GUARDA COMPARTILHADA E DISTÂNCIA GEOGRÁFICA: UM CONVITE À CRIATIVIDADE E À COOPERAÇÃO


17/08/2020 às 14h56
Por Felipe Piltcher da Silva

Com a entrada em vigor da Lei nº 13.058 de 2014, houve importante alteração no que diz respeito à guarda dos filhos. Isso porque, com referida lei, a modalidade compartilhada passou a ser regra, conforme restou determinado pelo parágrafo 2º do artigo 1.584 do Código Civil.

 

Desde o seu surgimento o compartilhamento do exercício da guarda vem se mostrando como medida extremamente benéfica às partes envolvidas em um litígio familiar, sobretudo aos filhos. Afinal, por meio dela, ambos os pais são chamados à atuarem conjuntamente nas questões mais importantes da vida dos filhos.

 

Inclusive, ter sido elevada à regra geral é fruto de uma crescente tendência à interdisciplinaridade nas questões familiares, invocando-se saberes da psicologia jurídica para que o direito seja aplicado de forma a preservar o bem-estar dos indivíduos.

 

Para que o conceito da guarda compartilhada seja melhor compreendido, recorro ao que afirma Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), in verbis:

 

“A guarda compartilhada é um modelo novo, cuja proposta é a tomada conjunta de decisões mais importantes em relação à vida do filho, mesmo após o término da sociedade conjugal.”[i]

 

Nesta senda, faz-se importante realizar diferenciação entre a guarda e a convivência, vez que, como bem elucidado pela citação acima, o instituto da guarda está relacionado com as importantes decisões da vida do filho, isto é, com a gestão da vida. Em paralelo a isso, há a necessidade de se regular os períodos de convivência de ambos os pais com o filho. Portanto, de forma breve se pode dizer que a guarda está para a gestão assim como a convivência está para o tempo de contato.

 

Confrontando tal entendimento, o Superior Tribunal de Justiça tem por certo que a distância geográfica é elemento inviabilizador da guarda compartilhada, o que – cabe destacar – além de ignorar as questões supramencionadas, parece destoar da “era virtual” em que vivemos.[ii]

 

De fato, o parágrafo 2º do artigo 1.583, do Código Civil, dispõe que, na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada. No entanto, o mesmo parágrafo complementa: “sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Também, o parágrafo 3º do mesmo artigo trata da cidade considerada base para moradia dos filhos – o que revela a clara possibilidade de que os pais residam em localidades distintas.

 

Assim sendo, com breve análise do que dispõe a lei, se pode perceber que o legislador buscou dar importância ao equilíbrio da convivência quando da guarda compartilhada, no entanto, não ao ponto de confundir tempo com gestão. Em linhas diretas, o que os artigos de lei pretendem é que, conforme as possibilidades de cada caso, se busque dar maior equilíbrio à convivência.

 

Além do mais, embora se saiba que o contato físico seja imprescindível, há de se destacar que o contexto atual já nos permite buscar formas criativas de superar as distâncias - ou amenizá-las - por meio das chamadas de vídeo, ligações, aplicativos de conversas e outros. Portanto, quando o legislador sugere que tenhamos em vista a realidade fática do caso, há ali uma provocação para que, visando o bem das relações, se busquem saídas para uma convivência equilibrada – ou o mais próximo disso.

 

Afinal, por mais difícil que seja encontrar o pretendido equilíbrio, a própria gestão conjunta da vida do filho, promovida pela guarda compartilhada, tratará de fazer com que o pai ou mãe que está distante se sinta parte da vida do filho, vez que compartilha a responsabilidade sobre as decisões tomadas. Por sinal, se até mesmo a convivência pode ser viabilizada por meios virtuais, quanto mais a participação em tomadas de decisão.

 

Portanto, não há razão alguma para que a mera distância geográfica seja obstáculo ao grande avanço das relações de parentalidade promovido pela guarda compartilhada. Afinal, com ela, os operadores do direito são provocados, em conjunto com as partes, a buscar soluções criativas e, acima de tudo, cooperativas.

 

[i]  DA CUNHA PEREIRA, Rodrigo. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. Pg. 134.

[ii] https://www.conjur.com.br/2016-jul-08/pais-cidades-diferentes-inviabilizam-guarda-compartilhada#:~:text=%C3%89%20invi%C3%A1vel%20a%20implementa%C3%A7%C3%A3o%20de,do%20melhor%20interesse%20dos%20menores.

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Felipe Piltcher da Silva

Advogado - Pelotas, RS


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