A finalidade da aposentadoria especial, de acordo com Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, “é ofertar cobertura de risco social pertinente à nocividade inerente ao desempenho de determinadas atividades, pela submissão a agentes agressivos”, sendo que a redução do tempo de serviço impede que o trabalhador continue sujeito ao ambiente prejudicial. [1]
Frente a este propósito, a Lei9.7322/98 alterou oparágrafo 8º do artigo 577 da Lei 82133/91, regulando o exercício das atividades desenvolvidas pelo segurado após a concessão do benefício, igualando-o aos aposentados por invalidez, os quais terão a aposentadoria automaticamente cancelada se retornarem voluntariamente ao exercício de atividade ou operação que os sujeite aos agentes nocivos.
Destarte, dispõe o parágrafo 8º do referido artigo que “aplica-se o disposto no artigo 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos”, ou seja, o termo inicial de concessão da aposentadoria especial fica condicionado à “data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego.” [2]
Salientando que, conforme já mencionado, o recente Decreto 8.123/13 em seu artigo 69, parágrafo único, determinou o prazo de sessenta dias, contado da data de emissão da notificação, da cessação do pagamento do benefício de sua aposentadoria especial, sendo que até a data da entrada em vigor deste decreto a cassação era automática, conforme podemos verificar no dispositivo revogado:
Art. 69 [...]
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no art. 48 ao segurado que retornar ao exercício de atividade ou operações que o sujeitem aos agentes nocivos constantes do Anexo IV, ou nele permanecer.
[...]
Art. 48. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cessada, a partir da data do retorno.
Desse modo, passaremos a analisar as duas possibilidades quando da concessão do benefício da aposentadoria especial. Primeiramente, quanto à permanência do segurado no exercício das atividades expostas a agentes nocivos, e num segundo momento, mais precisamente no próximo subitem deste trabalho, a possibilidade da extinção do contrato de trabalho em razão do afastamento do segurado do exercício das atividades especiais.
Diante desta problemática, foi suscitada a Arguição de Inconstitucionalidade autuada sob número 5001401-77.2012.404.0000 pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cujo embasamento legal apoia-se nas normas e princípios constitucionais. Sua fundamentação defende que “a regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria”. Assim, a inconstitucionalidade da norma refere-se tão somente que a restrição à continuidade do desempenho das atividades expostas aos agentes nocivos por parte do trabalhador em gozo da aposentadoria especial, “não tem por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando de forma indevida o desempenho de atividade profissional”. [3]
De acordo com a ação, a referida vedação à continuidade do exercício da atividade especial restringe o desempenho de atividade profissional, em confronto com a norma constitucional, a qual somente permite restrição relacionada à qualificação profissional, vedando o acesso à previdência social ao segurado que implementou todos os requisitos estabelecidos na legislação vigente. [4]
De fato, se analisarmos os dispositivos norteadores utilizados no embasamento desta ação, podemos observar que há em confronto duas relações distintas entre si, quais sejam, o direito ao trabalho e o direito ao benefício previdenciário.
O texto constitucional estabelece em seu artigo 5º, inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” [5]. Sendo assim, o Estado não poderia intervir na relação contratual atinente à relação de emprego, afetando particulares.[6]
Sendo assim, de acordo com os princípios estudados acerca do direito previdenciário, a aposentadoria é entendida perante a Constituição Federal como um benefício concedido por meio do exercício regular de um direito. [7] Da mesma forma, o dispositivo do artigo7ºº, inciso XXXIII daCarta Magnaa, estabelece que a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”, portanto, a vedação não se estende ao trabalhador em gozo da aposentadoria especial. [8]
Quanto ao tema relacionado à participação estatal, acima mencionado, Julio Cesar Garcia Ribeiro, evidencia que o Estado esta cada vez mais se evadindo do compromisso de proteção, isto ocorre quando o mesmo reduz a sua esfera de participação na previdência social dos trabalhadores, buscando o “mínimo”, ou seja, “não apenas deixando de contribuir paritariamente para a manutenção do sistema, sobretudo estreitando cada vez mais o limite da cobertura do seguro social”. [9]
Conforme vimos, o direito previdenciário é uma matéria desafiadora e em constante movimentação quanto às novas regras atinentes às regras de concessão dos benefícios previdenciários. Diante disso, atualmente existem muitos trabalhadores, que mesmo aposentados continuam em atividade no mercado de trabalho. Salienta-se que não há qualquer impedimento legal para tanto. Por conseguinte, surgiu o instituto da desaposentação, ou seja, a possibilidade de o segurando retornar à atividade remunerada, ou seja, “é o desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime”. Contudo, tal regra não se aplica aos trabalhadores que se aposentam pelas regras da aposentadoria especial.[10]
De todo modo, é importante destacar que a desaposentação, no contexto atual, é fundamentada a partir de uma construção doutrinária e jurisprudencial, tendo em vista a ausência de regramento jurídico acerca de sua aplicabilidade. Ela ocorre no sentido inverso do conceito de aposentadoria, consoante estudamos no início deste trabalho.
Nos dizeres Viviane Schacker Militão, a desaposentação “é o ato de “desfazer o nó da aposentação”, ou seja, buscar todas as contribuições vertidas ao sistema desde julho de 1994 (ano em que entrou em vigor a moeda atual – o Real)”, somando a estas todas as contribuições lançadas após a concessão da aposentadoria, até a data do ajuizamento da demanda, nos termos do artigo 29 da Lei 8213/91. [11]
Todavia, conforme vimos, o referido instituto ainda não foi regulamentado, cuja matéria encontra-se pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário Nº 381.367, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, com repercussão geral em relação à possibilidade de desaposentação[12].
Notemos, portanto, que há a possibilidade de trabalhadores aposentados permanecerem em atividade no mercado de trabalho, muito embora não exista legislação específica regulamentando o tema, inexistindo qualquer impedimento legal para tanto.
Contudo, aos aposentados beneficiários da aposentadoria especial, permeia a vedação quanto ao desempenho das atividades as quais exerceram por toda a sua vida laboral, ou seja, quinze, vinte ou vinte e cinco anos, dependendo do caso.
Nesse sentido, esbarramos no conflito existente entre a norma constitucional, a qual prevê que é livre o exercício de qualquer atividade profissional, e a legislação infraconstitucional, que impede o exercício de atividades que expunham tais aposentados a agentes nocivos.
Assim, se o segurado exerceu por tanto tempo as mesmas atividades especiais exposto ao mesmo agente prejudicial à sua saúde, “não se pode admitir que seja então o segurado obrigado agora a conseguir outro emprego, sem conhecimentos para tanto, diante de uma vida toda dedicada a uma atividade.” [13]
Aqui, é interessante lembrar que nem todas as empresas possuem setores compatíveis com o perfil do trabalhador, o qual desempenhava a mesma função até aposentar-se, bem como existem atividades que, em sua essência, são insalubres, como o caso das mineradoras.
No que tange a referência feita pelo legislador infraconstitucional constante no parágrafo 8º do artigo 57 da Lei 8213/91 aos aposentados por invalidez, elucidam Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macêdo que a aposentadoria especial não é concedida em razão da incapacidade do segurado, mas sim pela exposição do mesmo aos agentes nocivos que supostamente prejudiquem a saúde ou a integridade física, diferentemente da aposentadoria por invalidez, a qual é assemelhada para cancelar o benefício. [14]
Os autores mencionam os dizeres de André Studart Leitão, o qual distingue as consequências do retorno à atividade dos aposentados por invalidez e especial, conforme segue:
A situação é completamente oposta na aposentadoria por invalidez. Nesta prestação, o fato gerador é dinâmico. A incapacidade pode desaparecer (ou não) a depender da melhoria (ou não) do estado clínico do segurado. Se há o retorno à atividade, desaparece a incapacidade e, por via de consequência, o próprio fato gerador específico do benefício, qual seja, a incapacidade total e permanente para o exercício de qualquer atividade. Na aposentadoria especial, ressalte-se novamente, o retorno à atividade especial não implica o desaparecimento do seu fato gerador, que é estático, diante de sua consolidação no passado, quando do exercício das atividades insalubres. Qualquer fato gerador posterior à concessão da aposentadoria antecipada não faz desaparecer o patrimônio jurídico do segurado (o exercício de condições especiais durante o período previsto na lei e o pagamento das contribuições durante o período estabelecido para a carência) e, consequentemente, o seu direito (adquirido) ao benefício.[15]
De modo diverso, Antonio Carlos de Oliveira, entende que permitindo que o segurado prossiga nas atividades consideradas nocivas fere o princípio da razoabilidade, haja vista que é como se estivesse empurrando o segurado para o abismo da aposentadoria por invalidez ou, até mesmo a morte. Desse modo, para o autor, há “o grupo dos que adquiriram o direito de continuar a desgastar a sua saúde e o grupo dos que foram resguardados desse desgaste”, tendo em vista que até a edição da Lei 9032/95, a qual introduziu a respectiva vedação, mais precisamente em 29 de abril de 1995, era possível continuar na atividade que vinha exercendo ao se aposentar, possuindo, o segurado, direito adquirido em gozar do benefício da aposentadoria especial e permanecer no exercício das atividades nocivas.[16]
Nesta senda, o legislador quando reduziu o tempo para a concessão da aposentadoria especial para quinze, vinte ou vinte e cinco anos, o fez com o intuito de que estes eram o máximo de tempo suportável para os trabalhadores, o que justificaria a aposentadoria especial.
Neste contexto, desde a instituição do instituto da aposentadoria especial “a lei deveria ter vedado a continuação do empregado na atividade nociva, não o fazendo, sujeitava o trabalhador ao risco de, com o tempo, não suportar mais trabalhar naquela atividade”. [17]
Da mesma forma, Marina Vasques Duarte segue o mesmo raciocínio, sendo que para a autora, a antecipação do tempo de trabalho deste benefício previdenciário tem o intuito de proteção do trabalhador, visando, desta forma, a proteção de sua saúde, conforme segue:
Se o operário já se sujeitou ao tempo máximo de exposição a agentes nocivos à saúde, não poderia a legislação permitir que ele continuasse prejudicando sua integridade física, já que a finalidade da concessão de aposentadoria especial é justamente a de retirar do mercado de trabalho antecipadamente este operário para amenizar os danos a sua saúde. [18]
Por derradeiro, não obstante os conflitos existentes na aplicação da norma mais adequada ao caso concreto, deve-se ter em mente que a interpretação do direito deve estar atrelada às normas constitucionais e infraconstitucionais, visando a proteção do trabalhador, possibilitando que este usufrua de seus direitos em todas as suas esferas de atuação e necessidades de concretização, calcado nos princípios constitucionais gerais e os específicos do Direito Previdenciário. [19]