Por Frederico Gomes Suzarte Magalhães
A reforma trabalhista no Brasil, promulgada em 2017, foi um marco significativo na legislação do país. Trata-se da maior mudança ocorrida nas leis trabalhistas desde a criação da CLT. O PL nº 6.787, buscava inicialmente alterar 07 artigos da Consolidação, mas ao final das discussões no decorrer do processo legislativo houve mais de 800 emendas propostas. Assim, a CLT foi modificada substancialmente em 104 artigos. Para entender seu contexto histórico e suas motivações políticas, é importante considerar um breve histórico.
Não obstante essa amplitude em termos de impacto regulatório, o processo legislativo como um todo durou pouco mais de quatro meses, considerando o despacho inicial para sua tramitação na Câmara dos Deputados, no dia 3 de fevereiro 2016, até sua aprovação final no Senado, no dia 10 de julho. Um tempo bastante curto tendo em vista a complexidade dos temas tratados e o histórico desse tipo de debate no Brasil. (CARVALHO, 2018. P. 99)
O processo legislativo até a aprovação da Lei nº 13.467/2017 durou em torno de 04 meses, como também foi com a reforma previdenciária, ocorrendo a tramitação do PL n. 6.787 entre um dos períodos mais conturbado da história democrática do Brasil, culminado no impeachment da presidente à época Dilma Rousseff.
O contexto político, portanto, teve um papel relevante. A reforma trabalhista foi proposta pelo governo do presidente Michel Temer e enviada ao Congresso Nacional em 2016, durante um período de intensa discussão sobre medidas de ajuste fiscal e reformas estruturais. O objetivo declarado era modernizar a legislação trabalhista, adaptando-a às novas demandas do mercado e estimulando a geração de empregos.
Ao longo das últimas décadas, o mercado de trabalho brasileiro passou por diversas transformações. O modelo tradicional de emprego, com fortes garantias trabalhistas e uma relação de trabalho mais estável, enfrentou desafios diante das mudanças econômicas, tecnológicas e demográficas. A globalização, a competitividade internacional e a necessidade de maior flexibilidade nas relações de trabalho foram alguns dos fatores que influenciaram o debate sobre a reforma trabalhista.
Com a criação da Lei n°13.467/2017, a expectativa do Governo era a geração de 06 milhões de empregos ainda durante os primeiros anos. Contudo, até o final do ano de 2022, foram criados um pouco mais de 05 milhões de novos empregos formais, a contagem ficou prejudicada, principalmente no ano de 2020, no qual passávamos por uma pandemia mundial.
As motivações políticas por trás da reforma trabalhista foram amplas e envolveram diferentes atores. Para alguns defensores, a flexibilização das leis trabalhistas era vista como uma forma de estimular o empreendedorismo e a competitividade das empresas, atraindo investimentos e promovendo o crescimento econômico. Acredita-se que a modernização das relações de trabalho poderia reduzir custos para os empregadores, aumentando sua capacidade de contratar e adaptar-se às demandas do mercado.
Por outro lado, críticos da reforma argumentaram que ela poderia fragilizar os direitos dos trabalhadores, aumentando a precarização do trabalho e enfraquecendo a capacidade de negociação dos sindicatos. Também houve preocupações em relação à possibilidade de ampliação da terceirização e ao enfraquecimento da Justiça do Trabalho.
Sandro Sacchet de Carvalho, 2018, assevera que as discussões a respeito da Reforma Trabalhista na Câmera dos Deputados e Senado Federal rodavam em torno de dois campos argumentativos principais, os “argumentos institucionais” e os “argumentos econômicos”, todos encontrados nos dois relatórios das casas legislativas de relatoria do Dep. Rogério Marinho e do Senador Ricardo Ferraço. Os argumentos institucionais repercutiam as seguintes questões:
- A CLT foi outorgada por um governo ditatorial de Getúlio Vargas como forma de garantir apoio da classe trabalhadora urbana; • A CLT possui matriz fascista, alegando que seria uma cópia fiel a Carta del Lavoro do ditador italiano Mussolini;
- A justiça do Trabalho é excessivamente pró-trabalhador, desestimulando assim, a criação de novos empregos.
Quanto aos argumentos econômicos temos como principais:
- A legislação trabalhista constitui uma trava para o crescimento de empresas devido aos custos das firmas, em função dos encargos trabalhistas.
- A legislação como estava era um inibidor de investimento estrangeiro por impor regras demasiadas onerosas em termos de recursos humanos.
A retórica argumentativa institucional não encontra razão, uma vez que tais argumentos já estão há décadas rebatidos pela doutrina majoritária, trata-se de uma tentativa de atribuir aos direitos trabalhistas o caráter de fascista, sendo que na realidade a CLT está revestida da influência ideológica do positivismo de Augusto Comte. Quanto aos argumentos econômicos, como visto anteriormente, os dados do IBGE revelam que a flexibilização da relação do trabalho não comportou como estimava o governo, pelo contrário, com a pandemia mundial do Coronavírus o direito do trabalho volta à tona demonstrando a importância da legislação forte de proteção ao trabalhador e a garantia de emprego. Segue alguns trechos retirados do Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal de relatoria do Senador Ricardo Ferraço:
“O disposto nos arts. 790, 790-B e 791-A da CLT, conforme o PLC, buscam dar racionalidade às demandas judiciais, reduzindo a quantidade de processos e tornando a Justiça Trabalhista mais célere” (BRASIL, 2017)
Contudo, é sabido que o entendimento da suprema corte é reiterado quanto a questão de celeridade processual não ser um entrave para o acesso à justiça, ou seja, cabe a todos os operadores do direito encontrarem soluções alternativas de conflitos, afinal os conflitos no curso da relação de emprego continuarão a existir, necessitando de soluções.
Hoje essa exigência tão natural não existe na Justiça Trabalhista, estimulando o seu sobreuso. É essencial ressaltar que não existe Justiça gratuita: ela sempre será custeada por alguém, inclusive por contribuintes pobres [...] Além de onerar o Estado, os honorários pagos aos peritos em caso de Justiça gratuita são mais baixos e demoram mais tempo a ser recebidos, potencialmente afetando o próprio resultado das decisões. Temos aí, portanto, mais um desenho institucional prejudicial à sociedade. (BRASIL, 2017)
A retórica argumentativa de justificativa do projeto de lei não comporta a realidade, os honorários do perito não são mais baixos porque o autor é beneficiário da justiça gratuita, pois quem define o valor é o magistrado, arbitrando conforme o empenho, zelo, e dificuldade do trabalho realizado. Quanto a questão da onerosidade do Estado, este é responsável pelo pagamento dos honorários, em caso de beneficiário da justiça gratuita, também em outros procedimentos fora da justiça do trabalho, não explicando por que a justiça do trabalho é mais cara ao Estado.
Segundo relatório do Senado Federal de autoria do Sen. Ricardo Ferraço, o Brasil é responsável por 98% das ações ajuizadas no mundo, embora tenha 3% da população mundial, segundo o relatório, a causa desta disparidade está no formato do atual processo trabalhista.
Contudo, esses dados já foram contestados por alguns especialistas no assunto, como o professor da Universidade Federal Fluminense, Cássio Casagrande, 2017, senão vejamos: (…) se as quatro milhões de ações trabalhistas nacionais representam 98% do total mundial, e se todos os demais países do mundo reunidos têm somente 2% delas, restam apenas… 81 mil ações trabalhistas anuais! Em todo o planeta! (…) Já vimos acima que nos EUA as ações trabalhistas são contadas na casa do milhão – numa estimativa conservadora e desconsiderado o efeito multiplicador das class actions. E que, segundo o Professor da Universidade de Bremen Wolfgang Däubler, há 600 mil ações trabalhistas anuais somente na Alemanha. A Itália teria cerca de 300 mil ações laborais anuais de acordo com os próprios defensores da reforma. (CASAGRANDE, 2018)
Assim, percebe-se que as motivações da legislação trabalhista (reforma) foram desarrazoadas e desproporcionais com relação a este ponto, tendo claramente como uma de suas características, o utilitarismo em reduzir os custos da máquina pública, sem, contudo, observar os direitos fundamentais dos cidadãos desafortunados.