautelar, um procedimento autônomo, ou seja, apartado do principal, no entanto, dependente (tendo em vista que só subsistia quando em caráter preparatório), era acionada antes da ação principal; ou em caráter incidental, quando era proposta após o início da ação principal.
No ano de 1994, com a entrada em vigor da Lei nº. 8.952, foram realizada diversas reformas no Código de Processo Civil de 1973; a alteração mais significativaencontrava-se no artigo 273, onde permitiu-se para inúmeras espécies processuais o deferimento de tutela antecipada genérica.Consequentemente vigorou no ordenamento processual civil duas modalidades de tutelas, a antecipada incidental, a qual se perfazia no caderno processual da ação principal e a cautelar, procedimento autônomo acessório. Apesar da iminente renovação no assunto tutela antecipada genérica, o início da convivência dessas duas modalidades encontrou alguns embates, como discorre o doutrinador Marcus Vinicius Rios Gonçalves:
[...] de início, pareceu fundamental distinguir uma da outra, e houve casos de decisões judiciais que negaram uma medida de urgência apenas porque o requerente denominou-a de antecipada, quando ela tinha natureza cautelar, ou vice-versa. A razão para tamanho esforço de distinção só podia ser que, de início, o deferimento das medidas cautelares exigia ajuizamento de um processo cautelar autônomo, próprio, já que era esse o lugar adequado, o habitat natural das providências acautelarórias; ao passo que as tutelas satisfativas eram postuladas já no bojo do processo principal, sem necessidade de ajuizamento do processo autônomo.[1] (GONÇALVES, 2016:346)
A fim de melhor explicar esse dilema sofrido pelos aplicadores do direito é importante dispor sobre o princípio da congruência; em suma, é ele quem limita o Estado-juiz a decidir dentro dos objetivos estabelecidos pela parte, sendo vedado proferir sentença/decisão de maneira diversa da demandada.
Em 2002 o legislador editou a lei nº. 10.444 que alterou o §7º do artigo 273, CPC/73, atribuindo ao juiz maior liberdade para deliberar sobre a tutela postulada no processo sem ofender o princípio da congruência, somente integrando ao caso a fungibilidade entre as tutelas, assim, se, a parte postulasse tutela antecipada e o caso em questão teria melhor aplicação a cautelar, a partir de então o julgador poderia aplicar o procedimento que melhor se adequava ao caso, dentro da ação principal, respeitando assim os princípios da economia e celeridade processual, visto que a tutela proposta pelo mecanismo equivocado não seria mais recusada e sim acolhida no que poderia ser aproveitada e adequada ao procedimento correto.
A vista disso, a partir do momento em que as tutelas tornaram-se fungíveis entre si, as cautelares, procedimento autônomo, caíram em desuso. Economicamente mais onerosas para as partes e para o Estado, além de ser um volume processual a mais, elas passaram a serem decididas dentro da ação principal, contudo, ainda eram aceitas se fossem propostas nos moldes iniciais do Código de 1973. Por conseguinte, não se viu razão para esse procedimento persistir no Código de Processo Civil de 2015, ocorrendo a abolição do procedimento cautelar, no entanto, com relação a procedimento cautelar o que se preservou no nosso ordenamento jurídico foi a evidência, sendo uma espécie da tutela provisória concedido no seio do provimento principal. Portanto, extinguiu-se o processo autônomo, mesmo se deferida a tutela antes do início da ação principal. Para melhor elucidar essa modificação produzida pelo novo processo civil, Marcus Vinicius Rios Gonçalves explica:
[...] embora o CPC atual mantenha a distinção entre tutela antecipada e cautelar, passou a discipliná-las em conjunto, como espécies do mesmo gênero. No sistema atual, nem era preciso considera-las fungíveis, já que ambas passaram a compor o gênero único das tutelas provisórias, ficando o juiz autorizado a conceder à medida que entender mais adequada no caso concreto (art. 297 do CPC).[2] (GONÇALVES, 2016: 347).
Assim, é evidente que para alcançar o patamar atual, em termos de tutela provisória, variadas mudanças foram percebidas pelo ordenamento jurídico, mudanças essas estritamente necessárias com o aumento da demanda jurisdicional, globalização, início da era tecnológica, dentre outros fatores. Essas inovações mostram grande relevância como alvos de debate pelos estudantes e aplicadores do direito,com o propósito da correta execução dessa normativa, a fim de garantir sua satisfação na prática jurídica.
Inúmeros autores discorrem acerca do impacto do Código de Processo Civil de 2015 em nossos processos e procedimentos, porém, somente com a comparação dessas análises críticas, se obtém clareza sobre a legislação apreciada. Ademais, temos no país um sistema processual afundado na demora, uma vez que nossa normativa e o próprio sistema institucional judicial detém procedimentos que atuam contra a celeridade, consequentemente as tutelas provisórias ganham maior importância diante desse ordenamento jurídico lento, pois são os meios pelo qual existe a possibilidade de salvaguardar o direito acautelado ou antecipar seus efeitos.
Nesta ocasião, tem-se por imprescindível emergir dentre tantas reformas significativas e criações legislativas, a apreciação das tutelas provisórias e cautelar, além de direcionar a pesquisa para a tutela provisória de urgência, instituto estabelecido pelo Código vigente, o qual traz peculiaridades dignas de atenção.
2. TUTELAS PROVISÓRIAS E DEFINITIVAS
2.1. DISPOSIÇÕES GERAIS: DAS TUTELAS DEFINITIVAS
Para dissertar sobre tutela provisória de urgência, é preciso compreender, primeiramente, o que é tutela provisória, seu conceito geral e especificações. Quando um agente procura a jurisdição estatal para lhe dizer o direito ele leva suas motivações que o fazem crer que ele é possuidor daquela pretensão, desse ponto em diante, o direito pretendido passa a ser uma tutela, pois se encontra sob proteção do estado.
O CPC de 2015 não oferece o conceito de tutela provisória, todavia, em seu artigo 294 traz que “[...] a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência e emergência”.[3] (BRASIL, 2015: 298), seu parágrafo único salienta que “[...] a tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.” [4] (BRASIL, 2015: 298), a interpretação desse texto não poderia ser diferente, a tutela provisória conceitua-se como gênero, subdividindo-se em espécies. Apresenta ainda duas particularidades, o caráter definitivo e o provisório.
A tutela definitiva trata-se daquela alcançada depois um juízo de cognição exauriente, logo, somente após uma longa discussão, com instrução probatória, ampla defesa, garantido o devido processo legal é que se chega ao resultado e tem como como objetivo principal ser satisfativa, isto é, satisfazer o direito inicialmente almejado, seja pelo requerente, seja pelo requerido.
Por conseguinte, tutela definitiva satisfativa, como a própria denominação diz, gera efeitos seguros de caráter não provisório e após seu trânsito em julgado, em regra, tornam-se imutáveis. Esse gênero ainda se subdivide em definitiva e cautelar, em que a tutela definitiva é aquela disponibilizada ao final do procedimento, satisfaz um direito material perseguido. Para os autoresFredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria Oliveira, existem duas espécies de tutela definitiva satisfativa, vejamos:
Há dois diferentes tipos de tutela definitiva satisfativa: a tutela de certificação de direitos (declaratória, constitutiva e condenatória) e a tutela de efetivação dos direitos (tutela executiva, em sentido amplo). (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2016: 582)
Outrossim, o rito seguido para obter a tutela satisfativa é de cognição exauriente, fator que colabora para a morosidade processual, à vista disso surge o perigo na demora, quer dizer, a tutela definitiva satisfativa pode não ser obtida pelo longo tempo de duração processual, nesse momento entra em cena a tutela cautelar, mecanismo que assegura o bem da vida almejado.
O que distingui a tutela cautelar da satisfativa é sua natureza, que detém temporariedade e objeto diverso. Ao contrário do que inicialmente se pensa sobre o objeto da tutela cautelar, ele não coincide com o da satisfativa, dado que, a primeira tem como objeto a custódia do direito acautelado pela satisfativa, enquanto a satisfativa tem por objeto o direito material reclamado. O cunho temporário lhe é concedido pois a cautelar somente resiste enquanto for necessária a preservação do bem tutelado, que ocorre com a satisfação da tutela definitiva, ao final da ação principal ou não. Vale salientar que seu caráter temporário nada tem a ver com provisoriedade, porquanto depois de seu fim, não virá outro instrumento de mesma natureza que a substitua, para com mais perfeição compreender, cabe ponderar sobre a análise de Ovídio Baptista da Silva:
O provisório é sempre preordenado a ser “trocado” pelo definitivo que goza com a mesma natureza – ex.: ‘flat’ provisório em que se instala o casala ser substituído pela habitação definitiva (apartamento de edifício em construção).Já o temporário é definitivo, nada virá em seu lugar (de mesma natureza), mas seus efeitos são limitados no tempo, e predispostos à cessação – ex.: andaimes colocados para a pintura do edifício em que residirá o casal lá ficarão o tempo necessário para conclusão do serviço (e feito o serviço, de lá sairão, mas nada os substituirá). (SILVA,2006:86)
Por essa razão a tutela cautelar é considerada definitiva e não provisória, ainda que detenha como característica a temporariedade, porquanto um não ser antônimo do outro. Agora, o que lhe garante o perfil definitivo é outra questão. Se sabe que a tutela cautelar é deferida em juízo de cognição sumária, ou melhor, demonstrada a probabilidade razoável do direito acautelado ela é concedida, antes de exaurir-se o rito processual; contudo, com relação ao julgamento de deferimento cautelar a cognição se torna exauriente, posto que se exauri a análise do pedido e da causa de pedir da cautela e não do direito acautelado. Por conseguinte, a cautela detém seu perfil definitivo ainda que seus efeitos sejam temporários.
2.2. TUTELAS PROVISÓRIAS:ESPÉCIES
Superadas as tutelas definitivas, faz-se crucial passar ao estudo das tutelas provisórias. A procura pela tutela provisória tem início com a urgência na satisfação do direito perseguido e com o perigo da morosidade processual, o qual pode ocasionar a não efetividade da tutela ao final pretendida. A finalidade da tutela provisória é amenizar os reflexos na demora processual, visto que esse instrumento processual antecipa os efeitos almejados ao final, ou seja, os efeitos percebidos pela tutela definitiva, quer ela satisfativa ou cautelar. Conforme Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria Oliveira, “A tutela provisória confere a pronta satisfação ou a pronta asseguração”. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2016: 584).
O cunho provisório advém de seu julgamento realizado em cognição sumária, porquanto, apesar de sua eficácia imediata com relação ao direito acautelado, ao final ela será substituída pela tutela definitiva, que pode confirmá-la, revoga-la ou modifica-la. De acordo com o conceito de Marcus Vinicius Rios Gonçalves trata-se de tutela provisória:
Feitas essas considerações, seria possível conceitua-la como a tutela diferenciada, emitida em cognição superficial e caráter provisório, que satisfaz antecipadamente ou assegura e protege uma ou mais pretensões formuladas, em situação de urgência ou nos casos de evidência. (GONÇALVES, 2016:348)
Outrossim, esse mecanismo propicia ao julgador a oportunidade de antecipar algo que apenas seria deferido ao final da ação, sem embargo, demonstrada a urgência ou a evidência do direito pretendido, o juízo delibera a favor do requerente, que em regra, é a parte afetada pela longa duração processual ou ainda, diligencia sobre providências imprescindíveis para assegurar a tutela definitiva satisfativa.
Além disso, as tutelas provisórias recebem diversas classificações, como brilhantemente discorre o doutrinador Marcus Vinicius Rios Gonçalves:
A tutela provisória pode ser classificada pela sua natureza, fundamentação ou momento em que requerida. Conforme a natureza, pode ser antecipada ou cautelar; quanto à fundamentação, de urgência ou de evidência; e quanto ao momento de concessão, antecedente ou incidental. (GONÇALVES, 2016: 348)
Ao ser classificada por sua natureza como supramencionado, a tutela provisória pode ser antecipada ou cautelar, essa diferenciação persistiu no CPC de 2015, pois tratam de procedimentos diversos para assegurar a satisfação da tutela definitiva, onde a primeira, assegura essa tutela ao ser concedido previamente a pretensão inicial, antes da sentença final o autor do pedido já desfruta dos efeitos de sua antecipação, ora a tutela cautelar é o momento em que ao invés de se antecipar os efeitos do direito perseguido, são tomadas providências para assegurá-lo e ao final ser obtida a tutela definitiva satisfativa.
2.2.3. TUTELAS PROVISÓRIAS E SUAS CLASSIFICAÇÕES
No tocante aos fundamentos para o consentimento da tutela provisória pode-se classifica-la como de urgência ou evidência. Conforme dispõe o caput do art. 300 “[...] a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.” [5] (BRASIL, 2015: 416), eis mais uma inovação presenteada pelo CPC de 2015, ao passo que o diploma passado exigia a comprovação da probabilidade do direito e do perigo na demora para concessão de liminares, e diversamente exigia a inequívoca verossimilhança do alegado e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação para a concessão da tutela antecipada, agora, a legislação atual uniformizou essas exigências, portanto, veio a requisitar apenas a demonstração da probabilidade do direito e do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, para, em regra, qualquer tutela provisória solicitada. Sobre o tema Misael Montenegro Filho esclarece:
Embora o novo CPC nem tenha utilizado a expressão periculum in mora (perigo da demora, em tradução livre), própria das ações cautelares, nem a expressão fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, própria da antecipação da tutela, no regime do CPC/73, nos dois casos estamos diante de uma situação de urgência, a justificar a pretendida concessão a tutela provisória, o que nos permite dizer que esta só pode ser deferida numa situação de urgência, devidamente demonstrada pela parte. (MONTENEGRO FILHO, 2016: 594)
Não obstante, a tutela provisória da mesma forma pode ser deferida em casos que não há urgência no pleito, ou seja, não existe perigo na demora ou até mesmo o risco de dano irreparável, o que existe é a evidência, isto é, salta aos olhos de qualquer um que o direito pleiteado será concedido a parte autora, pois antes mesmo de exaurir-se a cognição processual torna-se evidente a veracidade dos fatos alegados. Assim estabelece no caput de seu artigo 311, o Código de Processo Civil de 2015, “[...] a tutela de evidência será concedida, independentemente de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.” [6] (BRASIL, 2015: 416). O deferimento da tutela de evidência não é um mecanismo usado para afastar o perigo, o seu específico fim é satisfazer a demanda antes da Sentença de mérito ou antecipar os efeitos da tutela. Esse fundamento de evidência somente pode ser utilizado para tutelas satisfativa ou antecipada, uma vez que para concessão de tutela cautelar, é fundamental a urgência.Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria Oliveira expõem:
A tutela provisória de evidência (sempre satisfativa/antecipada) pressupõe a demonstração de que as afirmações de fato estejam comprovadas, tornando o direito evidente, o que se presume nas hipóteses do art. 311, CPC, examinado mais à frente.[...] Se ao pleitear a tutela cautelar, além da urgência, estiver configurada uma das hipóteses descritas nos incisos dos art. 311 (tutela de evidência), tanto melhor para o requerente. O importante é que (i) não se pode pleitear tutela provisória cautelar com fundamento apenas no art. 311 do CPC, (ii) nem se pode exigir que o requerente, em casos tais, que ele demonstre, além da urgência, a evidência do direito a cautela, isto é, uma das hipóteses do art. 311 do CPC.[7] (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2016: 348)
A última classificação das tutelas provisórias é relativa ao momento processual que são concedidas, perfazendo-se em de urgência antecedente ou incidental. Independentemente do tempo escolhido para o pedido de tutela provisória, diversamente do que ocorria no CPC de 1973, hoje não há formação de processos autônomos, seja ela antecedente ou incidental, não gera de forma alguma um apenso, as tutelas correm em um só auto processual em conjunto com a ação principal.
Tal como exposto acima, as tutelas de urgência podem ser incidental ou antecipada, ao passo que a tutela de evidência apenas possui a característica incidental. Compreende por incidental a tutela de urgência postulada após a propositura da demanda principal, por isso acontece no bojo dos autos principais; já a tutela de urgência antecedente ocorre quando é ajuizada previamente ao processo principal e após esse é proposto, se a parte autora não propor a ação principal, em regra, a tutela não subsisti, visto que depende da ação principal para coexistir se tratando apenas de uma antecipação do que se pretende ao final da lide. Ademais, veja o entendimento de Marcus Vinicius sobre o assunto:
As vezes a situação é tal que o juiz defere a medida sem ouvir a parte contrária, o que basta para mostrar que o faz sem ter ainda todos os elementos para a sua convicção. A sumariedade da cognição não diz respeito tão somente ao direito (fumus boni juris), mas a própria existência do perigo. Não é necessário que o juiz tenha a certeza da ameaça, do risco de lesão irreparável, bastando que esteja convencido da possibilidade de que o dano venha a ocorrer.(GONÇALVES, 2016: 354)
Tanto a tutela cautelar, quanto a antecipada poderão ser deferidas em caráter antecedente, posto que a primeira deverá ser apresentada nos mesmo autos o processo principal no prazo de 30 dias e a segunda, o processo principal deve ser apresentado em 15 dias, todos os prazos iniciam a contagem após realizada a análise da tutela e dado parecer favorável ou não pelo julgador.
2.3. TUTELA DE URGÊNCIA: UMA VISÃO SISTEMÁTICA
O atual Código de Processo Civil dedicou o título II de seu Livro V, para dispor sobre a tutela de urgência e isso não foi a toa. A tutela de urgência é de suma importância no ordenamento jurídico e no dia-a-dia forense, oportunidade em que esse instituto é muito utilizado. Para o provimento desse instrumento processual, em regra, é essencial que a parte autora a solicite, porquanto o juiz não deliberará de ofício sobre a aplicação desse dispositivo. Há discussão doutrinária sobre essa questão pois a norma processual civil não veda a atuação do juiz ex officio, o texto legislativo foi silente quanto a isso e por não estar expresso, há um entendimento majoritário pela jurisprudência e pelos doutrinadores, conforme discorre Marcos Vinicius Rios Gonçalves:
Parece-nos que o sistema atual permite chegarmos à mesma conclusão a que já havíamos chegado no CPC anterior: se o processo versar sobre interesses disponíveis, não haverá como conceder, de ofício, a antecipação da tutela, ficando a requerimento ao alvedrio do autor. Mas se versar sobre interesse indisponível, e houver risco de prejuízo irreparável ou de difícil reparação, o juiz poderá, excepcionalmente, concedê-la. (GONÇALVES, 2016: 364)
Acerca da participação do Ministério Público como parte na ação ou como fiscal da Lei, o que se entende sobre a solicitação da tutela de urgência é:
Quando o Ministério Público for autor da ação, nenhuma dificuldade haverá quanto a possibilidade de que ele requeira a medida. Mais controvertida será a situação, quando ele requerer na condição de fiscal da ordem jurídica. Se o processo tem a intervenção do Ministério Público, é porque a condição da parte ou o tipo de interesse discutido no processo é de ordem tal que recomenda um cuidado especial. Por isso, parece-nos que, na defesa dos interesses em razão dos quais intervém, o Ministério Público poderá postular a medida.(GONÇALVES, 2016: 364)
Para mais, a base para a aprovação da tutela de urgência possui dois requisitos fundamentais, a probabilidade do direito (fumus boni juris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil da ação. Ao pleitear a tutela de urgência a parte necessariamente deve preencher esses requisitos. A respeito do primeiro requisito, probabilidade do direito, também conhecido como “fumaça do bom direito”, como o próprio nome subentende, se perfaz na demonstração da parte autora, ao tempo de cognição sumária, a possibilidade de sua alegação ser acatada ao fim do procedimento. Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria Oliveira elucidam:
Inicialmente, é necessária a verossimilhança fática, com a constatação de que há um considerável grau de plausibilidade em torno da narrativa, uma verdade provável sobre fatos trazida pelo autor. É preciso que se visualize, nessa narrativa, uma verdade provável sobre os fatos, independentemente da produção de provas.(DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2016: 608)
Enfim, apresentadas as alegações cabe ao julgador, com base na normativa e com fatos trazidos nos autos,constituir sua convicção. De acordo com Marcos Vinicius Rios Gonçalves “O juiz tem de estar convencido, senão da existência do direito ameaçado, ao menos de sua probabilidade. É preciso que ele tenha aparência de verdade” (GONÇALVES, 2016: 365).
Existe caso em que a situação de urgência é substancial, nessas oportunidades o juiz pode até deferir de plano, sem citar o requerido, porém, a análise deve ser feita com prudência, pois a decisão poderá causar dano tanto para a parte demandada, quanto para a demandante. Um juízo de proporcionalidade, perigo e verossimilhança se faz imprescindível, momento que nenhum desses elementos devem ser verificados separadamente.
O segundo requisito define a tutela de urgência, é o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (artigo 300, CPC), conhecido também como periculum in mora. Sem esses elementos que refletem a urgência do pedido não é possível a concessão dessa tutela, pois ela é fundada na urgência. Nessa situação, o juízo realizado é superficial, apenas para perceber o provável perigo ao direito acautelado, que resulta na urgência.
Ao passo que a tutela de urgência é deferida em sede de cognição sumária, seus reflexos podem não sair dentro do esperado, afinal depois de concedida a tutela em algumas situações seus efeitos são irreversíveis ou de difícil reversão, pois a circunstância não retornaria a seu estado natural. Por isso, o §3º, artigo 300 do CPC, faz uma ressalva “[...] a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.” [8] (BRASIL, 2015: 299). Isto posto, Gonçalves explica:
Não sendo reversíveis os efeitos do provimento, o juiz não deve deferir a tutela antecipada. Mas é preciso considerar que, às vezes, haverá o que Athos Gusmão Carneiro chama de “irreversibilidade recíproca”. Com certa frequência, o pressuposto irreversibilidade ficará ‘superado’ ante a constatação da ‘recíproca irreversibilidade’. Concedida a antecipação de tutela, e efetivada, cria-se situação irreversível em favor do autor; denegada, a situação será irreversível em prol do demandado.(GONÇALVES, 2016: 366).
Apesar de ser vedada a concessão da tutela antecipada de urgência quando há a ameaça da irreversibilidade, essa barreira pode ser superada diante de um caso concreto, visto que o acesso à justiça é garantido pela Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso XXXV “[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. [9] (BRASIL, 2013: 24)
O juiz pode se resguardar com a aplicação de caução, velha conhecida do direito civil, entra no direito processual civil para trazer segurança no deferimento da tutela de urgência. A caução nada mais é que uma garantia entregue em juízo pelo autor a fim de salvaguardar o réu de possíveis danos gerados pelo consentimento da tutela de urgência. Acerca desse instituto, Marcus Vinicius Rios Gonçalves discorre:
Em qualquer caso de deferimento de tutela de urgência e em qualquer fase do processo em que a medida seja concedida, o juiz poderá fixa-la, pois ela é sempre apreciada em cognição sumária e pode, ao afastar o perigo aos direitos do autor, trazer danos ao réu.(GONÇALVES, 2016: 367).
Por fim, a parte demandante pode se encontrar economicamente hipossuficiente naquele momento, nesse caso, o juiz deverá deixar de aplicar a caução e analisar os prejuízos causados com o deferimento ou com a denegação do pedido. Pensando nessa possibilidade o legislador processual civil elaborou o artigo 302, “[...] independente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adverse, se [...]” [10] (BRASIL, 2015:299), instituindo assim a responsabilidade objetiva do autor.
2.3.1. ESTABILIZAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PROVISÓRIA ANTECIPADA ANTECEDENTE
Dada a relevância do tema, se faz imprescindível que sua análise seja realizada em separado, posto que em termos de inovação, pode-se dizer que é uma criação do Código de Processo Civil de 2015 a fim de solucionar o litígio de forma mais célere e eficiente.
Em conformidade com o título, a estabilização dos efeitos da tutela provisória antecipada antecedente se perfaz quando o autor aciona o judiciário com tal pedido e deferida a tutela pelo juízo, o requerido é citado para recorrer da decisão, no entanto, quedando-se silente a decisão torna-se estável e após, mesmo que o autor não realize a propositura do pedido definitivo os efeitos da decisão permanecem em seu favor e o processo é arquivado.
O legislador do atual Código trouxe essa extravagância no Livro V, Título II,Capítulo II, engloba os artigos 303 e 304. Ocaput do artigo 304, é muito claro ao dissertar sobre a matéria, “A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.”[11] (BRASIL, 2015: 299), além disso seus parágrafos discorrem acerca das características dessa estabilização.
Têm por características a questão de que qualquer uma das partes pode rever, reformar ou anular a tutela estabilizada, assim como, se não for questionada a tutelada permanecerá estabilizada. Todavia, a partir do momento que as partes tomam ciência da extinção, têm até dois anos para rever, reformar ou anular a decisão que concedeu a tutela; não ocorrerá coisa julgada dessa decisão, contudo, após o lapso temporal supramencionado não há mais como as partes cessarem os efeitos deferidos.
Dessa forma, se observa que o normativa processual civil vigente permite a propositura de ação requerendo tão somente a tutela de urgência antecipada, ao passo que se a parte demandada não interpuser recurso em face da decisão que deferiu a tutela em caso, esta mantém seus efeitos estáveis e o processo é extinto.
3. APLICABILIDADE DAS TUTELAS PROVISÓRIAS DE URGÊNCIA
Tal como considerado na pesquisa, o Código de Processo Civil de 2015 veio para garantir a satisfação da tutela perseguida na exordial, disponibilizando para isso atalhos, quais sejam as tutelas provisórias, dentre elas foi observada a relevância da tutela de urgência, tendo em vista o caráter emergencial da maioria das tutelas propostas ao judiciário.
A tutela de urgência é fruto de diversas mudanças sofridas pelo ordenamento jurídico processual, com o propósito de preencher as lacunas abertas. E desde o Código de 1973, alterações significativas aconteceram, como o advento da Lei 8.952/94 que positivou a tutela provisória genérica e posteriormente, a Lei 10.444/02 presenteou a normativa com a fungibilidade entre as tutelas provisórias reclamadas.
Assim sendo o Código de 2015 se baseou nessa necessidade de uma proteção a pretensão autoral, a vista da morosidade processual, ao passo que também se preocupou em legislar sobre um rito mais célere tendo em conta a execução processual no Brasil. Por isso a reunião dos requisitos para a concessão das tutelas e suas variadas espécies, fungíveis entre si, de acordo com sua fundamentação, com a intenção de amenizar o impacto da morosidade sobre o efeito prático do processo.
Diante disso, o autor não se vê mais à deriva do sistema processual civil, sem um amparo do legislador, agora ele percebe esse amparo para proteger seu direito ou antecipar seus efeitos, consequentemente já desfrutar do resultado que seria alcançado apenas ao final da ação. Conforme observado no deslinde da pesquisa, atualmente, podemos obter a estabilização dos efeitos da tutela provisória antecipada antecedente até mesmo sem efetivar o pedido principal, somente pleiteando a tutela em si, citado o requerido, não interposto recurso, o autor usufrui de sua pretensão sem mais delongas.
Como estudado, essas inovações trouxeram inúmeros benefícios à parte autora, assim como resguarda o direito da parte requerida, visto pela caução ou pela responsabilidade objetiva do autor no caso de dano ao reclamado; as partes tem maior interação e comprometimento no atual processo civil.
É considerável que a novo ordenamento processual civil não soluciona todos os problemas suportados pelo judiciário contemporâneo, contudo, essa cultura de diminuição dos litígios e solução célere da lide, mesmo que provisória ou temporária, efetivamente protege a normativa positivada, pois o processo nada mais é que a execução da norma processual junto a norma material com o específico fim de solucionar o empasse levado ao Estado-juiz, considerando a impossibilidade de se resolver por meio extrajudicial.
Ante o exposto, é notável a relevância da tutela de urgência e seu peso prático na vida das partes, por essa razão o desenvolvimento do estudo em comento, porquanto, a princípio parece ser um mecanismo de fácil execução e entendimento, todavia, quando adentramos as suas entrelinhas é percebida sua complexidade.
ABSTRACT
In the Code of Civil Procedure of 1973, in principle, when dealing with effective protection of the substantive right in the procedural process, before exhausting the procedure of summary cognition, the instrument used was the precautionary action, autonomous process, separated from the principal, In order to preserve the right protected by the action of knowledge or execution. With the innovations brought by the CPC of 2015, the precautionary action of the normative was abolished, replacing book III of the old Code with book V of the current one, which brought to the national civil procedural legislation the type of provisional protection and its specifications.
Keywords: provisional guardianship – summary cognition – innovations.